Mil golos em 1,69 m da mais pura genialidade. Mil golos perfumados pelo futebol moleque impregnado de colheradas de habilidade. Mil golos em nome da irreverência e da liberdade artística nos relvados do imenso «planeta futebol». A história de Romário de Souza Faria, o menino do bairro do Jacarezinho (Rio de Janeiro) que nunca prescindiu da ousadia de sonhar.
Para uns um vaidoso sem direito a trono, para outros um génio hedonista. Entre admiradores e críticos, um dado imutável: Romário é o segundo melhor marcador de sempre na história do futebol mundial. Só Pelé o supera, mas esse desde cedo justificou a coroa de rei.
Dos primeiros pontapés no modesto Olaria, ao regresso em ombros ao Vasco da Gama (já em Janeiro de 2007), Romário deixou a sua indelével marca em dez clubes dos mais díspares campeonatos mundiais. PSV Eindhoven, Barcelona, Flamengo, Valência, Fluminense, Al Sadd, Miami FC e Adelaide United foram os outros pólos de uma atracção fatal pelo golo.
Eindhoven e Barcelona, capitais do Romário europeu
Nos relvados, bem cedo o «baixinho» mostrou ao que vinha. Em 1986, com apenas 20 anos, fez parelha com o histórico Roberto Dinamite na frente de ataque do Vasco da Gama, mas não se intimidou com o estatuto do parceiro. Na primeira temporada, foi logo o melhor marcador do campeonato carioca.
Dois anos depois, chega à Europa, para o PSV Eindhoven. Fica quatro temporadas na Holanda e sai com uma média de superior a um golo por jogo (165 em 163 partidas). Já não havia como enganar. Romário era mesmo um sonho de avançado e o Barcelona percebeu-o. No «dream team» alicerçado por Johan Cruyff na Catalunha, o brasileiro torna-se a pedra de toque, apesar da confessada atracção pela «movida» da noite catalã. Os muitos golos (53), o título espanhol de 1994 e a eleição pela FIFA como o melhor jogador do ano, serviram para atenuar as malandragens fora dos relvados.
Malandragens que sempre foram uma via paralela na sua carreira, aliás. E desde muito pequeno. Ainda nas camadas jovens, fugia dos treinos físicos como o diabo foge da cruz. «Não sou de correr», explicava. Os colegas faziam 7/8 quilómetros sem parar e Romário apanhava boleia de autocarros e camiões. «Não corro mas faço golos», protestava quando alguém se insurgia contra o seu comportamento.
Promessas cumpridas e a dedicatória de Tostão
Arrogante ou confiante? As opiniões multiplicam-se. Mesmo com a camisola da selecção do Brasil, nunca foi de unanimismos. Mas sempre gostou de desafios e de lançar promessas na praça pública. «Prometo que vamos ser campeões do mundo no Estados Unidos», disse, antes do início do Mundial de 1994. E a verdade é que 24 anos depois, o Brasil voltou a saborear a conquista da prova.
Tostão, figura do Mundial de 70, deixou alguns pensamentos interessantes numa crónica dedicada ao «baixinho». Aqui ficam alguns deles, em nota de rodapé.
«(¿) Para se ser um fenomenal avançado, é preciso dominar a bola em pequenos espaços, não deixá-la fugir nem ficar colada aos pés e finalizar rápido e com eficiência, como fazia o Romário. Para se ser um fenomenal avançado, é preciso não ficar ansioso diante do guarda-redes e finalizar com o corpo erecto, com o pé de apoio paralelo e próximo à bola, olhando para a frente e não para a bola, como fazia o Romário.
Para se ser um fenomenal avançado, é preciso, mesmo sendo baixinho, ter uma boa impulsão, ter boa colocação, olhar para a baliza e cabecear com os olhos abertos no canto, como fazia o Romário. (¿) O craque não planeja, faz. O craque não tem explicação; ele é.»