Estádio da Mata Real, Paços de Ferreira. Jogo à noite e televisionado. Uma enorme mancha azul nas bancadas, quase a jogar em casa, a gritar Famalicão. Triunfo sobre uma equipa do principal escalão do futebol português. Coisa de clube grande. No dia seguinte regresso à terra. Treino para preparar o próximo jogo a contar para o Campeonato Nacional de Seniores (CNS), terceira divisão do futebol português.
 
Foi isto que o Famalicão viveu; por um par de horas os famalicenses voltaram a respirar a sensação de estar entre os principais clubes nacionais, relembraram-se os tempos em que o clube andou na primeira divisão, já lá vão vinte anos. Estão agendadas novas emoções para o início do próximo ano, quando os homens de Daniel Ramos voltarem a entrar em campo para defrontar nova equipa da Liga em jogo dos quartos de final da Taça de Portugal, eles que são o único sobrevivente que não é do escalão principal.
 
«Um feito» diz Vilaça, um dos capitães de equipa. O treinador, Daniel Ramos, fala num «enorme orgulho deste percurso na Taça», já Ivo Dias, um dos responsáveis pela comunicação e pelo marketing do clube, destaca a «união entre a cidade e o clube». O Famalicão recebeu o  Maisfutebol no Estádio Municipal, para falar sobre a prestação na Taça, mas não só. O clube de Vila Nova de Famalicão abre as portas da sua história aos nossos leitores e mostra o trabalho que está a ser feito para recuperar o «grande» Famalicão.
 
Rui Borges, antigo jogador do Boavista, Alverca, Belenenses e Estrela da Amadora, atual diretor desportivo do Famalicão, foi o anfitrião da visita. Ao lado a equipa cumpria mais uma sessão de treino. No relvado secundário, sintético, para poupar o relvado principal. Primeira nota: nada é feito ao acaso, o Famalicão revela uma organização acima da média para quem milita no CNS.
 
Profissionalização e sócios a regressar
 
O diretor desportivo é um exemplo disso mesmo. Entrou para o clube com a nova direção, tendo como missão conferir ao futebol do Famalicão um cunho mais organizado e profissional. Chegou ao clube quando pairava no ar nova descida aos distritais, conseguiu-se evitar isso e no horizonte já estão os campeonatos profissionais. Não era esse o objetivo inicial, mas uma pré-época prometedora e a campanha até ao momento não deixam que esse objetivo seja uma mera utopia.
 
A passagem aos quartos de final da Taça de Portugal é encarada como uma oportunidade de mostrar aquilo que está ser feito no clube, ajudando dessa forma no processo de revitalização do Famalicão, por exemplo, no que aos associados diz respeito. Atualmente com cerca de 2600 associados, a ambição passa por aumentar este número.
 
«O Famalicão é um clube grande, temos sentido um grande número de sócios a vir ter connosco; desde o início do ano já captamos cerca de três centenas de novos sócios. A cidade e o concelho estão unidos em torno do clube e a campanha na Taça de Portugal traz-nos ainda mais visibilidade», confidenciou Ivo Dias, recordando que o clube já chegou a ter o triplo dos associados que tem hoje.  
 
Quatro na Liga e mais na calha
 
Fundado em 1931, a história dos 83 anos do Futebol Clube de Famalicão teve o seu ponto alto nos primeiros anos da década de noventa, altura em que esteve quatro épocas consecutivas na primeira divisão. A estas quatro participações juntam-se duas anteriores nas temporadas 1947/1948 e 1978/1979.
 
Sedeado na cidade de Vila Nova de Famalicão, que ostenta o «título» de terceiro concelho mais exportador do país, o clube tem na formação uma das suas principais fontes de vitalidade. Atualmente o formação conta com cerca de três centenas e meia de miúdos nas camadas jovens. Quatro nomes despontam na Liga com passagem pela formação do Famalicão.
 
Bruno Moreira e Ricardo, do Paços de Ferreira, Ukra, do Rio Ave e ainda Paulo Oliveira do Sporting já envergaram a camisola famalicense. O técnico Daniel Ramos, que orienta atualmente o clube no CNS, acredita que há mais jogadores na calha para poderem jogar na Liga.
 
