Foram dez meses exclusivamente dedicados a um trabalho intenso e demasiado absorvente. Quem o admite é Ronald Reng, 42 anos, jornalista freelance e escritor. «Não quero voltar a trabalhar assim. Nesses meses deixei de fazer tudo, até viver», conta o autor de «Robert Enke, uma vida curta demais». Vencedor do prémio William Hill Sports Book of the Year, em 2011, ganha agora edição portuguesa, através da editora Lua de Papel.

O livro, conta, nasceu na cabeça do próprio Enke, depois de uma sugestão em jeito de brincadeira. «Hoje sei por que razão levou essa ideia tão a sério. Ele esperava poder contar como tinha vencido uma doença chamada depressão, que nunca tinha podido assumir», lembra Reng, que conheceu o antigo jogador do Benfica em 2001, numa visita a Lisboa, e a partir daí manteve com ele uma relação de amizade.

A paixão por Lisboa, o convite do F.C. Porto e Mourinho

É sabido que a vontade de Enke se revelou impossível de satisfazer: a depressão venceu-o há quase três anos, a 10 de novembro de 2009, num suicídio de enorme impacto emocional, na Alemanha e em todo o universo do futebol. Com óbvia incidência em Portugal, onde a sua passagem pelo Benfica, entre 1999 e 2002, deixou boas memórias aos adeptos, apesar de coincidir com a fase mais negra do historial desportivo do clube.

Com mais de 400 páginas, «Uma vida curta demais» é um minucioso trabalho de relojoeiro, construindo peça a peça, testemunho após testemunho, uma biografia invulgar para os cânones do subgénero desportivo. Está lá a habitual montanha-russa de proezas, desânimos, desaires e vitórias. Estão lá, também, descrições minuciosas das particularidades que fazem dos guarda-redes os mais obsessivos dos profissionais, desde as escolhas de luvas ao cálculo de ângulos nas saídas. Mas está também, pairando sobre tudo o resto, o desfecho trágico provocado por uma doença - a depressão - que continua a ser, em muitos casos, um assassino silencioso, embrulhado num manto de vergonha e ignorância.

O livro é especialmente recomendável para os leitores portugueses, por descrever em pormenor a passagem feliz do casal Enke por Lisboa, entre 1999 e 2002. De certa maneira, percebe-se, apesar das frustrações provocadas por um clube que tinha acabado de bater no fundo, durante a era Vale Azevedo, a vida de Enke não voltou a ser tão luminosa e cheia de promessa como nesses tempos.

A relação privilegiada com o «irmãozinho» Moreira, a admiração por Mourinho, logo aos primeiros contactos, ou pequenas anedotas, como a do dia em que o envelope com o seu ordenado foi trocado pelo de outro estrangeiro loiro, ajudam a passar rapidamente pelo período mais ensolarado na vida de Robert Enke, até ao dia em que, frustrado com a incapacidade do Benfica em construir uma equipa competitiva, se viu forçado a escolher entre as propostas do F.C. Porto e do Barcelona.

Nos sete anos seguintes os altos e baixos da montanha-russa tornaram-se mais vertiginosos. Os dramas profissionais e pessoais, com destaque para a morte da filha, em 2006 alternaram com momentos de superação, esperança e reconquista. O final, todos o sabemos, não é feliz. Mas o livro, íntegro de ponta a ponta, sem cair em pieguices, mantém-se fiel à ideia inicial de Robert, defendida pelo autor e pela viúva, Teresa, que participou no projeto desde o primeiro dia.

«O primeiro objetivo deste livro é que as pessoas recordem Robert, e não o esqueçam facilmente. O segundo, é que os leitores percebam um pouco melhor o que é lidar com a depressão. Porque a maior parte das pessoas não percebe que se trata de uma doença, como o cancro, que pode atingir qualquer um, modificando as reações do cérebro e obrigando a lutas terríveis para que a vítima possa recuperar a antiga forma de pensar», conclui Reng, autor de um belo livro contra o silêncio e o esquecimento.