CAMINHOS DE PORTUGAL é uma rubrica do jornal Maisfutebol que visita passado e presente de determinado clube dos escalões não profissionais. Tantas vezes na sombra, este futebol em estado puro merecerá a nossa atenção. Percorra connosco estes CAMINHOS DE PORTUGAL.

OLIVENZA FUTBOL CLUB – III Divisão do Regional de Estremadura

E eis que, pela primeira vez, a rubrica «Caminhos de Portugal», atravessa a fronteira. Ou então não, conforme a sua opinião sobre este velho diferendo ibérico. Questões políticas à parte, o protagonista da história de hoje é o Olivença (ou Olivenza dependendo do lado da fronteira), Futebol Clube, o mais representativo da cidade fronteiriça.

Para os menos informados sobre o tema, o diferendo entre Portugal e Espanha sobre a posse de Olivença remonta ao início do século XIX, altura em que o território foi anexado a Espanha por ocasião do Tratado de Badajoz, que viria a ser denunciado por Portugal pouco depois de ser assinado. Estávamos na primeira década desse século e, a meio da seguinte, mais propriamente em 1817, tudo parecia sanado: Espanha reconheceu a soberania portuguesa sobre Olivença e garantiu que o mesmo voltaria a integrar o mapa de Portugal, mas, até aos dias de hoje, tal nunca aconteceu. Assim, oficialmente, Olivença integra a província de Badajoz e não o distrito de Portalegre, mesmo que em Portugal recaiam os direitos sobre a cidade.

E assim, naturalmente, o Olivença FC milita no campeonato regional de Estremadura e não nos Distritais de Portalegre. A verdade, porém, é uma. De um lado ou de outro da fronteira ninguém acredita que a realidade do clube fosse muito diferente daquilo que é hoje.

E qual é ela? A descrição é feita pelo presidente José Olivera Silva em conversa com o Maisfutebol.

«O Olivença é um clube modesto, que está na terceira divisão estremenha, dos regionais da Estremadura, e que está a lutar como pode pela permanência. 90 por cento dos jogadores são aqui da terra, só cinco jogadores são de fora, e não cobram nada, recebem um pequeno prémio de 50 euros quando ganham e de 25 euros quando empatam», conta.

Está feito o retrato. Com um sublinhado importante: este ano o prémio de jogo aumentou. Um luxo. «No ano passado pagávamos só 20 euros por vitória», explica.

A ideia visa, naturalmente, motivar o plantel 100 por cento amador. Um dos jogadores é Chicote, alcunha de Juan Silva. É o goleador da equipa o que dará, certamente, azo a metáforas constantes nos jornais locais.

«Sempre marquei golos, é a minha vida. Estou no Olivença desde os 30 anos, tenho 34. Neste período tive apenas uma passagem de meio ano pelo Estremadura. Vivo em Olivença e gosto muito de jogar neste clube humilde», garante.

Já foi profissional, hoje é padeiro. «Deixei de jogar profissionalmente quando vim para cá. Trabalho à noite, ou seja, tenho uma rotina ao contrário. Primeiro vou ao treino, depois vou trabalhar. É duro, claro», remata.

Apenas um caso no plantel. O treinador, Juanma Generelo, que pegou na equipa já a época tinha arrancado, traça o perfil do grupo: «Temos jogadores na casa dos 20-23 anos que são, maioritariamente, estudantes. Mas também temos gente com 37-39 anos. Há quem estude e trabalhe, há gente a trabalhar em padarias, em bares, cafés. Há de tudo.»

E, muitas vezes, tal como no lado português da fronteira, isso obriga a sacrifícios. «Ainda no último jogo não tivemos um dos nossos jogadores porque é militar e não o libertaram naquele dia. Estamos habituados a ter que ultrapassar estas coisas», garante o treinador.

«A geração mais nova já não fala português»

Era impossível fazer esta «viagem» a Olivença e não tocar no assunto mais vezes associado à cidade. Como se disse, normalmente os intervenientes chutam para canto.

Chicote, por exemplo, mesmo sendo goleador, joga à defesa: «Dou-me muito bem com portugueses, tenho a minha opinião, mas é minha. Só isso. Os meus avós falavam português e os meus pais também falam ainda, mas menos. Se falarem entre eles, irmãos, falam português, connosco falam espanhol. A geração mais nova já praticamente não fala português em Olivença, mas há um grande afeto pelos portugueses.»

