Paul, John, George e Ringo. The Beatles, os Fab Four.

Let It Be, Come Together, She Loves You, Hard Days Night, Hey Jude, Here Comes the Sun, Across The Universe.

Melodias sem tempo, sem espaço, sem lugar. Pertencem a todos nós, às memórias de uma festa de garagem, a uma autoestrada escura iluminada pela música da rádio, às imagens de um concerto que não nos larga o coração.

Paul, John, George e Ringo. Artistas intemporais, do mundo, mas muito especialmente de Liverpool. É lá que nascem e crescem, é de lá que criam raízes para conquistar os palcos do planeta.

A propósito da visita do FC Porto para Anfield Road, o Maisfutebol redescobre a banda mais mediática de sempre e a ligação que os senhores McCartney, Lennon, Harrison e Starr tiveram com o futebol e pelo futebol.

Ray O’Brien, historiador e biógrafo oficial da banda, é o nosso guia nesta viagem por um lado menos familiar do grupo. E a primeira confidência é, desde logo, surpreendente.

«Bem, na verdade nenhum deles foi alguma vez adepto do Liverpool. Em relação a isso o FC Porto pode estar sossegado.»

The Beatles e um cachecol do Liverpool (só para a foto)

«O Paul [McCartney] admitiu há poucos anos que é adepto do Everton»

Estudioso, homem dos livros, Ray O’Brien é um contador de histórias experimentado. Sabe o que o jornalista procura, percebe o objetivo da reportagem.

«Fui colega de escola do Paul e do George. Andámos no Liverpool Institute. O Paul esteve comigo de 1958 a 1960 e o George saiu em 1959. Sei que é estranho, mas nenhum deles - principalmente o George - mostrava qualquer interesse por futebol, ao contrário de todos os outros rapazes», conta Ray O’Brien.

«Liverpool é uma cidade louca por futebol, todos têm afeição por um dos clubes locais. Eles preferiam andar com a guitarra e papéis na mão. Não davam um pontapé na bola durante os intervalos.»

Percebemos que o Liverpool FC, adversário do FC Porto na terça-feira, não enfeitiçava os Beatles. Quer isto dizer que nenhum deles tinha simpatia por um clube ou não seria bem assim?

«Toda a família do meu amigo Paul torcia pelo Everton. Mas lembro-me de ver uma foto dele em Wembley, em 1965, durante a final da Taça de Inglaterra entre Liverpool e Leeds. Com um cachecol do Liverpool ao pescoço», conta o escritor.

McCartney, afinal, gosta do Liverpool?


«O Paul explicou tudo há alguns anos, numa entrevista a uma rádio local. Disse que nasceu numa casa ‘blue’, do Everton, mas que simpatiza com os dois clubes. Sempre foi muito diplomático. Depois lá confirmou que no dérbi de Merseyside, o jogo mais importante da época, é sempre pelo Everton. Por isso, sim, o Paul é Evertonian, admitiu-o claramente nessa conversa.»

À atenção, pois, de Marco Silva.

«O John pôs um jogador do Liverpool na capa do Sgt. Peppers»

Secretismo, jogo de preferências, informações contraditórias. Os Beatles procuraram sempre não afugentar fãs por culpa do futebol. Raramente falaram em público do tema e nessas ocasiões fizeram-no quase sempre nos tons preferidos: o humor e o sarcasmo.

«Veja o caso do George [Harrison]. Um jornalista quis saber o clube dele e o George respondeu como só ele sabia. ‘Bem, rapaz, em Liverpool há três clubes [Liverpool, Everton e Tranmere] e eu prefiro o outro’.»

Paul é do Everton, George é 'do outro'. Faltam Ringo e John. Vamos a eles, com a ajuda de Ray O’Brien.

«O John foi o responsável pela colocação da imagem do Albert Stubbins [jogador do Liverpool de 1946 a 1953] na capa do álbum Sgt. Pepper’s Lonely Hearts Club Band. Perguntei-lhe uma vez ‘porquê o Stubbins?’ e ele disse-me que era o grande ídolo do pai. O pai do John, esse sim, adorava o Liverpool.»

John Lennon, assegura o senhor O’Brien, não foi influenciado pelo pai. «Não, nada. Na música Dig It ele fala sobre o Matt Busby, que também jogou no Liverpool, mas novamente para homenagear o pai.»

«Mais tarde, em 1974, o John lançou um álbum [Walls and Bridges] e a capa é um desenho dele, feito quando era miúdo, sobre um jogo de futebol. Analisei e percebi que se referia ao Arsenal-Newcastle de 1952, final da taça.»

E Ringo, o baterista dos Beatles? «Foi sempre o que mostrou mais interesse pelo jogo. Mas não pelo Liverpool», ri-se Ray O’Brien. «Por influência do padrinho, que vivia em Londres, gostou sempre do Arsenal e do Charlton.»

Um Arsenal-Newcastle desenhado por John Lennon

«O Paul jogou futebol mas percebeu que não era talentoso»

Cavern Club, Penny Lane, Strawberry Field, Igreja de St. Peter, locais de peregrinação para todos os fãs dos Beatles na cidade de Liverpool. Anfield Road não entra no percurso, embora as músicas dos Fab Four sejam escutadas no estádio antes de todos os jogos.

«Desde os anos 60 que os adeptos cantam sempre a She Loves You, a I Want to Hold Your Hand e a Hard Days Night. E a música You’ll Never Walk Alone, que se tornou um hino do Liverpool, foi escrita pelos Gerry and the Pacemakers. O Gerry sempre foi louco pelo Liverpool, ao contrário dos Beatles», conta Ray O’Brien, sempre preparado para narrar mais um pormenor.

Inesquecível, por exemplo, o dia em que durante um dérbi entre o Liverpool e o Everton a multidão em Anfield Road passou boa parte do jogo a cantar músicas dos Beatles. Fê-lo de forma expontânea. Apenas porque sim.

«Os falecidos John e o George foram sempre, como dizer, o lado mais artístico da banda. Mais excêntrico, talvez, virado para as artes. O Paul e o Ringo eram e são mais terra a terra, mais partidários de prazeres terrenos. O Paul dizia-me, aliás, que jogou futebol aqui em Liverpool dezenas de vezes, com amigos», garante o biógrafo dos Fab Four.

«Acho que foi percebendo que não era suficientemente talentoso e depois apaixonou-se pela música. Na adolescência, quando o conheci, já estava muito desligado do jogo.»

Um ano depois, o FC Porto volta a pisar o solo sagrado da cidade dos Beatles. Um lugar marcado pelo passado do quarteto, um lugar repleto de tours mais ou menos oficiais aos santuários homenageados pela música de Paul, John, George e Ringo.

Ray O’Brien é adepto do Liverpool há 60 anos, «ao contrário desses rapazes», e estará em Anfield no dia 9 de abril.

«Bem, já vi o meu clube a ser cinco vezes campeão da Europa. Não posso exigir muito mais. Espero eliminar o FC Porto, mas com mais dificuldade do que o ano passado. Aqui ninguém se acredita em mais uma goleada por 5-0.»

A letra da música 'Dig It', onde surge o nome de Matt Busby:

Like a rolling stone

A like a rolling stone

Like the FBI and the CIA

And the BBC, BB King

And Doris Day

Matt Busby

Dig it, dig it, dig it

Dig it, dig it, dig it, dig it, dig it, dig it, dig it, dig it

That was 'Can You Dig It' by Georgie Wood.

And now we'd like to do 'Hark The Angels Come'.