Uma mesa farta, sardinhas, couratos, cerveja e tinto. Ah! E futebol. Combinação perfeita com condimentos reunidos uma vez por ano no sítio do costume: na festa da taça, no Jamor. Onde mais poderia ser?

Ainda não eram duas da tarde e o ambiente encontrado na zona dos estacionamentos anexos ao Estádio Nacional situava-se entre o de um jogo de futebol e o de um parque de campismo no verão. Tendas, toldos, cadeiras, geleiras e fogareiros abastecidos e o caos próprio daquelas festas que nunca podem acabar mal.



Aqui, a prioridade passa por reunir tropas antigas, pela cavaqueira pontuada por uma sardinha ou uma bifana no pão. A bola, essa, até parece um pretexto para um dia diferente. E é capaz de ser verdade. Ao longo do ano há milhares de jogos. Só na I Liga disputaram-se esta época 306 partidas, nenhuma deles seguramente com o ambiente desta. Um ambiente onde todos se sentem bem mas que poucos conseguem explicar porquê. Acontece assim com as coisas boas da vida.

No Jamor também se reivindica...


O Maisfutebol chegou ao Jamor já com a festa fora do estádio a todo o vapor. Os corredores quase entupidos de adeptos, o cheiro intenso a grelhados e o fumo acumulado no ar denunciavam-no, tal como as mesas tipo-fim-de-refeição que fomos encontrando à medida em que a hora do jogo se aproximava.

Muitos grupos já lá estavam desde cedo. «Somos ali de Sintra e chegámos às 20 para as 7 da manhã. O que é mais importante aqui? É o convívio com os amigos. Não importa se somos do Sporting, do FC Porto, do Benfica ou do Boavista», conta José Silva, um dos anfitriões de um grupo com cerca de 20 pessoas, um terço deles adeptos do... Benfica.

Se há quem chegue ao Jamor pela fresca, também há quem passe lá a noite. Na véspera, as conferências de imprensa dos jogadores das equipas finalistas foram realizadas ao final da tarde. Quem lá esteve conta que já havia gente a instalar-se para o dia seguinte.



A contagem decrescente para o jogo que marca o cair do pano sobre mais uma temporada faz-se entre conversas e jogos de cartas. À cabeça de uma mesa, Adriano Filipe, presidente do Sintrense durante 13 anos e membro da assembleia geral da Associação de Futebol de Lisboa, mostra-se um acérrimo defensor da realização da final da taça no Vale do Jamor. «É aqui que a taça tem as suas raízes», argumenta enquanto aponta à sua volta.

Beber em trabalho não é aconselhável, mas a «festa da taça» permite-nos este tipo de «heresias». Das várias que foram oferecidas ao Maisfutebol, só aceitámos uma, do grupo da imagem de abertura do artigo, que se apresentou como «Amigos da Baiúca». Até parecia mal...

«Gostava muito quando os adeptos ainda se misturavam. Agora isso já não acontece tanto», atira uma senhora sentada do outro lado da mesa.

De facto, aquela zona do Jamor está maioritariamente ocupada por adeptos leoninos. O verde predomina num raio amplo e é preciso calcorrear um logo caminho até para lá da zona sul do Estádio para avistar uma maior franja de adeptos do Sp. Braga. É por lá que o Maisfutebol se cruza com os jogadores da equipa que em 1996 ergueu a taça pela primeira e única vez na história do clube minhoto. Carlos Canário era o capitão dos bracarenses: tinha na altura 21 anos e genes de futebolista. O pai, com o mesmo nome, foi internacional português e jogou no Sporting no tempo dos Cinco Violinos.

Vencedores da final em 1966: continuam a ser a única equipa da história do Sp. Braga a conseguir erguer a Taça


Aparte feito, sigam as recordações: «Foi um trajeto muito comprido. Nos quartos de final calhou-nos o Benfica, com o Eusébio, o Coluna e o José Augusto. Lá em Braga levaram 4-1. Aqui, perdemos 3-1 mas o Benfica jogou com 12», aponta.

E sobre a final? «Olhe, umas semanas antes tínhamos levado 8-1 em Setúbal e eles vieram todos presuncosos. Achavam que era favas contadas.»

Canário atesta as sensações «diferentes» que o Jamor desperta nos jogadores. A bandeira nacional, a força das vozes dos adeptos... Não terá mudado assim tanto. «Na entrada em campo, parecia que não tinha forças para subir. As pernas tremelicavam», diz apontando depois para Bino, outro herói dos arsenalistas há quase 50 anos. «Ele jogava a extremo e no final do jogo veio cá atrás e tirou uma bola em cima da linha de golo.» Bino sorri com orgulho e apresenta-se como um especialistas em trivelas. «Está a perguntar-me se eu era uma espécie de Quaresma de antigamente? Nada disso! O Quaresma é que é o Bino de agora.» Ora toma lá!

Ao longo da tarde, quase nada houve a registar em termos de segurança para além de uma escaramuça rapidamente sanada e do rebentamento de um petardo que originou um ferido sem gravidade. «Vive-se um ambiente de festa no Jamor», disse o subcomissário da PSP, Hugo Abreu, num dos pontos de situação.

Fossem todas as festas como esta!

Quando é a próxima?