Por: Francisco Sousa

Dizia o gato Garfield, personagem da banda desenhada e do cinema, que odiava as segundas-feiras de manhã. Assim como ele, certamente muito mais gente por esse mundo fora. Nesse grupo não estará incluído o plantel do Oriental. Pelo menos nesta segunda-feira: a manhã estava bonita, o sol resplandecia no Tejo e o emblema de Marvila tinha conseguido, 24 horas antes, um triunfo importantíssimo na casa do líder da II Liga, a Oliveirense, que permitiu à equipa ficar dois pontos acima da linha de água. Assim começava então a preparação para um dos jogos mais importantes da história recente do Clube Oriental de Lisboa (COL): a eliminatória dos oitavos de final da Taça de Portugal frente ao Marítimo.

O clube da capital encontra-se pela nona ocasião entre os 16 melhores da Taça de Portugal. Da última vez que chegou a esta fase da prova, caiu com estrondo perante o FC Porto (derrota por 6-0, num jogo marcado por um «poker» de Cubillas). Estávamos em 1976, um dia antes da comemoração dos dois anos da restauração da democracia em Portugal e por esta altura o Oriental já tinha caído para os escalões secundários, depois de ter estado duas épocas consecutivas no escalão principal (1973/74 e 1974/75).

Os jogos grandes não abundaram a partir daí, mas os que existiram acabaram por ficar na memória do atual presidente, José Fernando Nabais.

«As duas últimas grandes partidas que disputámos na Taça, para além da recente vitória com o V. Setúbal, foram em 1987 frente ao Sporting e na época 2004/2005 com o Benfica», recorda José Fernando Nabais.



O dirigente exalta também o facto de «o Estádio Eng. Carlos Salema ter estado lotado» na partida frente aos leões. Nesse encontro, o Oriental vendeu cara a derrota a uma equipa do Sporting na qual pontificavam jogadores como Manuel Fernandes, Oceano ou Virgílio. O campo era pelado, o que serviu para criar ainda mais dificuldades à formação de Alvalade.



Entretanto, o Oriental evoluiu: o campo há muito que passou a ser relvado, a equipa regressou aos escalões profissionais e recebeu, entretanto, um sintético, oferecido pela UEFA na sequência da presença da instituição que coordena o futebol europeu na capital portuguesa para a organização da última final da Liga dos Campeões.

Este campo tem sido utilizado sobretudo pelas camadas jovens (que antes treinavam num perigoso pelado), até porque o relvado do campo principal do Estádio Engenheiro Carlos Salema apresenta condições bastante dignas para um clube que, apesar da dimensão social grande, tem um orçamento modesto.

A intenção dos responsáveis do Oriental passava por receber novamente uma equipa do principal escalão. Não tendo sido possível, o presidente do clube não perde a esperança de vir ainda a receber um grande esta época. Algo que só será possível batendo o Marítimo esta quarta-feira.

«A pressão está toda do lado deles. São equipas com realidades completamente diferentes: enquanto nós lutamos para não descer na segunda liga, o Marítimo luta pela Europa. Agora, nós não vamos lá para brincar, nem para perder, antes pelo contrário. Vamos tentar disputar o jogo pelo jogo», afirmou José Fernando Nabais, que deixou ainda uma convicção pessoal: «Se ganharmos ao Marítimo, podem contar connosco para lutar pela Taça com os grandes».

O sorriso não escapou no fim desta afirmação, mas a verdade é que numa eliminatória tudo pode acontecer…

A crença do grupo e um treinador de discurso arrojado

O Eng. Carlos Salema apresenta-se à vista desarmada como um campo pequeno, arranjadinho e pintado de fresco mas modesto. O maior encanto encontra-se na zona de acesso aos balneários: um pátio, que mais parece de uma casa de habitação, com uma árvore de Natal ao centro e por onde passa de forma incessante um pequenino cão rafeiro, que é uma espécie de mascote do clube.

