Foto: Foto-Arte (Fafe)

CAMINHOS DE PORTUGAL é uma rubrica do jornal Maisfutebol que visita o dia-a-dia de determinado clube dos escalões não profissionais. Tantas vezes na sombra, este futebol em estado puro merecerá cada vez mais a nossa atenção. Percorra connosco estes CAMINHOS DE PORTUGAL.


ASSOCIAÇÃO DESPORTIVA DE FAFE




Benfica, Fiorentina, Milan…

O Fafe não é, de todo, o primeiro clube em que se pensa quando se fala de Rui Costa, mas a verdade é que é a ponta que completa o quadrado. O atual diretor desportivo do Benfica apenas jogou em quatro clubes em toda a carreira e o Fafe foi um deles.

Aconteceu na época 1990/91. A equipa minhota, que dois anos antes estivera entre os «grandes de futebol», naquela que se mantém, até hoje, como a única experiência do clube ao mais alto nível em Portugal, tentava voltar ao primeiro escalão.

João Freitas era o presidente e precisava preparar uma equipa para atacar o regresso à Liga. Laurentino Dias, ex-secretário de Estado do Desporto no governo de José Sócrates, era vice-presidente do clube e tinha apalavrado com Pinto da Costa a cedência de três jogadores que completavam naquele ano a formação no clube portista.

«Ironicamente, tenho de agradecer ao senhor Pinto da Costa a chegada do Rui Costa a Fafe», atira, entre risos, João Freitas, em conversa com o Maisfutebol. O que é que o presidente do FC Porto e este negócio da cedência de jogadores têm a ver com a história? Já lá vamos.

A direção do clube fafense foi em peso às Antas onde, num dos campos de treino, jogava-se um FC Porto-Benfica, em juniores. As escolhas estavam feitas, conta João Freitas: «Queríamos o Rui Jorge, o Toni, o avançado, que até marcou três golos nesse jogo que o FC Porto ganhou por 4-0 e um médio que agora já não me recordo qual.»

Estas eram as escolhas do Fafe. Faltava, portanto, saber se a direção portista estaria pela conta.

«Tragam o miúdo que ninguém dá dois tostões por ele»

No final do jogo, João Freitas e outros membros da estrutura do clube dirigiram-se, conforme combinado, ao gabinete do presidente portista. Mas a reunião nunca aconteceu.

«Informaram-nos que o Pinto da Costa não nos ia poder atender porque estava lá o Mike Walsh, que tinha jogado no clube e que era representante de um jogador e estava a negocia-lo para o FC Porto», conta o ex-presidente fafense.

João Freitas não gostou da desfeita: «Disse aos meus colegas:
vamos embora. Eu vim cá porque o Laurentino é crente, mas eu não tinha fé nenhuma em levar nada daqui

E é nesta altura que surge o nome de Rui Costa, que tinha alinhado pelo Benfica naquele jogo e encheu as medidas ao chefe do Departamento de Futebol do Fafe, professor Moreno. Foi ele que insistiu com João Freitas para tentar o empréstimo.

«Ele disse-me: o Benfica tem ali um miúdo que ninguém dá dois tostões por ele, mas parece-me um jogador de qualidade. Veja se dá para o trazer», relata. António Valença, o treinador, confirma tudo ao Maisfutebol: «Falavam muito no Gil, o avançado, mas eu disse logo: não, o diamante é aquele

E assim foi. João Freitas ligou a Gaspar Ramos, da direção encarnada, que o colocou à vontade. «O Rui Costa ia ser dispensado. Iam mandá-lo para um clube do regional lá no sul. Disseram-me para falar com ele e com o pai. Se ele estivesse interessado o negócio fazia-se. Eles quis e, pronto, é o que se sabe», atira João Freitas.

A difícil adaptação longe «das saias da mãe»

A época de Rui Costa não enganou os responsáveis fafenses. «Vimos logo que tinha mesmo qualidade. Tinha pinta de jogador, como se costuma dizer. Jogava de cabeça no ar a distribuir jogo. Parecia tudo fácil com ele», descreve João Freitas.

António Valença lembra ainda que foi o Fafe que ajudou Rui Costa a estabelecer-se na seleção nacional que haveria de se sagrar campeã do mundo na Luz: «Ele não era primeira opção. Começou a crescer aqui.»

«Os primeiros tempos não foram fáceis. Ele era um miúdo daqueles de andar de volta das saias da mãe. Tivemos muitas dificuldades para ele se adaptar. Pedíamos aos pais para virem ver os jogos e eles ajudaram-no muito. Acabou por fazer uma época espetacular», continua o treinador.

O Fafe não conseguiu subir de Divisão. «Foi por causa de vários artistas de preto…Enfim, já passou», atira António Valença. «A nossa equipa tinha qualidade, disputou até ao fim a subida com o Rio Ave, mas também dependia muito do Rui Costa», assume.

«Às vezes íamos treinar a Braga ou Guimarães e diziam-nos: vocês têm ali um jogador! Pois temos, mas é do Benfica, não é nosso», lamenta Valença.

Dez mil contos para uma transferência definitiva

Por isso, no final da época, a ideia estava feita: Rui Costa era mesmo para comprar. O Fafe apresentou uma proposta ao Benfica de 10 mil contos (50 mil euros) para ficar com a carta do jogador.

O problema foi que Nelo Barros, olheiro do Benfica, também tinha ficado convencido com as qualidades do jovem médio. «Estragou-nos o negócio», conta João Freitas entre risos.

«Era muito amigo do Toni e mal soube que íamos comprar o Rui Costa ligou-lhe a avisar: Diz ao Eriksson que o miúdo entra de caras na equipa para o ano. Não o vendam», continua.

E o Benfica não vendeu. O resto, como se costuma dizer, é história. João Freitas assume natural pena por não ter comprado um dos melhores médios da história do futebol português por 10 mil contos…

«Mas, por outro lado, ainda bem que assim foi. Ele foi muito feliz na Fiorentina e no Milan e ainda hoje fala com carinho do Fafe e diz que deve muito a este clube», conclui.

António Valença só lamenta que o seu ex-pupilo tenha passado tanto tempo na Fiorentina: «Se tivesse ido mais cedo para uma equipa de topo era um jogador para estar na história do futebol mundial.»