Em Abril de 1987, o F.C. Porto furou a cortina de ferro e jogou na ex-União Soviética frente ao Dínamo de Kiev, na altura uma das melhores equipas do Mundo. Mas uma semana antes da longa viagem ao Leste da Europa, os responsáveis portistas embarcaram um contentor de alimentos para evitar qualquer surpresa mais desagradável. Precisamente um ano antes, o planeta viveu um dos maiores pesadelos alguma vez imaginados com o desastre nuclear em Chernobyl, motivo de sobra para que se temesse pela saúde dos jogadores. Ninguém arriscou um milímetro. Mas aconteceu uma surpresa impensável...
Quando a comitiva chegou à actual capital da Ucrânia, onde ia jogar a segunda mão das meias-finais da Taça dos Campeões Europeus, deparou-se com algo de inesperado. «Logo no primeiro dia, roubaram-nos o azeite e o café que tínhamos metido no contentor», recorda Octávio Machado ao Maisfutebol, na altura treinador adjunto de Artur Jorge. A explicação é simples: «Eram bens escassos naquele país». Mas o F.C. Porto não ficou melindrado com o sucedido. «No entanto, lembro-me que foi uma situação complicada. Os nossos mantimentos eram essencialmente carne, peixe, manteiga, queijos e legumes». Os bens essenciais. «Se desaparecesse mais qualquer coisa, ficávamos numa posição delicada».
O jogo foi sensacional. Os portistas venceram por 2-1, repetiram o resultado da primeira mão, com golos de Celso e de Gomes, garantindo o acesso à final de Viena, onde derrotaram o Bayern Munique pelos mesmos números. «Controlámos a situação e no último dia sobrou muita coisa. Decidimos que a comida ia ser distribuída pelos mais necessitados. O motorista russo, que nos acompanhou, levou o primeiro saco de comida para o carro, mas depois recusou-se a transportar o resto. Dizia que a polícia podia vê-lo e seria preso por roubo. Fartámo-nos de rir», recorda-se Octávio Machado. Mas os episódios na ex-União Soviética não terminam no próprio jogo.
Há mais revelações interessantes. «Estive em Kiev durante uma semana. Todos os dias, um funcionário do clube ia-me buscar ao hotel, levava-me ao Dínamo para eu ver os treinos, transportava-me ao restaurante e oferecia-me uma prenda». O adjunto de Artur Jorge recorda-se desse episódio com saudade. «Eu que não bebo álcool, até bebi vodka porque me disseram que tinha de beber para dar sorte». Curiosamente, deu mesmo sorte. No regresso a Portugal, depois de Octávio ter tirado inúmeros apontamentos sobre a forma de jogar do Dínamo de Kiev, aconteceu algo que o espantou: «Quando estava no aeroporto, ouvi o meu nome na instalação sonora e pensei: estes gajos devem pensar que sou alguma estrela de cinema. Para meu espanto, era o único passageiro que ia viajar de Kiev para Paris». Uma viagem que jamais esquecerá.