Ronald Reng, autor de «Robert Enke, uma vida curta demais», esteve em Lisboa a promover a edição portuguesa do seu livro, vencedor em 2011 do prémio William Hill, atribuído em Inglaterra ao melhor livro sobre desporto. A entrevista com o Maisfutebol incidiu sobre a etapa portuguesa da carreira do guarda-redes alemão, mas também sobre outra personagem principal: uma doença mal conhecida, chamada depressão.

- O que o levou a escrever este livro?

- Foi sempre mais uma ideia de Robert do que minha. Uma vez dei-lhe um dos meus livros e ele gostou. Então, por piada, disse-lhe que um dia poderíamos escrever um livro juntos. E pude ver, logo nesse momento, que ele levou a ideia a sério. Hoje sei a razão: esperava poder contar como tinha vencido uma doença chamada depressão, que nunca tinha podido assumir, por ser um jogador de futebol e o guarda-redes número um da Alemanha. Ele, que sempre escondeu essa doença, esperava que o livro pudesse contar ao mundo as experiências por que estava a passar.

- Decidiu ir por diante mesmo depois do desastre...

- Quando ele morreu, escrever o livro era a última coisa na minha cabeça. Mas depois a mulher de Robert, Teresa, e os seus dois amigos mais próximos, vieram ter comigo. Lembraram-me que o livro era uma ideia muito cara a Robert e encorajaram-me a escrevê-lo, apesar de tudo. Não se pode recusar um pedido desses.

- Esta não é uma biografia convencional. Decidiu logo que ia escrever um livro sobre a depressão?

- Tratando-se de Robert, e sendo a última imagem que se deixaria dele para a maioria das pessoas, tive a ambição de escrever o livro perfeito. Claro que é uma ambição ridícula, ninguém o consegue. Mas a meta era essa. Por isso quis escrever um livro que servisse para as pessoas aprenderem o que é ter uma depressão. E quis também que os leitores ficassem com um retrato preciso do que é ser guarda-redes. Por isso descrevo os pormenores que estão por detrás da escolha das luvas, ou o que se passa nos bastidores quando se é jogador do Benfica e se recebe uma proposta do F.C. Porto, por exemplo. Por fim, também quis contar a vida de Robert, na perspetiva da sua história de amor com Teresa, cobrindo assim todos os aspetos mais relevantes.

- Quando se apercebeu de que o seu amigo Robert era depressivo?

- Só soube que ele sofria de depressão quando morreu. Éramos amigos, mas houve sempre um lado profissional, entre o jornalista e o jogador, a fazer com que ele não me contasse certas coisas. A um nível pessoal, isto mostra que não éramos os amigos mais próximos. Mas a um nível mais geral, e mais interessante, mostra como é difícil às pessoas que sofrem de depressão falar de uma doença que as envergonha. Enquanto Robert estava vivo, não haveria mais de quinze pessoas a saber que ele sofria de depressão.

- Além dos prémios que recebeu, o que espera conseguir com este livro?

- O primeiro objetivo é que as pessoas recordem Robert, e que não o esqueçam facilmente depois de o lerem. Outra ambição é a de que talvez os leitores percebam um pouco melhor o que é lidar com uma depressão. Porque a maior parte das pessoas ¿ e eu incluo-me neste grupo, até começar a investigação para o livro ¿ sabe muito pouco sobre depressão. Há a ideia vaga de que é uma tristeza que afeta as pessoas e não as deixa lidar com a vida. Mas não se percebe que é uma ameaça mortal, que muda a química do nosso cérebro e é extremamente difícil de superar. Não é uma fraqueza, não são pessoas que precisam de por as ideias no sítio. É uma doença, que modifica as reações do cérebro, e que obriga a lutas terríveis para que a vítima possa recuperar a antiga forma de pensar. Espero que mais pessoas fiquem com essa noção. Por fim, ver este livro publicado em Portugal é importante, para mim e para Teresa, porque Robert sempre teve o sonho de ficar a viver aqui. Assim, há algo dele a permanecer num país que sempre considerou especial.