AMESTERDÃO - Um «penalty» convertido por Frank de Boer, à beira do fim, deu à Holanda um triunfo com tanto de esperado como de imerecido no seu primeiro jogo oficial dos últimos dois anos. Diante de uma República Checa competitiva até ao limite, os holandeses começaram por fazer peito e, progressivamente, engasgaram-se, duvidaram e estiveram muito perto de um K.O., que seria a primeira surpresa de uma competição, para já, muito respeitadora das hierarquias. 

Amesterdão acordou pintado de laranja, ao som dos cânticos de vitória de milhares de adeptos holandeses. A euforia tomou conta do Arena, várias horas antes do pontapé de saída. O jogo de estreia dos Oranges de Rijkaard era visto como uma simples formalidade para um sólido candidato ao título, que nem o estatuto de vice-campeão europeu dos checos parecia ameaçar. 

Só meia hora de «laranja» 

Fiel ao 4-4-2 com que encantou o mundo no França-98, a Holanda não demorou muito a assumir a iniciativa e procurar, em inteligentes trocas de passes, os espaços que a organização defensiva dos checos lhe negava. Durante meia hora, só uma equipa tentou jogar futebol. Transportada ao colo por um público generoso e triunfalista, a «laranja» ameaçou várias vezes a baliza do seguríssimo Srnicek, quase sempre por Kluivert e Bergkamp, enquanto os checos procuravam apenas destapar a panela de pressão.

Mas aos poucos, a paciência dos companheiros de Poborsky começou a dar frutos. O momento em que a Holanda parou para tomar fôlego foi também aquele em que os checos descobriram que o campo tinha mais 50 metros. Nedved, até aí sempre na sombra de Davids, libertou-se e inventou os primeiros lances de perigo da sua equipa. Quando chegou o intervalo, as coisas estavam claramente mais equilibradas. A onda laranja empalidecia e perdia a voz, à medida que cerca de 9 mil checos entusiastas começavam a tomar conta do Arena. 

O filme todo ao contrário 

Com a noite apagada de Seedorf e Zenden a não lhe permitir tirar partido da sua grande força ¿ o aproveitamento dos flancos ¿ os holandeses banalizavam o seu jogo. Pior: macaqueando o estilo adversário no início do jogo, recorriam por sistema aos passes longos e especulativos, facilmente neutralizados por uma defesa checa pouco ágil, mas muito poderosa. 

Para a inversão do filme ser total, era agora a República Checa quem apostava na circulação de bola e ¿ surpresa! ¿ descobria as vantagens de explorar a linha de fundo. Foi assim que Poborsky, primeiro, e Koller, depois, desperdiçaram oportunidades flagrantes. Foi assim que o omnipresente Nedved enviou a bola ao poste numa fantástica cabeçada. E foi assim que o Arena se tornou declaradamente território checo. 

Quando o desconcertante Koller (vai ser preciso rever os conceitos tradicionais do que é um grande jogador) enviou nova cabeçada à trave, já não havia dúvidas. Só uma robustíssima «vaca» holandesa, à solta no Arena, impedia a surpresa de tomar forma. 

Overmars, solução instantânea

Foi então que Rijkaard apostou no regresso às origens, colocando em campo Overmars. Numa altura em que os checos já tinham arriscado quase tudo, colocando Poborsky a lateral direito, a entrada do extremo do Arsenal foi uma decisiva injecção de ânimo. A dois minutos dos 90, quando o empate parecia definir-se como final de conveniência para os holandeses, Overmars conseguiu ganhar a linha de fundo (único exemplo em todo o jogo holandês) e cruzar para Ronald de Boer, ao segundo poste, dramatizar os efeitos de um puxão de camisola de Nemec. «Penalty» injusto, mas verdadeiro, que o seu irmão Frank converteu com insensível competência. 

O jogo acabou pouco depois, com os checos à beira de um ataque de nervos (Latal, no «banco», foi expulso), a desperdiçarem ainda duas oportunidades claras.

A noite tornava-se definitivamente «laranja», mas nas ruas de Amesterdão, em vez de cânticos triunfais, o que mais se ouviu foram suspiros de alívio... 

Figuras 

Num jogo mais rico em emoções do que o resultado deixa supor, as figuras foram quase todas checas. Srnicek impressionou pela segurança, Nedved encheu o campo durante 50 minutos e Koller baralhou tudo e todos, inventando um novo estilo de ponta-de-lança. Bem mais discreto esteve o benfiquista Poborsky, que perdeu ocasião incrível (47 m) e revelou naturais dificuldades quando passou para lateral.

Numa Holanda decepcionante, realce para a influência de Davids, alguns pormenores técnicos de Bergkamp e a fugaz, mas decisiva, participação de Overmars. 

FICHA DO JOGO 

Holanda, 1-República Checa, 0 

Estádio Arena, em Amesterdão (Holanda)

Árbitro: Pierluigi Collina (Itália) 

HOLANDA - Van der Sar; Reiziger, Stam (Konterman, 74 m), Frank de Boer e Van Bronckhorst; Zenden (Overmars, 77 m), Seedorf (Ronald de Boer, 56 m), Cocu e Davids; Kluivert e Bergkamp.

Treinador: Frank Rijkaard. 

REP. CHECA - Srnicek; Repka, Latal (Bejbl, 68 m), Rada e Gabriel; Nedved (Lokvenc, 89 m), Nemec, Poborsky e Rosicky; Koller e Smicer (Kuka, 82 m).

Treinador: Jozef Chouvanec. 

Ao intervalo: 0-0.

Marcador: Frank de Boer (89 m, g.p.)

Disciplina: cartão amarelo a Nedved (21 m), Frank de Boer (35 m), Repka (65 m); cartão vermelho a Latal (90 m).