«Não tenho dúvida nenhuma que alguns destes jogadores vão dar o salto e que esta participação na Taça os pode ajudar. O Famalicão é uma boa equipa e tem jogadores que podem atingir outros patamares, não só o Famalicão, mas outras equipas do CNS. Felizmente que as equipas de divisão estão a repescar jogadores que estão a ser importantes para a Liga, é sinal de qualidade ao nível dos jogadores e também dos treinadores».
 
Adeptos: «Não é de estranhar aquela moldura humana que esteve Paços»
 
A profissionalização de vários setores do clube e a criação de diversos departamentos é, como já foi referido, um dos pilares nos quais assenta a estratégia da direção liderada por José Pina Ferreira. Os próprios jogadores, embora não tenham contratos profissionais, dedicam-se exclusivamente ao Famalicão.
 
É com este pressuposto que Rui Borges, diretor desportivo, faz por proporcionar à equipa todas as condições para trabalhar de forma profissional. O Estádio Municipal, que está de cara lavada e cujas paredes vão-se embelezando com a história do clube, está mais organizado e de acordo as exigências de um nível superior.
 
Contudo, e tal como em qualquer clube, a força maior do Famalicão está nos seus adeptos. Na Mata Real a falange de apoio foi enorme. Quem conhece o clube diz que não é caso para ficar admirado.
 
«Não é de estranhar. Ainda no último jogo do CNS tivemos cerca de 800 adeptos em Ribeirão, com bilhetes a 10 euros. É sinal que temos uns adeptos que acompanham o clube para todo o lado, independentemente de ser o Paços de Ferreira. Acredito que se o jogo tivesse sido a um domingo ainda teríamos lá muito mais pessoas», diz Ivo Dias.
 
Vilaça, capitão de equipa, corrobora com a opinião de que os adeptos do Famalicão são especiais, recordando que depois da eliminação do Paços de Ferreira os jogadores famalicenses foram «recebidos de uma forma fantástica pelos adeptos».
 
 
«Seja qual for o adversário, queremos jogar em casa»
 
Falar do Famalicão leva a que obrigatoriamente se aborde a campanha na Taça de Portugal. Não se trata da melhor prestação do clube na prova, em 1946 os famalicenses foram semifinalistas, mas ainda assim a inclusão entre os grandes do futebol português na presente época, leva as gentes de Famalicão a voltar sonhar com a ribalta, com os grandes jogos. O próprio diretor-desportivo confidenciou ao Maisfutebol, enquanto assistíamos ao treino, que ao ver as luzes da Mata Real teve vontade de «pegar nas chuteiras e entrar lá para dentro».
 
Vilança ainda não se imaginou a entrar no Jamor, até porque ainda faltam dois passos. Mas, já sonha com isso. Para já, os quartos de final: «O nosso primeiro sonho é jogar em casa, independentemente do adversário. Para esta massa adepta ia ser fantástico. Depois, estamos ali tão perto, quem sabe; umas meias-finais e até quem sabe a final».
 
O técnico Daniel Ramos diz que o objetivo do clube na Taça era chegar à terceira eliminatória, com esta campanha diz com um sorriso impossível de esconder que «o Famalicão está a ser reconhecido e dignificado, e que pode ter uma vez mais oportunidade de se mostrar e, quem sabe, até poder brilhar».
 
Também o treinador não ousa desejar qualquer adversário para o sorteio que se realiza hoje, segunda-feira. Daniel Ramos segue os anseios da direção e pede um grande, para a receita. A evitar, só mesmo uma deslocação à ilha da Madeira. «No plano financeiro o clube quer uma equipa grande e as melhores classificadas do futebol português seriam bem-vindas, nomeadamente o Sporting ou até o Sp. Braga, que são as equipas que nos podem trazer mais receita. Desde que seja em casa, qualquer equipa já seria um bom sorteio paras nós, porque jogar perante o nosso público equilibraria as diferenças perante a equipa de primeira que irá aparecer. Assim teríamos um pouco mais de possibilidades de passar às finais».
 
Sporting, Sp. Braga, Belenenses, Gil Vicente, Nacional, Rio Ave, Marítimo. Sete clubes da Liga, aos quais se junta o Famalicão. Em Vila Nova de Famalicão sonha-se; para já, com o Jamor. Ninguém o assume, mas está implícito no brilho dos olhos daqueles que por estes dias anseiam pelo raiar do dia para ver o Famalicão encher páginas de jornais.
 
Haverá algum famalicense que, à boleia com esta prestação na Taça, não volte a sonhar com o Famalicão de novo no principal campeonato do futebol português?