O avançado conta também que, desde que está no Olivença FC nunca lá jogaram portugueses. «Joguei com um, o Rodolfo, mas foi no Estremadura», explica.

E mesmo adeptos são escassos, admite o presidente. «Temos alguns portugueses a ver jogos, mas muito poucos, às vezes em certos jogos nenhuns, e gostávamos de ter mais. Portugal é um país vizinho e poderia ser muito importante para nós até financeiramente, possibilitando que tivéssemos mais patrocinadores», destaca José Olivera Silva.

O treinador Juanma Generelo compreende a falta de interesse lusitano na equipa: «Não costumam vir aos nossos jogos. É normal até porque a equipa não está muito bem. Seria diferente se o Olivença fosse uma equipa de topo, mas lutando para não descer fica complicado.»

No campo das ligações a Portugal, o presidente lembra que, há três anos, fizeram a pré-temporada em Elvas, porque o treinador da altura tinha ligações ao lado de cá da fronteira.

«Mas queremos aumentar as ligações com Portugal e estamos abertos a isso, gostávamos de fazer mais jogos em Portugal e que equipas portuguesas viessem jogar aqui ao nosso campo», assume.

«Não temos sequer a ambição de subir de divisão»

Humildade é a palavra que todas as pessoas com quem falamos escolhem para definir o Olivença FC. Abaixo da III Divisão da Estremadura há mais duas e é para lá que o clube quer evitar cair. Sabe que dificilmente poderia chegar mais acima porque não tem os mesmos meios dos rivais.

«A maior parte dos clubes da terceira divisão estremenha têm muito dinheiro e alguns até já pagam ordenados, os jogadores são profissionais, por isso podem ver as nossas dificuldades para estar nesta divisão. Não temos sequer a ambição de subir de divisão, porque não temos dinheiro para isso», assegura o presidente.

O avançado Chicote reitera o discurso. «Somos um clube da Terceira, humilde e que luta todos os dias com um objetivo de não descer. Para nós, chegar um dia à II Divisão já seria um sonho, mas não pensamos, sequer, nisso», assegura.

As dificuldades são essencialmente financeiras. «Olivença é uma cidade de 11 mil habitantes e o clube tem 280 sócios, que pagam uma quota de 30 euros. Portanto não podemos querer muito mais, quando só tão pouca gente é sócia pagante do clube da terra», explica o presidente.

Contactos para uma escola do Sporting? 

À margem do Olivença FC, desenvolve-se na cidade um projeto bem mais global, que integra a parte desportiva, mas não só, e que pode levar as cores de um clube grande português para aquela região específica.

Este é o cenário que a Associação Além Guadiana está a trabalhar e aquele que, para já, se desenha. «Há contactos com um clube grande de Portugal. Algo que está a ser feito há mais de um ano e que visa englobar várias modalidades. Não só o futebol, mas canoagem, atletismo, basquetebol», conta Eduardo Machado.

O Maisfutebol sabe que o clube em questão é o Sporting, mas essa informação não é confirmada oficialmente pela Associação. «O nome do clube, para já, não pode ser avançado, porque não há nada fechado», explica.

Joaquín Becerra, presidente da Associação, também joga à defesa e diz que «falta acertar agulhas», embora a ideia seja, sempre, «trazer a experiência de um grande clube para Olivença, para uma escolinha de futebol que terá de ter a participação económica da Câmara Municipal, do Olivença FC» e outras entidades, possivelmente.

«Há algumas coisas a acontecer ao nível de futebol entre Olivença e Portugal. Há uma escolinha que se chama ‘A vida’, assim mesmo, em português, e as equipas dessa escolinha chamam-se ‘Os garotos’», encerra Becerra.

Eduardo Machado lembra que o projeto vai muito para lá da vertende desportiva. «Tem muito de interação cultural e imersão linguística, de modo a fomentar novamente a língua portuguesa em Olivença. Alguns passos estão dados, faltam outros mas estamos a trabalhar para isso», completa.

Há gente que se recusa a deixar morrer a memória de Portugal em Olivença. Que um dia, quem sabe, pode voltar a ser nossa.