Quando em março de 2013, Victor Neto decidiu denunciar para todo o Brasil o esquema de tráfico de futebolistas do seu empresário Oberdan Silva, assumindo-se como peça-chave da reportagem «Os Porões do Futebol» transmitida pela estação televisiva SBT, passou a ser um alvo a abater.

Victor veio para Portugal em novembro de 2012. Era um jovem defesa-central supostamente em trânsito para os sicilianos do Catânia, mas acabou a treinar no Vilanovense (agora Vila FC), dos distritais da Associação de Futebol do Porto, e mais tarde no Olhanense. Faltava-lhe o certificado internacional para poder ser inscrito, pelo que ficou meses num apartamento com outros jogadores na mesma condição, sem receber qualquer salário.

Sentiu-se enganado e resolveu denunciar este e outros esquemas do seu empresário, que entre outras coisas já foi dirigente de pequenos clubes paulistas, como a Matonense e a Portuguesa Santista, e se apresentava como ex-auxiliar técnico do antigo selecionador brasileiro Wanderley Luxemburgo e empresário do médio internacional brasileiro Paulo Henrique Ganso.

Oberdan Silva conseguia a emissão da carteira profissional de jogador em dois dias (um documento que habitualmente demora trinta dias), alterar idades de jogadores, forjar exames médicos e transformar qualquer amador em profissional de futebol a troco de verbas que podiam ir de dois mil até 40 mil euros, consoante o patamar, que podia chegar até «integrar a lista de pré-convocados da seleção brasileira».

«Ele tinha contactos de médicos, na polícia federal, na Federação Paulista e até na Confederação Brasileira de Futebol. Mediante pagamento, ele podia tornar qualquer pessoa em profissional de futebol. Vi de perto alguns casos. Aliás, ele chegou a propor-me alterar a minha idade para menos quatro anos quando vim para Portugal, mas não aceitei entrar nesse tipo de esquema», recorda ao Maisfutebol.

Três anos depois da denúncia, este ex-jogador agora com 26 anos luta pelo seu direito a ficar em Portugal.

No final de 2015, foi expulso pelo Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF), mas voltou, esteve mais de um mês detido nas instalações do SEF, no Porto, até ser libertado a 18 de fevereiro. Victor Neto mantém a esperança de que o Tribunal Administrativo de Braga dê provimento a um pedido de proteção internacional que apresentou em maio de 2015.

A Bíblia acompanhava Victor Neto, enquanto esteve detido nas instalações do SEF 

A justificação para o pedido é evidente. Quando Victor denunciou o esquema comandado por Oberdan Silva, que serviu para colocar centenas de jogadores na Europa e em países do Médio Oriente, passou a receber ameaças. Sente a vida em risco desde essa altura, sobretudo se voltar ao Brasil.

«O Oberdan ameaçou-me de morte. Disse-me para pedir ao SBT para não transmitir a reportagem e até lhes ofereceu dinheiro, mas acabou por ser transmitida e desde então ele avisou que iria achar-me em qualquer lugar do Brasil e nem precisaria de sujar as mãos comigo… Recebi ameaças por carta, através das redes sociais e até tive visitas na casa onde vivia a minha família. Dois carros pretos suspeitos pararam à porta, pessoas que dizem que são polícias, mas não apresentam documentos vêm perguntar por mim… Eu já estava cá desde essa altura, mas a minha família já teve de mudar de casa, mudei de telefone, encerrei contas nas redes sociais... Se for expulso de Portugal, corro risco de vida. No Brasil, há gente capaz de matar a troco de muito pouco», conta ao Maisfutebol o antigo jogador, cuja denúncia foi determinante para abrir contra o seu antigo empresário uma investigação que decorre no Ministério Público de São Paulo.

Reportagem «Os Porões do Futebol», baseada nas denúncias de Victor Neto:

Se no Brasil Victor sente-se ameaçado, em Portugal ele diz-se perseguido pelo SEF.

Desde que em 2013 ele denunciou Oberdan, que o futebol ficou para trás e Victor dedicou-se a trabalhos esporádicos.

«Mudei-me para Braga e trabalhei em cafés e restaurantes, como empregado de limpeza e recentemente estava numa agência de promoção de passeios turísticos. Fui detido pelo SEF por não ter documentos no final de 2015. Tudo porque durante este tempo nunca conseguiu um contrato de trabalho que me permitisse permanecer no país de forma legal. No entanto, assim que cheguei ao Brasil, voltei a Portugal. O SEF não pode expulsar-me sem que o tribunal decida sobre a adequação do meu pedido de proteção internacional.»

A falta de uma decisão para este processo por parte do Tribunal Administrativo de Braga é o que para já garante a permanência de Victor Neto em Portugal.

A 18 de fevereiro ele foi libertado, depois de pouco mais de trinta dias detido nas instalações do SEF do Porto. «Disseram-me para arrumar as minhas coisas e seguir a minha vida. A medida de coação é uma apresentação semanal no SEF, em Braga. Desde então, tenho vivido no apartamento de amigos e procurado trabalho. Mas sinto-me perseguido. António Martins e Nuno Lopes, inspetores do SEF de Braga, já me disseram que só descansavam quando me mandassem de volta para o Brasil. Tenho sido seguido, já depois de ter sido libertado, tiraram-me fotos quando eu seguia de carro com um amigo meu. Querem expulsar-me do país de qualquer forma. Dizem-me que brasileiros não são bem-vindos», conta Victor, que quer ficar em Portugal, arranjar um trabalho e trazer a família: «A minha mãe veio cá há um ano… Gostava que ela viesse de vez e ficasse por cá, até porque é bem mais seguro para ela também. Temo não só pela minha integridade física, mas também pela da minha família.»

E o futebol, como ficou?

Aos 26 anos, Victor Neto já não sonha em jogar num grande clube europeu. «Treinei no Amares e no Dumiense… Mas nem sequer podia inscrever-me porque não estava em situação legal. Sei que a porta do futebol se fechou para mim desde que denunciei o meu empresário. Mas isso é o que menos importa. Só quero poder viver e trabalhar em Portugal, sem sentir que tenho a vida em perigo.»