Mira Sintra, a cerca de 30 quilómetros de Lisboa, tem perto de nove mil habitantes e viu crescer nas suas ruas dois dos futebolistas em maior destaque no futebol português atual. Promessas que este sábado se podem defrontar, em Alvalade, no quarto dérbi da época: William Carvalho de um lado, Nélson Semedo do outro.

Algo a que ambos, apesar da amizade, já estão habituados até em Mira Sintra. Isto porque, também as casas das duas famílias estão separadas por apenas uma avenida. Não a conhecida Segunda Circular, que separa os dois maiores clubes de Lisboa, mas a Avenida 25 de Abril.

Ainda assim, e antes de William recusar assinar pelo Benfica e o Sporting não se ter apressado na contratação de Nélson, ambos chegaram a treinar juntos e vestiram a mesma camisola: a da escola Dom Domingos Jardo, que os dois frequentaram e que fica do lado da casa da família Carvalho.

«O William era matulão, então punha-o sempre a jogar na equipa de iniciados porque no escalão dele ele quase não deixava os outros jogarem, manipulava a bola como ninguém. O Nelsinho era franzino, jogava muito bem, mas jogava no escalão dele, nos infantis, e ainda era dos melhores no atletismo», confidenciou-nos o coordenador do desporto escolar dessa altura, José Costa, recordando apenas os dotes e não esquecendo que um ano de vida separa cada jogador.

Em semana de Sporting-Benfica e no primeiro dérbi da temporada em que ambos estão disponíveis - William falhou o da Supertaça por lesão, Nélson os da Liga e da Taça de Portugal pela mesma razão - o Maisfutebol foi até à freguesia do concelho de Sintra onde os dois jogadores cresceram e mantêm raízes.

William Carvalho e Nélson Semedo nos tempos da escola

Amigos e vizinhos, clubes à parte

Em Mira Sintra só há elogios a William Carvalho e Nélson Semedo, que, todos dizem, são miúdos «sem manias», responsáveis e que já em pequenos se destacavam de entre os demais. Um de cada lado da avenida, claro. Como ainda hoje é o caso, ao defenderem as cores dos clubes das suas preferências.

William é sportinguista desde pequeno, Nélson é benfiquista desde que se conhece.

Contudo, em terra de quase tantos sportinguistas como benfiquistas - segundo nos disseram - não há o lado Sporting e o lado Benfica, devido a William e a Nélson. Umas horas e umas conversas bastaram para perceber que há amigos e conhecidos do médio e do defesa que têm cores clubísticas distintas, até nas próprias ruas.

Por isso já se espera por sábado na Praceta da Amizade, a cerca de 300 metros das ruas de ambos, onde fica o café do União de Mira Sintra e onde as famílias Carvalho e Semedo têm por hábito ver alguns jogos de futebol.

«Vamos ter casa cheia de certeza. Já estamos a planear os muitos petiscos e preparados para as picardias entre os adeptos de cada clube e apoiantes de cada jogador», disse Rui Lopes, presidente do clube no qual William começou e adepto do Benfica: «Sempre que o William joga quero que jogue muito bem. Quanto ao Sporting ganhar, sábado não quero.»

A avenida que separa as casas das famílias de William e Nélson

Deixando a Praceta, virando à esquerda já se veem as casas de ambos e aí, em terreno contrário, a mesma situação. Na rua do jogador encarnado [na fotografia - o lado dos prédios amarelos], há um café, o «Campeão», que quer que o Sporting vença no sábado e festeje no Marquês de Pombal esta época.

A dona Alice, proprietária do estabelecimento, não tem papas na língua: «Quero que ganhe o meu Sporting, claro. Gosto muito do Nélson, sempre foi um miúdo muito tímido e maravilhoso. Desejo-lhe todo o sucesso, pois merece o que está a conseguir, mas já disse ao pai dele que foi pena ele não ir para o Sporting.»

Uns metros acima, quase a mesma história. Na Casa Seis - associação para o desenvolvimento comunitário - que Nélson frequentava e ainda hoje não esquece, a reunião da direção foi interrompida para falar ao Maisfutebol e para se confirmar «amigos e vizinhos, clubes à parte».

«Sou amigo do Nélson, mas é o William que vai ganhar», atirou logo um dos oito presentes, prontamente criticado pelos restantes: «Vai ganhar o nosso Nélson.» O jogador do Benfica é de facto deles. É assim que o sentem, ainda hoje, quando já nem mora em Mira Sintra: «Vem aqui quando pode. Sempre foi como é agora. Um miúdo muito humilde. Continua a ser tímido e tem a mesma postura de antigamente. Relaciona-se com toda a gente.»

O mesmo se diz de William, quando na Avenida 25 de Abril se vira à direita [na fotografia - o lado dos prédios brancos]. Um vizinho da família Carvalho diz que o jogador do Sporting já não é tantas vezes visto por ali, mas sempre que o é mostra ser a mesma pessoa que era antes de tornar-se mais uma estrela da Academia leonina.

«O William antes parava sempre aqui. Agora claro que não, mas é e foi sempre muito humilde. Conheço-o desde miúdo. O Sporting tirou-no-lo, ficámos sem ele, mas sempre que vem é simpático. É o mesmo que era em criança: simples. Só tenho boas impressões dele», confirmou o vizinho António, antes de atirar: «E é muito, muito bom jogador.»

A mesma ideia tem o vizinho José Maria, que sempre lhe augurou um grande futuro como futebolista: «É bom miúdo. Foi sempre um rapaz simpático e amigo das pessoas. Como jogador, quando saiu do Mira Sintra, achei sempre que poderia ser um novo Makelele.»

Para além da admiração pelo lado humano dos jogadores e do reconhecimento profissional, em Mira Sintra também não faltam crianças e jovens a quererem seguir-lhes os passos. «Gostava de um dia ser conhecido como o Nélson e de jogar como ele. É porreiro, andou comigo ao colo e dá-me conselhos, mas ainda não me trouxe a camisola que me prometeu», disse o jovem Bernardo, vizinho do jogador do Benfica.

No entanto, claro, as camisolas são mais difíceis de arranjar do que os autógrafos que não se negam a ninguém. «Não fui eu que vi, mas disseram-me que o William ao início saia de casa e tinha o carro rodeado de miúdos para conseguirem autógrafos e não se ia embora até não satisfazer os pedidos», contou ainda Rui Lopes.

O Nélson faz o mesmo e ainda se mostra interessado pelos dotes dos outros. «No verão veio ver os miúdos jogar. Como é uma referência vem sempre dar o bom exemplo e incentiva-os. Também vem para o estúdio ouvir as músicas que os miúdos compõem», revelaram na Casa Seis.

William e Nélson a festejar com os goleadores das suas equipas
Posto isto, se o dérbi é sempre especial em qualquer parte de Portugal, o deste sábado tem este extra para Mira Sintra caso ambos sejam opção. A decisão está nas mãos de Jorge Jesus e de Rui Vitória. O médio parece ter a titularidade quase garantida, enquanto o defesa não. 
 
Aliás, William já vai para o seu sétimo dérbi da carreira enquanto Nélson só jogou um, na estreia com a camisola principal da formação da Luz. Por isso, e porque só esta época chegou à equipa A, há quem diga em Mira Sintra que «é estranho vê-lo na televisão».
 
Estranho ou não, certo é que este sábado lá deverão estar os dois, no relvado ou no banco de suplentes, a lutar pelos lados das avenidas que sempre os separaram - quer na vida pessoal, quer na profissional.