O Benfica entrou em 2010 com o mesmo truque do ano passado: a tirar o coelho Saviola da cartola de Jesus. O argentino marcou o sexto golo consecutivo (não jogou frente ao AEK) e manteve os encarnados de braço dado com o Sp. Braga, no topo da Liga. Primeira derrota em casa (0-1) para um Rio Ave que merece menção honrosa pela atitude positiva.
Será que os esquimós jogam futebol? Acredita-se que sim. Será qualquer coisa como fazer uma partida dentro de uma arca frigorífica com proporções generosas. Se custa escrever esta crónica, com os dedos a pedirem o aconchego das luvas, imagina-se apenas o que será preciso para aquecer os músculos de uma vintena de jogadores na noite gélida de Vila do Conde.
Ganham para isso, é certo. Uns mais que outros, igualmente acertado. Os adeptos preencheram as bancadas do Estádio do Rio Ave, com cachecóis mais confortáveis que nunca, as tais luvas e gorros para completar o fato. Só se viam os olhos, atentos ao espectáculo.
Os jogadores souberam corresponder. Quando assim é, todos os esforços parecem recompensados. Ao longo da primeira parte, compilou-se um manual de bom comportamento, provando que nem só de golos vive o bom futebol. Basta vontade, atrevimento, alguma trapalhice também, pois cada oportunidade surge de um erro involuntário de uma alma infeliz.
No meio desta soma de boas vontades, surgia o inigualável Bruno Paixão. O árbitro com indesejável e incómoda tendência para criar um espectáculo dentro do espectáculo. Bem, sobraram outros motivos para justificar o preço dos bilhetes.
Quim a tremer
Jorge Jesus aplaudiu os regressos de Ramires e Di María, deixando Aimar ao seu lado no banco de suplentes. Carlos Martins pegou na batuta e não destoou. Na defesa, Miguel Vítor fez esquecer os caracóis do castigado David Luiz. Uma vez mais, ficou provada a riqueza do plantel do Benfica.
No Rio Ave, Carlos Brito teve de reconstruir a sua defesa mas manteve a postura alegre, a atitude positiva perante todo e qualquer adversário. Mora ocupou a baliza, com Carlos na CAN. Jefferson fez uma boa exibição no centro do último reduto, desviando Fábio Faria (defrontou o seu futuro clube) para a esquerda do castigado Sílvio.
Carlos Martins lançava as ameaças do Benfica, Bruno Gama moía o juízo a César Peixoto do outro lado. João Tomás dava contínuos sinais de vida, mas seria Sidnei a desperdiçar a melhor oportunidade da etapa inicial.
Ao minuto 34, depois de Ramires ter obrigado Mora a uma defesa pouco ortodoxa e providencial, Maxi Pereira incorreu num erro nada habitual e abriu um corredor para Sidnei, rumo à baliza de Quim. O extremo do Rio Ave rematou de pronto, sem oposição, às malhas laterais.
Ainda antes do intervalo, novo motivo de embaraço para Quim. O guarda-redes foi à entrada da área anular um lance de perigo, tocou com a mão e deixou a bola cair. Saiu da sua zona de conforto, voltou ao ponto de partida e agarrou o esférico. Bruno Paixão considerou que o guarda-redes encarnado agarrou por duas vezes a bola e assinalou livre indirecto. Wires, pensando não se sabe em quê, perdeu a soberana ocasião.
Noite gélida, água fria
O Rio Ave refugiava-se nos balneários com a sensação de dever cumprido, mas nunca a expressão «balde de água fria» fez tanto sentido. Nem custou tanto como na noite gélida nos Arcos. Javier Saviola, o «coelho» que anda a marcar há seis jogos consecutivos (sim, seis jogos, leu bem, só não marcou ao AEK porque não jogou), voltou a sair da cartola para resolver um problema bicudo.
Minuto 48. Canto de Carlos Martins no flanco esquerdo, desvio ao primeiro poste, bola perdida da área. E ali, na clareira aberta entre um punhado de gigantes, surgiu o pequenote Saviola, com tudo para ser feliz. Deve ser aquela coisa a que chamam faro de golo. O Rio Ave tombou e não mais levantou. O jogo resolveu-se ali. Mora evitou um avolumar de marcador que seria profundamente injusto para os locais.