«Depois do Adeus» é uma rubrica dedicada à vida de ex-jogadores após o final das carreiras. O que acontece quando penduram as chuteiras? Como subsistem os que não ficam ligados ao futebol? Críticas e sugestões para o email vhalvarenga@mediacapital.pt.

A 30 de janeiro de 2010, Tiago Targino lesionou-se com gravidade num Benfica-V. Guimarães e viu cair por terra a transferência para o clube encarnado, que estava praticamente selada. Aliás, já estava paga. Em novembro de 2021, o Maisfutebol descobre o antigo extremo, atualmente com 35 anos, a trabalhar como carpinteiro de cofragem na ilha mais luxuosa das Caraíbas.

Targino teve a primeira experiência no mundo da construção civil na época passada, enquanto representava o Caçadores das Taipas no campeonato distrital da AF Braga. Depois de alguns meses a trabalhar como pintor, o jogador recebeu um convite para rumar a Saint Barthélemy.

Filho de pais brasileiros, Tiago Targino cresceu num bairro social de Beja, popularmente conhecido como Texas. Despontou no Desportivo local e rumou ao V. Guimarães - , principal clube ao longo da carreira - em 2002. Foi emprestado a Manisaspor (Turquia), Randers (Dinamarca), mais tarde ao V. Setúbal e acumulou experiências já sem vínculo ao clube minhoto: Olhanense, AEL Limassol (Chipre), Jagiellonia Bialystok (Polónia), Trofense, Académica de Lobito (Angola), Sampedrense, Lusitanos (Andorra), Lusitano Évora, Olímpico Montijo, Comércio e Indústia e Caçadores das Taipas.

O que leva então um ex-jogador famoso, com passado nas seleções jovens de Portugal, vários anos de Liga e crédito acumulado em cinco países, a aceitar um convite para trabalhar como carpinteiro de cofragem no território de Saint Barthélemy, igualmente conhecido como São Bartolomeu?

«Já estava a trabalhar na área da construção e, através de uma empresa de construção civil, surgiu a possibilidade de vir para as Caraíbas. Era um sonho de criança estar aqui e pronto, surgiu essa possibilidade através do trabalho. Aproveitei porque são oportunidades que por vezes passam e não voltam, como acontece no futebol», começa por explicar.

Tiago Targino admite que passou por um período de fragilidade emocional devido à quebra da confiança por parte de pessoas que lhe eram próximas. Essa realidade teve reflexos na carreira profissional e na estabilidade financeira do alentejano.

«Pode dizer-se que estou a começar do zero. Por isso é que precisei de trabalhar, mas foi-me difícil aceitar isto. Sei que há muitos ex-jogadores que por terem vergonha ou medo que as pessoas falem não assumem as dificuldades. Mas posso dizer que, desde que entrei na área da construção, voltei a acreditar em mim, ganhei muito mais confiança. A vida continua e ninguém se consegue equilibrar mentalmente se não tiver um salário, um caminho», salienta.

O antigo jogador do Vitória de Guimarães deixa um conselho a quem enfrenta ou pode vir a enfrentar o mesmo cenário: «Eu estava habituado a ter grandes salários e tive de baixar, mas percebi que eu precisava era de ser feliz. Para isso, precisava de ter a coragem de trabalhar. Só peço aos outros ex-jogadores que tenham coragem para isso. Se precisarem de alguma ajuda podem contar comigo. E que os jovens nunca caiam nos erros que eu cometi.»

Targino alargou horizontes na época passada, durante a estadia no Caçadores das Taipas. «Agarrei a oportunidade através de um colega que jogava no Taipas. Eu não percebia nada daquilo, era mais um ajudante de pintor. Entretanto surgiu esta possibilidade e vim para Saint Barthélemy. Nem sabia onde isto era», confessa.

