Há uma linha que une Vianense e Benfica, rivais na Taça de Portugal esta sexta-feira. Chama-se Tiago, que, um dia, em Viana do Castelo, foi apenas o «filho do senhor Mendes», mas ganhou, por mérito e a pulso, direito a nome próprio no futebol português e mundial.

O médio do Atlético Madrid começou a dar os primeiros pontapés na bola no Vianense, clube da sua terra. Longe de imaginar que, um dia, iria vestir o vermelho do Benfica, o seu último clube em Portugal.

Até porque, em miúdo, como dizia João Pinto, o coração de Tiago só tinha uma cor: azul e branco. Quem nos conta é Israel Rodrigues, que jogou com ele nos infantis do Vianense. Quando questionado pelo Maisfutebol sobre uma possível divisão no coração do amigo para o jogo desta sexta, Israel não tem dúvidas, mas aproveita para separar as águas.

«O coração dele vai estar dividido de certeza. São dois clubes muito importantes para ele. Num deles iniciou-se, no outro conseguiu o salto para jogar no estrangeiro. Mas atenção, o Tiago não era benfiquista (risos). Pouca gente sabe mas o clube dele de coração é o FC Porto», conta o atual jogador do Valenciano.

Mas, logo depois, deixa uma ressalva importante: «Ele já disse, não em entrevistas mas disse-me a mim, que depois de entrar no Benfica não dá para ficar indiferente. Diz que quem chega àquela casa fica convencido…»

E o caminho que Tiago percorreu antes de chegar à Luz e à glória não foi linear. Altos e baixos, ziguezagues, bola no pé e bola na mão. Israel Rodrigues é o nosso cicerone pelos primeiros tempos de Tiago como jogador. Dos pelados de Viana, à Luz, Stamford Bridge, San Siro ou ao Vicente Calderón.


Tiago (primeiro à esquerda) no Vianense (Foto cedida por Israel Rodrigues)

Era muito «franzininho» e acabou no andebol

O pai, Carlos Mendes, passou-lhe a costela portista, mas, acima de tudo, o gosto pelo futebol. Também ele tinha sido jogador, sempre em escalões não profissionais. Esteve longe de atingir o estatuto do filho.

O que não quer dizer que não perceba de bola. «Creio que chegou mesmo a trabalhar para o Jorge Mendes, no scouting», conta Israel. Foi o pai, portanto, que levou Tiago ao Vianense. E foi o pai que o tirou de lá.

A experiência nos infantis do clube da cidade de Viana do Castelo durou um ano e meio. Foi aí que conheceu Israel. «Era conhecido entre nós como a arma secreta. Sempre que entrava fazia golo», conta. Ao contrário de Tiago, Israel seguiu carreira no distrito e foi mesmo, vários anos, capitão do Vianense.

«Se o Tiago foi dispensado do Vianense? Acho que não foi bem isso. Foi uma decisão que partiu dele», esclarece, quando questionado sobre a saída do clube. Na verdade, Tiago não era, por aqueles dias, primeira opção para o treinador. Motivo? A estampa física. Ou a falta dela.

Nas palavras de Israel, o amigo Tiago era «franzininho e pequeninho». Algo que, conhecendo bem o início da carreira do jogador não é difícil de acreditar. «O Vianense acabou por não o aproveitar como devia. Na altura…(pausa e risos) na altura…ainda hoje é assim! (mais risos). Mas na altura, dizia eu, davam muito valor ao aspeto físico. Ele foi preterido muitas vezes»
, conta.

Fartou-se de ser suplente e deixou o clube. Esteve, até, perto de deixar de vez o futebol logo ali, aos 13 anos. «Foi jogar andebol. Foi guarda-redes», conta Israel. O clube Capitães de Abril, perto de casa, acolheu-o, mas Tiago gostava mesmo era de bola no pé.

«Algum tempo depois acabou por ir jogar para o Âncora. Acho que ele tinha mais jeito para o futebol do que para o andebol», brinca Israel.

«Nunca estava contente, queria sempre mais»

Do Âncora seguiu para Braga. «Não tenho a certeza como ele acabou no Sp. Braga. Sei que ele tinha um tio que era diretor e creio que foi ele que o levou lá a treinar. Mas ele já tinha feito uma boa época no Âncora e já estavam de olho nele», diz Israel.

Em Braga completou a formação e convenceu Manuel Cajuda, na altura treinador da equipa principal, a dar-lhe minutos nos seniores, em 1999. Tiago tinha 18 anos. Nessa primeira época fez logo 19 jogos na equipa principal do Sp. Braga. Dois anos depois assinava pelo Benfica.

«O que fez a diferença foi o espírito dele. Tem espírito de vencedor. Nunca estava contente, queria sempre mais. Era diferente de nós, diferente dos outros. Voltei a encontra-lo já em júnior, estava ele no Braga, na altura já era chamado regularmente pelo Cajuda aos seniores. Estava igual, sempre a querer mais, sempre insatisfeito», elogia o amigo Israel.

Estava lançado para altos voos. Para trás ficavam as brincadeiras de miúdos em Viana do Castelo, nas quais desempenhava papel ativo. «Sempre foi reservado e tranquilo. Mas também brincalhão. Sempre pronto para a galhofa, como se costuma dizer», descreve.


Tiago no Benfica (Foto Reuters)

Um jogador da Juventus a treinar no Vianense

Todos os anos Israel organiza um jantar de Natal que junta alguns jogadores da sua geração e Tiago é presença regular. Não esquece as raízes o que cai bem no grupo.

Aliás, Viana não ficou esquecida. Nem o Vianense. Israel conta uma história curiosa.

«Houve uma altura, pouco depois daquele jogo que Portugal foi fazer ao Brasil, em que perdeu 6-2, estava o Tiago na Juventus, sofreu uma lesão gravíssima contra o Inter que até me arrepiou todo. Nessa altura ele chegou a vir uma semana treinar connosco a Viana durante a recuperação. Vinha para cá, fazia a parte tática connosco e a parte técnica com o pai, que sempre foi uma pessoa ligada ao futebol»
, sublinha.

Por isso, Israel Rodrigues acha possível que Tiago volte a Viana quando encerrar a carreira. «Não sei o que ele pensa fazer, mas Viana é uma cidade bonita, boa para criar os filhos», destaca.

E assim, ficaria mais perto dos amigos de infância para poder recordar histórias de outros tempos. Israel despede-se com outra.

«Uma vez, no Nacional de Infantis, fomos jogar a Paços de Ferreira. A mãe de um jogador da nossa equipa prometeu 200 escudos a cada jogador se ganhássemos e ganhámos com um golo dele. Deve ter sido o primeiro prémio de jogo do Tiago (risos). Nada mau, 200 escudos já dava para muitos rebuçados…», atira, numa última gargalhada.