É neste ambiente familiar que os elementos do Oriental são recebidos diariamente. No rescaldo da vitória frente à Oliveirense, o grupo dividiu-se em dois na soalheira manhã que abre esta semana de sonho para o COL: enquanto os titulares da partida de Oliveira de Azeméis apenas realizaram corrida, num registo descontraído e de boa disposição, os restantes afincaram-se na procura de ganhar um lugar na equipa titular para o encontro da Taça.

Para o grupo de trabalho marvilense, esta não será só mais uma partida. Está em jogo a possibilidade de bater novamente um primodivisionário e também um recorde para o clube - o Oriental nunca passou dos oitavos de final na Taça de Portugal. É nisso que os jogadores se focam neste momento.

«Acreditamos na passagem aos quartos de final, caso contrário nem viajávamos até à Madeira», afirmou, de forma perentória, Mauro Bastos, um dos elementos mais experientes do plantel orientalista.

Aos 35 anos, o avançado tem vindo a aparecer mais nos últimos jogos do Oriental, por força dos problemas físicos que têm apoquentado alguns companheiros. Para já, nesta edição da Taça, Mauro Bastos tem um hat-trick concretizado e sonha poder continuar a fazer a diferença na competição: «Já eliminámos três históricos (Farense, Olhanense e V. Setúbal), porque não o quarto? Aqui entramos sempre para ganhar».

Para o jogador do Oriental não vale a pena falar em Jamor, porque o importante numa competição destas é mesmo ir «passo a passo».

Também o treinador João Barbosa, 37 anos, homem com ligação ao futebol desde a formação do Benfica, tenta afastar-se de tamanha responsabilidade: «Não faz sentido falar numa ida ao Jamor, olhando até para as restantes equipas que ainda estão em prova».

No entanto, refere, «numa prova a eliminar, diferente do campeonato, com um só jogo, tudo pode acontecer». Para o responsável técnico dos orientalistas, «quem está no futebol tem de acreditar sempre».

João Barbosa pode até nem querer falar em Jamor mas a ambição de atirar com o quarto histórico para fora da Taça está bem presente entre o grupo que treina: «A responsabilidade e a maior probabilidade de vitória pertente ao Marítimo mas nós acreditamos muito no nosso trabalho. Já eliminámos três equipas históricas e o último jogo com o V. Setúbal serviu para provar aos jogadores que se podem bater com qualquer equipa».

O técnico volta a falar desse jogo para frisar o que vai faltar à equipa no encontro frente aos madeirenses.

«Os adeptos têm sido fundamentais para nós e foram-no em especial no jogo frente ao V. Setúbal. O chamado 12º jogador dá-nos uma alma diferente. No entanto, mesmo sem eles, contamos connosco até porque temos muita força», refere João Barbosa, que leva dois anos e meio como treinador do clube (antes tinha tido uma experiência como adjunto).



Segundo ele, até agora tudo tem corrido «muito bem»: «O facto de termos conseguido a subida, de termos chegado à segunda fase da Taça da Liga e de estarmos nos oitavos da Taça mostra que a experiência tem sido muito boa. Tem acontecido uma sucessão de coisas positivas que só é possível porque acreditamos muito no nosso trabalho e na nossa forma de estar no futebol».

Quem também se mostra satisfeito com a experiência no Oriental é o avançado brasileiro Evandro Roncatto. Aos 28 anos, e depois de passagens pelo P. Ferreira e Belenenses, está a viver uma segunda vida no futebol português, depois de ter experimentado os campeonatos do Chipre, Grécia e Bulgária. Para ele, é legítimo sonhar com algo mais: «Toda a gente sonha em chegar a uma final de Taça ou conquistar algo. Temos essa possibilidade mas sabemos que vai ser muito complicado».

É fácil de constatar que o Oriental vive dias felizes. Financeiramente, está numa situação estável, mesmo que viva em constante aperto. Desportivamente, está a lutar para cumprir os objetivos mínimos no campeonato e quer fazer uma gracinha na prova rainha do futebol português. É altamente improvável conseguir juntar uma Taça à pequena mas honrada sala de troféus do clube de Marvila. Todos sabem disso e sabem, sobretudo, quais são as prioridades atuais do clube. No entanto, que ninguém ouse impedir o Oriental de sonhar alto…