O que a política separa, o futebol é capaz de unir. Imaginava ser possível juntar na mesma casa Bill Clinton, Saddam Hussein e Muamar Kadafi? Na pequena cidade guineense de Mânsoa, a norte de Bissau, as pedras do xadrez geopolítico realinharam-se por culpa de um professor de matemática. E assim nasceu esta improvável irmandade.

Bill, Saddam e Kadafi são irmãos de sangue, filhos do professor Naiana Sambú e apaixonados pelo mundo do futebol. O primeiro, homónimo do antigo presidente norte americano, vive em Espanha e joga em Portugal ao serviço do Desportivo de Monção, equipa da 1ª divisão da AF Viana do Castelo e que jogou contra o Rio Ave na III Eliminatória da Taça de Portugal.

É Bill Clinton quem conduz o Maisfutebol por esta deliciosa história de identidades, laços de sangue, genealogia e, naturalmente, sonhos de futebol. A partir da pequena localidade de Redondela, bem perto de Vigo.

«O meu pai gosta de política e batizou os filhos homens com nomes de políticos. O meu irmão mais velho é o Saddam Hussein e o mais pequeno é o Khadafi. Ele diz-nos que gosta mais dos nomes do que das personagens (risos). Ainda tenho mais duas irmãs, mas têm nomes normais. O meu pai agora é inspetor do Ministério da Educação guineense, é uma pessoa muito atenta», explica Bill Clinton a partir da sua sala galega, que só pode ser oval.

O pai de Bill, curiosamente, até nem liga por aí além ao desporto. Por ele, os filhos teriam sido outra coisa qualquer, que não futebolistas. «Quando eu era mais pequeno, o meu pai não aceitava que eu jogasse futebol. Ele dava aulas de matemática e queria que eu me concentrasse na escola. Mas quando tinha 12 anos, uma seleção da minha região foi fazer um torneio à Gâmbia e os responsáveis pediram ao meu pai para me deixar ir.»

Foi «a melhor coisa» que podia ter acontecido a Bill Clinton. «O meu pai aceitou, eu fui e quando cheguei a casa tinha comigo o troféu de terceiro melhor jogador da prova. Ele viu a taça e ficou convencido, percebi que estava orgulhoso de mim. Pouco a pouco comecei a jogar mais a sério e aos 14 anos fui para a Academia Internacional de Futebol, em Bissau.»

Bill Clinton (ao meio) na Academia Internacional de Bissau

Atravessar todos os dias a fronteira para treinar e jogar em Monção

Bill Clinton tem 19 anos e chegou a Portugal no dia 21 de fevereiro de 2020. Pouco antes da eclosão da pandemia no nosso país. O médio destacou-se na academia de Bissau e recebeu um convite para fazer testes no Montalegre, do Campeonato de Portugal. A suspensão das provas trocou-lhe as voltas, mas as amizades não o deixaram cair na solidão e no desamparo.

«A academia tem uma parceria com um grupo de empresários espanhóis e um deles é o meu agente, o Júlio Vazquez. Mas quando cheguei a Portugal, apareceram os primeiros casos de coronavírus na Galiza, a região onde vivem os meus representantes. O teste no Montalegre foi cancelado e me tentei juntar aos meus agentes em Espanha, mas as fronteiras foram fechadas», recorda Bill Clinton, «aliviado» por tudo ter superado.

«Tive de ficar até 2 de julho em Ponte de Lima. Um amigo meu chamado Maná recebeu-me em casa e ajudou-me durante esses meses, até à reabertura das fronteiras. Em julho fui para Espanha e comecei a treinar na escola do senhor Iago Bouzón, um antigo jogador do Celta de Vigo e do Recreativo Huelva, que trabalha com os meus empresários. Treinámos um mês com ele e depois apareceu a possibilidade de assinar pelo Monção.»

Além de Bill Clinton, o Monção tem mais três atletas guineenses; Edilson, Sabinbi e Ibraima. A amizade entre o empresário Júlio Vazquez e o presidente do Monção abriu as portas do futebol português a estes jovens candidatos ao profissionalismo.

«Vivemos os quatro em Redondela e atravessamos todos os dias a fronteira de Valença», conta Bill Clinton, uma simpatia. «São 35 minutos de carro. Dividimos um apartamento e estamos sempre juntos.»

Bill Clinton a treinar sob o olhar de Iago Bouzón

O elogio a Carlos Mané de um adepto do FC Porto

O Desportivo de Monção-Rio Ave acabou com um apertado 1-2 para a equipa da I Liga. A equipa raiana deu uma resposta fantástica e esteve até ao fim a tentar o ‘milagre’. Bill Clinton entrou na parte final, enquanto Sabinbi e Ibraima jogaram os 90 minutos.

«O meu sonho é chegar a esse nível, a uma equipa como o Rio Ave. Quando vencemos a II Eliminatória da Taça de Portugal e soubemos que íamos jogar contra eles, nem queria acreditar. Depois adorei conhecer o Carlos Mané, muito simpático. Os jogadores do Rio Ave são muito humildes.»

Viciado em futebol, Bill é um adepto atento do FC Porto. «É o meu clube em Portugal, gosto muito do Porto. E do Sp. Braga também. Mas para já não vale a pena pensar muito neles. Quero dedicar-me e jogar muitas vezes no Desportivo de Monção. Na pré-época fui sempre titular, mas depois tive problemas com a minha inscrição e só comecei a jogar agora. Fiz dois jogos no campeonato e um na taça contra o Rio Ave.»

Bill Clinton é futebolista do Desportivo de Monção e um médio defensivo que está «a aprender para ser bom». Saddam Hussein, o irmão mais velho, abandonou recentemente o futebol para se dedicar aos estudos. Kadafi, o mais pequeno, contraria o coração do professor Naiana Sambú e já segue as pisadas do irmão Clinton.

A grande aliança entre Clinton, Saddam e Kadafi chama-se futebol.