Os portugueses tinham acabado de recuperar do susto de um penálti falhado por Burak Yilmaz no Estádio do Dragão perto do minuto 90, quando de Palermo veio a notícia inesperada: a Macedónia do Norte gelava a Itália campeã da Europa, com um golo marcado no período de compensação.
A confirmação do apuramento macedónio para a final do play-off de acesso ao Mundial surgiu minutos depois, mais ou menos ao mesmo tempo que Matheus Nunes assegurou a vitória portuguesa, com o golo eu fez o 3-1 no Dragão.
Um momento que Tomás Martins Bozinoski viveu como uma dupla alegria e o início de um jogo que lhe vai dividir e fazer palpitar de forma especial o coração.
Afinal, frente a frente no Estádio do Dragão vão estar Portugal, o país onde nasceu e cresceu; e a Macedónia do Norte, onde nasceu o pai e nação pela qual ele próprio é internacional sub-21.
Tomás Bozinoski.
Bozinoski.
O nome soará certamente familiar a quem acompanhou o futebol português no início da década de 90.
Sim, Tomás é filho de Vlado. O médio que em 1989 chegou a Aveiro para reforçar o Beira-Mar e que ficou por terras lusas mais cinco épocas, durante as quais representou ainda Sporting, Paços Ferreira e o Felgueiras de Jorge Jesus.
E tal com o pai, também Tomás se dedicou ao futebol e, aos 20 anos, representa a U. Leiria, depois de ter dividido a formação em clubes como o Beira-Mar, FC Porto, Académica, V. Guimarães ou P. Ferreira, e ter iniciado o percurso sénior no Marinhense.
«Vivi sempre em Portugal, mas também tenho sangue macedónio»
Foi em Aveiro, na cidade onde o pai iniciou o percurso em Portugal, que nasceu Tomás, filho de Vlado e de mãe portuguesa.
E apesar admitir que foi muito poucas vezes à Macedónia do Norte – a família paterna mora há vários anos na Austrália, país pelo qual o pai foi internacional - é forte a ligação que mantém ao país dos Balcãs.
«Nasci em Portugal e vivi cá a minha vida toda. Mas o meu pai e os meus avós são macedónios. Também tenho essa parte no meu sangue», sublinha o guarda-redes que já vestiu quatro vezes a camisola dos sub-21 da Macedónia.
«Não tenho nada a perder. Vou ficar contente de qualquer maneira, seja qual for o resultado. Por isso, só espero que passe a seleção que mais merecer», acrescenta o jovem que irá ver o jogo no estádio juntamente com a família.
Ele que, naturalmente, na passada quinta-feira, acompanhou os jogos de Portugal e da Macedónia do Norte ao mesmo tempo.
«Vi os dois jogos, claro. Tinha um jogo na televisão e outro no computador. No final, fiquei muito contente por Portugal ter passado e aquele golo da Macedónia também me deixou muito feliz», descreve.
«Percebe-se a reação dos portugueses, mas tudo pode acontecer»
«Milagre.»
«A fé de Fernando Santos volta a fazer das suas.»
«Que mais poderia Portugal pedir?»
As reações dos adeptos da seleção portuguesa não fugiram muito disto.
De repente, o caminho para o Mundial do Qatar parecia encurtar-se para ficar mesmo à medida da ambição lusa.
Afinal, em vez da toda-poderosa-Itália-campeã-europeia, Portugal teria pela frente a 67.ª seleção do ranking FIFA. Uma equipa que está atrás de nações como a Jamaica, o Panamá ou o Congo.
Mas a final desta terça-feira será mesmo favas contadas, como a primeira reação portuguesa fez prever?
Talvez não. É muito provável que não.
Até porque o crescimento do futebol macedónio tem sido sustentado, como prova a vitória na Alemanha há pouco menos de um ano, antes do recente triunfo sobre Itália.
Tomás Bozinoski admite que Portugal é claramente favorito – como era a Itália -, mas lembra o quão inesperado o futebol pode ser.
«Claro que a vitória da Macedónia foi surpreendente. A Itália tem jogadores incríveis. Mas isto é a beleza do futebol. Nunca se sabe o que esperar. Há uma bola, 11 jogadores de cada lado e às vezes a moeda cai para o lado que menos se espera», defende.
Ainda assim, Tomás admite que a reação dos adeptos portugueses ao desfecho do jogo de Palermo foi normal, tendo em conta a diferença em termos mentais de defrontar italianos ou macedónios.
«Para o adepto normal, a perceção é diferente. Para Portugal, em termos de favoritismo, é diferente jogar o apuramento com a Macedónia ou Itália», nota, acreditando que, ao contrário de muitos adeptos, os jogadores e Fernando Santos não vão achar que a presença no Qatar já está assegurada.
«É obvio que o selecionador e os jogadores não vão ter essa ideia. Há muito em risco neste jogo. Ele vale a presença no Mundial. Por isso, não vai ser um jogo fácil. Vai ser intenso e exigir muita concentração», antecipa.
O «leão» Ristovski, capitão da geração de ouro de um jovem país
Para o futebol da nação que vive como independente desde 1991, após a queda da antiga Jugoslávia, a presença no Mundial significará atingir o topo.
Mas não é nada que não se espere daquela que é considerada a melhor geração do futebol macedónio, que também se estreou em fases finais de Europeus em 2020, liderada pelo treinador Blagoja Milevski, e agora capitaneada pelo ex-sportinguista Stefan Ristovski.
Da equipa que nesta terça-feira vai entrar em campo frente a Portugal, Tomás partilhou o balneário dos sub-21 com cerca de meia-dúzia, entre 2018 e 2020, e deixa uma certeza: a tarefa portuguesa não será fácil.
«Esta é uma seleção muito forte defensivamente. Esse é o ponto forte, sobretudo contra seleções com a mais talento, como Portugal ou a Itália. Mas também é uma equipa que tem muita qualidade do meio-campo para a frente, com Elmas, Bardhi, Churlinov, ou Trajkovski, que jogam nas melhores ligas europeias», aponta.
«Além disso, é uma equipa com muita alma. Faz parte da característica do povo macedónio que é humilde e trabalhador. Estes jogadores têm a oportunidade de uma vida, por isso é natural que vão demonstrar toda essa alma em campo», alerta.
Nem seria necessário assumi-lo perante a conversa que mantém com o Maisfutebol. Mas Tomás Bozinoski vai estar dividido nesta terça-feira.
Ou seja, será talvez o único adepto dos que vão lotar o Estádio do Dragão que vai entrar a saber que ganha, seja qual for o resultado final.
Ganha se a Macedónia do Norte conseguir cumprir o «sonho de todo o país», como se referiu Elmas há dias à possibilidade de estar no Mundial.
E ganha também se, como todos os portugueses desejam, o «jogo da vida» dos jogadores da seleção sorrir a Portugal, como desejou Cristiano Ronaldo na antevisão à partida.
Dê por onde der, Tomás Martins Bozinoski sabe que vai estar em festa no final do dia.
Não é isso razão para sorrir?