Era uma questão de tempo. Quem conhecesse minimanente o perfil e a personalidade de Roy Keane, tinha como certo que o antigo médio do Manchester United não demoraria muito a responder a Alex Ferguson, que o tinha arrasado na sua biografia, publicada há um ano.

Na altura, recorde-se, Ferguson divulgou alguns pormenores das discussões com Keane, que culminaram com a saida do médio irlandês do Manchester United, em 2005. «A parte mais dura do corpo de Keane é a língua», escreveu na altura o ex-treinador do United, motivando a resposta imediata do seu ex-jogador na ITV: «Ferguson não sabe o que é lealdade», disse então.



Agora, Keane, que é técnico adjunto no Aston Villa, voltou à carga, aproveitando para contar a sua versão dos acontecimentos que ditaram a saída do clube e a zanga definitiva com Ferguson. Tudo aconteceu no Algarve, durante um estágio de pré-temporada, com Carlos Queiroz como ator secundário. O desentendimento começa com uma polémica entrevista de Keane à TV do clube, em que o irlandês atacava vários companheiros de equipa: « Ele estava por trás do meu ombro – não sei porque é que não lhe bati – a criticar-me e, a certa altura, usou a palavra lealdade», conta. A resposta de Keane foi dura, segundo relata o próprio: «Não me venhas falar de lealdade. Deixaste este clube ao fim de doze meses há alguns anos para ires para o Real Madrid. Não te atrevas a questionar a minha lealdade». A situação ficou fora de controlo com a intervenção de Ferguson, algo que levou Keane a acusá-lo: «Tu também, chefe. Precisamos mais de ti, c****. Estamos a dormir atrás das outras equipas», apontou, lembrando que o título não ia para Old Trafford há três anos.

Na biografia, Keane dá mais exemplos do mal-estar em relação a Carlos Queiroz, como na vez em que respondeu a um pedido de repetição de exercícios por parte do técnico português com uma metáfora acerca de posições sexuais: «De vez em quando é preciso mudar, não achas? A verdade é que não fazia ideia por que razão estava a dizer aquilo, e ainda hoje não faço», escreve Keane.

Keane sublinha no seu livro que não lamenta as posições que tomou, e diz que uma reunião para tentar solucionar as divergências foi uma mera formalidade: «Não tinha o sentimento de pedir desculpas. Não saba por que razão fazê-lo, só queria resolver a situação. A verdade é que pedi desculpas pelo sucedido, mas não pelo meu comportamento. Isso é diferente, não tinha nada de pedir desculpa», conta.

O antigo jogador de Man. United e Nottingham Forest não perde também a oportunidade de dar uma alfinetada a Ferguson, ao escrever: «Trabalhei com dois grandes treinadores, e ponho Brian Clough à frente de Ferguson». Em seguida, Keane explica: «A coisa mais importante da minha carreira foi ter sido contratato por Clough. Penso que o calor humano de Clough era genuíno, enquanto com Sir Alex tudo era trabalho. Mesmo quando ele estava a ser simpático, eu pensava: isto para ele é só trabalho. A falta de calor humano era a sua maior força», resume.

Ao murro com Schmeichel, a perna partida de Haaland

O lendário mau feitio de Keane («era assustador. E eu sou de Glasgow», escreveu a propósito Ferguson, há um ano) vem ao de cima em outros excertos da biografia. Como aquele em que admite ter ficado contente com o ataque cardíaco sofrido por um jogador, Clive Clark, durante um jogo entre o Leicester e o Nottingham Forest, em 2007, no mesmo dia em que o Sunderland tinha sido afastado da Taça da Liga: «Tive um pensamento maldoso: ainda bem que aconteceu esta noite, assim vai desviar a atenção das pessoas», admite o antigo treinador do Sunderland.

Outro tema polémico, que Keane não deixa passar em claro, é a brutal entrada sobre Alf-Inge Haaland, que em 2001 acabou com a carreira do jogador do Manchester City: depois de na primeira parte da biografia ter admitido que a entrada tinha sido uma vingança deliberada, Keane bate na mesma tecla: «Há coisas que lamento ter feito, mas essa não é uma delas».

Certo é que nem os colegas de equipa estavam a salvo do temperamento de Keane. É o próprio a contar como a relação difícil com outra lenda do Manchester United, Peter Schmeichel, desembocou numa troca de socos com o guarda-redes dinamarquês: «Tinha acabado de vir de uma lesão. Penso que estávamos em Hong Kong. E houve bebidas envolvidas. Ele disse-me que estava farto de mim e que era altura de resolvermos a questão. Disse-lhe, tudo bem», recorda. Segundo a memória de Keane, seguiu-se uma cena de pancadaria. «Tive a sensação que durou dez minutos. Com muito barulho, o Peter é uma rapaz grande. Acordei no dia seguinte. Tinha uma vaga recordação da luta. A minha mão estava em mau estado e tinha um dedo virado ao contrário», escreve Keane, que também descreve a forma como Schmeichel tirou os óculos escuros e revelou um olho negro no dia seguinte.

Felizmente para Cristiano Ronaldo, o lado mais ameno de Keane vem ao de cima quando recorda o internacional português: «Gostei logo dele, tinha boa presença e atitude. Depois de o ver treinar uns dias, pensei: este miúdo vai ser um dos melhores do mundp», conta Keane, que não poupa elogios à ética de trabalho de CR7: «Só tinha 17, mas tornou-se logo um dos mais trabalhadores na equipa. Tinha bom aspecto e sabia disso, mas também tinha uma inocência e uma simpatia naturais», resume.

Keane não perde a oportunidade de se meter com o ex-companheiro de equipa, O'Shea, lembrando que esteve na origem da contratação de Ronaldo. «No jogo com o Sporting, o Sheasy teve de ser visto pelo médico ao intervalo, estava a ficar com tonturas. A partir daí brincávamos sempre com ele, dizendo que o Ronaldo só tinha ido para o United porque ele tinha jogado como um c**** de um palhaço», conclui.