A quase seis mil quilómetros de distância de Guimarães - cidade onde criou raízes - o atual carpinteiro de cofragem viu a sua confiança aumentar. «Não imaginava que havia tantos portugueses aqui a trabalhar e que a maioria era do Minho. Ou seja, muitos gostam do Vitória de Guimarães e lembram-se de mim, o que é um orgulho. Por outro lado, reconhecem o valor e a coragem que tive em enfrentar as dificuldades de vida e têm-me apoiado bastante», salienta.

Tiago Targino fala com o Maisfutebol a partir de Gustavia, a capital de um território que esteve sob o domínio de França, passou a ser uma colónia sueca e regressou novamente ao domínio francês. Com uma população maioritariamente branca, Saint Barthélemy era relativamente desconhecida até aos anos 50, quando o norte-americano David Rockefeller – na altura um dos homens mais ricos do mundo – ficou encantado pela ilha e começou a investir. Desde então, é vista como um destino para famosos, sem o turismo de massas de outros destinos no Mar das Caraíbas.

Na passagem de ano de 2009, por exemplo, Beyoncé e Usher cantaram na festa particular que um dos filhos do ditador líbio Muammar Al-Gadafi organizou em Saint Barthélemy. Figuras como Kate Moss, Gisele Bundchen, Mark Jacobs, Ronaldo Fenómeno ou Roman Abramovich também já passaram férias na ilha.

«Como costumamos dizer, estamos aqui para realizar os desejos deles. Eles projetam e nós construímos. Há uns anos houve aqui um dos maiores ciclones de sempre e muitas das estruturas ruíram ou ficaram danificadas, portanto há muito trabalho», diz.

Targino trabalha como carpinteiro de cofragem para a A.R.C., empresa de portugueses. De forma resumida, instala as estruturas de madeira que suportam o betão: «Sou o que chamam aqui de maçon, cofrador. É um trabalho duro, sempre com temperaturas que chegam aos 40 graus. Com foco, dedicação e ajuda das pessoas que trabalham comigo, tenho conseguido ser uma mais-valia. Tenho também de agradecer às pessoas da empresa que acreditaram em mim, que apostaram em alguém sem experiência. Sobretudo ao senhor Jacinto Rodrigues.»

Nos últimos meses, à margem do trabalho nos locais de construção, o antigo jogador profissional teve ainda a oportunidade de treinar uma equipa feminina na ilha. «Devido à carga de trabalho, acabei por sair. Gostava que esse fosse o meu futuro, o regresso ao futebol. Mas, se isso não acontecer, este trabalho é mais uma coisa que estou a aprender, é algo mais que sei fazer e a que me posso agarrar», remata.

«Vou ser pai de gémeos e quero criar os meus filhos em Guimarães»

Tiago Targino prepara-se para regressar em breve a Guimarães e por um bom motivo. Quando surgiu o convite para viajar para Saint Barthélemy, o alentejano descobriu igualmente que a sua companheira, Carina, estava grávida. De gémeos!

«Foi super difícil mas acabei por vir, para aproveitar a oportunidade. Tem sido complicado acompanhar a gravidez a seis mil e tal quilómetros de distância. Portanto, já está decidido que no dia 15 de dezembro vou regressar a Portugal. Vou ser pai de gémeos e tenho o objetivo de criar os meus filhos em Guimarães. Depois, logo veremos se no futuro dará para voltar aqui à ilha», explica.

Aos 35 anos, Targino pretende fazer a transição segura para uma nova carreira no mundo do futebol. O primeiro passo está dado: na próxima época, será Diretor de Entidade Formadora no Caçadores das Taipas. «Sinto-me mais maduro e a transição do futebol profissional para o mundo ‘normal’ fez-me bem. Felizmente, tenho igualmente pessoas que me querem ajudar.»

