Marcadores dos últimos golos do FC Porto no estádio do Casa Pia? Carlos Nunes e António Santos.

Marcador do último golo do Casa Pia ao FC Porto? Carlos Frazão.

Não conhecem as personagens? Normal. Já não estão entre nós. Há 80 anos, porém, no dia 9 de abril de 1939, são elas as grandes protagonistas do derradeiro jogo registado entre gansos e dragões. Vencem os azuis e brancos por 2-1 na jornada 12 do Campeonato Nacional da I Divisão, época 38/39.

A partida disputa-se no Campo do Restelo, sito na Cerca do Restelo, onde hoje está o bairro com o mesmo nome. É aí que o Casa Pia realiza todos os jogos em casa na única passagem pela Primeira Divisão Nacional – oitavo e último classificado – e é aí que afronta pela última vez o FC Porto. Até agora.

Quis a Taça da Liga colocar olhos nos olhos, oito décadas depois, dois dos emblemas mais antigos do nosso futebol. O duelo realiza-se na quinta-feira no Estádio de Pina Manique, recentemente renovado (a inauguração data de agosto de 1954) e prontinho para acolher 1600 espetadores sentados. Um luxo.

Equipa do Casa Pia na única presença na I Divisão (Foto Facebook)

«O que é ser casapiano? Viver o clube em família»

Fundado a 14 de junho de 1920 por antigos alunos, o Casa Pia Atlético Clube estreia-se esta temporada na II Liga. O documento original da sua criação tem as assinaturas de criaturas com a eminência de Cândido de Oliveira e David Ferreira, historiador e pai do escritor David Mourão Ferreira.

Emblema de pergaminhos intelectuais, profundamente ligado à instituição de ensino que lhe dá nome. Mas o que é ser casapiano? O Maisfutebol socorre-se de um dos mais bem sucedidos produtos saídos desta escola de formação cívica e desportiva.

Pedro Santos, atual jogador do Columbus Crew mas com passagem importante por Rio Ave e Sp. Braga, veste a camisola negra dos gansos brancos entre 2002 e 2010. Esta quinta-feira, lá estará na bancada do novinho Pina Manique, a sofrer pelo clube lisboeta.

«O nosso código de valores é simples, mas muito forte: viver o clube em família. A palavra-chave é mesmo essa, família. Há uma ligação emocional eterna entre a instituição e os seus alunos e atletas», diz Pedro Santos.

Para ele, a possibilidade de ver um grande do nosso futebol pisar a relva de Pina Manique, num jogo oficial, é um sonho tornado realidade.

«Fico muito feliz, porque nunca vi um jogo desta dimensão no nosso estádio. Lá estarei, até porque continuo a visitar as instalações do Casa Pia. Tenho, aliás, um sobrinho nas camadas jovens.»

O Casa Pia da época 2019/20

«Lembro-me de ser apanha-bolas do Varela e do Beto»

O tempo não tira o pé do acelerador. Desafia limites de velocidade e memórias coletivas. Já passam dez anos desde o dia em que o nosso jornal entrevista Pedro Santos e os colegas do Casa Pia no final de um Leixões-Casa Pia para a Taça de Portugal.

Um jogo, confirma o próprio Pedro Santos, capaz de redefinir carreiras. «Nessa altura tínhamos uma grande equipa, mas estávamos na III Divisão. Ninguém nos via. Nesse jogo no Mar, o Leixões venceu, mas fizemos uma grande exibição. Foi a janela que precisávamos.»

Pedro acaba, de resto, por ser contratado pelo Leixões. Zeca, a outra face mais visível do talento casapiano, vai para o Vitória de Setúbal.

Em dez anos, o Casa Pia passa de clube que sobe e desce entre a III e os distritais para candidato às ligas profissionais.

«Era esse o meu objetivo, já quando jogava lá. Fui dispensado do Sporting, até podia ter sentido essa pancada, mas não desisti. Lembro-me de estar no Casa Pia e de ser apanha-bolas em jogos onde estavam o Silvestre Varela, o guarda-redes Beto e o Semedo, agora no V. Setúbal. Sentia-se que havia qualidade para levar o clube mais acima.»

Pedro fala de um emblema «familiar e envolvente», que vive à custa do «espírito casapiano» e da ligação entre ensino e futebol. «Eu nunca estudei lá, por acaso, estudava fora. Mas o Zeca estudava e jogava no Casa Pia, essa era a regra. Quem passa no Casa Pia, não esquece.»

É este o legado deixado pela geração de Pedro e Zeca. A possibilidade de ver o Casa Pia em horário nobre num jogo de futebol profissional. Para quem teve de esperar 80 anos por um jogo assim, a herança não é nada má.