A casa anda às costas, em mudanças contínuas. De 15 em 15 dias, o Vizela já sabe que tem de pegar na mobília e andar dez quilómetros para norte, até Guimarães.

O Campo Agostinho Lima não tem as condições mínimas para acolher jogos da 1ª divisão nacional, época 1984/85. O ano de estreia do Futebol Clube de Vizela no escalão maior fica comprometido logo à partida.

Ainda por cima, o sorteio dita um Vizela-Benfica para a primeira jornada. Tarde de sol, bancadas cheias, e as águias a ganharem por 2-1.

«O jogo foi muito especial porque assinalou o meu batismo no campeonato principal», recorda ao Maisfutebol uma das grandes figuras dessa equipa, Manuel Correia – defesa central com marca registada de qualidade em Penafiel (1987 a 1989) e Chaves (1989 a 1996).

Manuel faz mais de 300 jogos na 1ª divisão, mas ninguém esquece a primeira vez. «Nós treinávamos num campo pelado, muito pequenino. Media 100 metros por 45, era estreito e curto. As bolas eram pesadas, os balneários minúsculos e, de repente, estávamos a jogar perante 30 mil pessoas contra o Benfica.»

VÍDEO: o resumo do Vizela-Benfica de 84 (imagens RTP) 

O Vizela não desilude. Apesar da «casa estranha» e da atmosfera adversa, pois a maioria dos adeptos veste de vermelho, a equipa treinada pelo estreante José Romão bate-se até ao fim e perde pela diferença mínima.

«Fizemos um golaço pelo Maurício, de fora da área, e aí o Benfica ainda abanou. Mas já estávamos reduzidos a dez – expulsão de José Carlos – e era impossível fazer mais.»

Esse Vizela de 84/85 é um bebé proveta e nascido antes do tempo. Uma congeminação de dinheiros privados, «de gente abastada na região», e de paixão popular. O que sobra em coração falta em infraestruturas. O preço a pagar é a descida.

«O plantel já era quase todo profissional. Só alguns dos jogadores da terra é que juntavam o futebol a outra profissão. Eu nessa época recebia 60 contos [300 euros] e a diferença para o Benfica era gigantesca, diria que muito superior à diferença em 2021.»

Nesse jogo em Guimarães, Manuel Correia encarrega-se da marcação ao gigante Michael Manniche, que inaugura o marcador num penálti «mais do que duvidoso» aos 29 minutos. Carlos Manuel faz o 2-0 no início do segundo tempo.

O Vizela parece morto, mas é só mesmo por fingimento. «A fidelidade dos adeptos do Vizela era, e é, impressionante. Vejo muitos clubes sem alma na primeira divisão, mas não é o caso do Vizela. E foi isso que nos obrigou a correr, a lutar e tentar fugir a um resultado pesado. Afinal, era a primeira vez para quase todos nós no campeonato nacional.»

Esse Vizela surpreende aqui e ali – ganha ao Sp. Braga, por exemplo -, mas acaba por sucumbir a um péssimo final de época: nem uma vitória nas últimas 12 jornadas. Fica a experiência, a presença no Domingo Desportivo e nas coleções de cromos da criançada. E ficam os equipamentos azuis claros, lindos, de extremo bom gosto.

«Até isso tem explicação», ri-se Manuel Correia. O nosso diretor do futebol era filho de um grande empresário da indústria têxtil. Tínhamos vários equipamentos e todos produzidos nessa fábrica. Havia um amarelo, um branco, um às riscas e esse azul clarinho, que adorávamos.»

37 anos e dois meses depois, o Benfica volta a visitar o Vizela para o campeonato – em 2019 joga lá para a Taça de Portugal. E agora vai mesmo a Vizela. Manuel Correia considera que os homens de Álvaro Pacheco têm muito mais armas para tentar a surpresa.

«O clube está bem apetrechado, tem boas condições estruturais e um plantel que treina praticamente da mesma forma que treina o do Benfica. Se eles vissem o nosso campinho pelado, tão pequenino…»

A 26 de agosto de 1984, as equipas apresentam os seguintes protagonistas: 

VIZELA: António Sérgio, José Carlos, Manuel Correia, Adão Roque (Berto, 46), Toni, Russo (Adélio, 56), António Barbosa, Fernando Faria, Nelito, Fernando Jorge e Maurício.

Não utilizados: Caldas (GR), José Augusto e Salvador
Treinador: José Romão

BENFICA: Bento, Oliveira, Álvaro Magalhães, Veloso, António Bastos Lopes, Shéu, Diamantino, Carlos Manuel, José Luís, Manniche e Wando (Nené, 73).

Não utilizados: Silvino (GR), Pietra, Samuel e Nivaldo
Treinador: Pál Csernai

Golos: Manniche (29, gp), Carlos Manuel (49) e Maurício (84)