O antigo jogador profissional encara o futuro com entusiasmo e alguma cautela, face a algumas péssimas experiências no passado. «As pessoas que me rodeavam não foram as melhores para me ajudarem psicologicamente e foi-me difícil aceitar a situação em que eu estava. As pessoas que eu pensava que me iam apoiar, desapareceram. Como se costuma dizer, conhecemos os melhores amigos quando estamos na mó de baixo. Foi difícil mas graças a Deus dei a volta à minha situação, conheci uma mulher fantástica que me vai dar o maior presente do mundo, de forma dupla, e vou continuar nesta caminhada, tendo a certeza que coisas boas vão aparecer.»

Nota-se algum desalento ao longo da entrevista, porque de facto o extremo prometia muito, mas conseguiu ter ainda assim uma carreira interessante. Filho de um antigo jogador brasileiro (Hilton), Targino deixou Beja com 15 anos para rumar ao Vitória de Guimarães. Aos 18, fez a estreia pela equipa principal dos vitorianos.

O inegável potencial caminhava de mãos dadas com algumas faltas de concentração, sobretudo nos treinos, e algumas noitadas que afetaram a sua imagem em Guimarães. Porém, em campo, Tiago Targino era claramente uma mais-valia.

«É preciso recordar que eu saí de casa com 15 anos, fui de Beja para Guimarães, nunca tive os meus pais ou o apoio que um jovem deve ter. Os jovens que não caiam nos mesmos erros que eu cometi. É um pouco triste o rumo que a carreira tomou, mas eu não sou 100 por cento culpado de tudo o que aconteceu», frisa.

O extremo fez três épocas e meia no Vitória de Guimarães antes dos empréstimos a Manisaspor (Turquia) e Randers (Dinamarca) entre 2007 e 2009. Pelo caminho, acumulou ainda 31 internacionalizações pela seleção de Portugal, dos sub-18 aos sub-23.

Quando regressou ao clube minhoto, com 23 anos, Tiago Targino sentia-se «muito mais maduro, muito mais profissional». Porém, no dia em que devia assinar contrato com o Benfica, após meia época a um nível altíssimo no Vitória, uma lesão grave comprometeu definitivamente a sua carreira.

«A lesão foi o grande azar que tive na minha vida. O V. Guimarães foi à Luz jogar com o Benfica e já havia acordo entre o meu empresário e o Rui Costa para que eu assinasse contrato após o jogo», desabafa. Ainda na primeira parte, o extremo lesionou-se sozinho: «A transferência não se concretizou e a lesão fez com que baixasse a minha performance. Nunca mais fui o mesmo jogador.»

Targino voltou a jogar cerca de nove meses depois. Cumpriu mais uma época e meia no V. Guimarães, foi posteriormente emprestado ao V. Setúbal e saiu para o Olhanense em 2012, já sem vínculo contratual aos vitorianos. Após uma temporada no Algarve, aceitou propostas de Chipre e Polónia. A carreira profissional caminhava para o seu fim.

Trofense, Académica de Lobito (Angola), Sampedrense, Lusitanos (Andorra), Lusitano Évora, Olímpico Montijo, Comércio e Indústia e Caçadores das Taipas foram as derradeiras etapas no seu percurso. «Chipre e Polónia foram más opções. Considero que a minha carreira como jogador profissional acabou aí. Tive vários problemas, como a lesão, mas um dos maiores foi confiar demasiado em pessoas próximas, que me falharam. Comecei a pensar demasiado nisso, a esquecer um bocado a minha parte profissional e acabei por ser prejudicado no futebol, na minha carreira.»

«De qualquer forma, o balanço tem de ser positivo. Eu tinha o sonho de ser jogador e consegui. Tive a sorte de apanhar um grande clube, o V. Guimarães, sem esquecer o V. Setúbal e o Olhanense, mas sobretudo o V. Guimarães. Sou um jovem privilegiado, porque consegui-me tornar profissional, consegui realizar o sonho da minha família, do meu pai, e fui mais de trinta vezes à seleção de Portugal. Não foi mau para um miúdo que saiu de Beja com 15 anos», remata Tiago Targino.