Quem não se recorda do velho «salgueiral», aquela equipa aguerrida sempre difícil de enfrentar no apertado Estádio Engenheiro Vidal Pinheiro? Clube histórico, com pequenos feitos e uma alma enorme, a alma salgueirista. E do «Boavistão», que reclama a distinção de quarto grande (pelo menos em números de títulos) e que no início do século foi maior do que FC Porto, Benfica e Sporting, sendo campeão nacional e marcando presença na meia-final da Taça UEFA? Afastados dos anos de glória, os dois clubes da cidade do Porto tentam levantar-se das cinzas e escrever uma nova história. Este sábado reencontram-se, doze anos depois do último duelo.

O «derby» da Invicta, a contar para a série C do Campeonato Nacional de Séniores, já não vai ter lugar em Paranhos, porque as velhinhas bancadas do Vidal Pinheiro foram demolidas. O Salgueiros, que por acaso até já mudou de nome para Salgueiros 08 devido à refundação necessária do clube após a insolvência por dívidas avultadas, não tem casa fixa e para receber o digno convidado tem de recorrer ao Estádio Municipal da Maia. Não se espera casa cheia, mas não deixará de haver cor entre os adeptos, com as incansáveis claques «Alma Salgueirista» e «Panteras Negras» prontas para afinar as gargantas.

A última vez que as duas equipas se defrontaram foi a 1 de dezembro de 2001, então no velhinho Vidal Pinheiro, perante cerca de 2500 pessoas. O Boavista ostentava o título de campeão e o Salgueiros lutava para não descer. Empataram 1-1, com golos de Erwin Sanchez e Toy. Do lado do Salgueiros encontravam-se nomes como Rui Correia, Nunes (atualmente capitão do Maiorca), Rui Ferreira, João Pedro e Basílio Almeida (que ainda joga aos 42 anos); enquanto que nos axadrezados estavam figuras sonantes como Ricardo, Pedro Emanuel, Bosingwa, Petit ou Martelinho. Foi a última época antes do Salgueiros cair no abismo.

Uma história que os une

Salgueiros e Boavista viveram sempre à sombra do gigante FC Porto, mas com os axadrezados sempre a levantarem a cabeça e a muitas vezes conseguirem passar a perna aos «andrades». A rivalidade com os vizinhos de Paranhos é bem menos quente, mas produzia uma história recheada de momentos.

Foram tantos os jogos como este:



No total foram 23 Salgueiros-Boavista, sendo que o primeiro aconteceu a 1 de agosto de 1951, na I Divisão e com vitória para os da casa (2-1). Em 19 desafios do principal campeonato português, o Salgueiros venceu nove, empatou cinco e perdeu cinco. Ainda jogaram uma vez para a Taça, com triunfo dos axadrezados e três para a II Divisão, com três vitórias dos salgueiristas. A maior vitória dos da casa aconteceu precisamente no escalão secundário, em 1962/63, por 4-0; e o maior triunfo dos axadrezados fora surgiu no ano em que é campeão, 2000/01, por 5-1. O resultado mais frequente no Salgueiros-Boavista é o 2-0, pois aconteceu em quatro ocasiões. No entanto, o Salgueiros não venceu um jogo ao Boavista desde dezembro de 1997 (3-2).

Reencontro de campeões

No início da presente época já houve um prenúncio daquilo que vai ser vivido este sábado. No jogo de apresentação dos axadrezados, os dois clubes defrontaram-se no estádio do Bessa, aproveitando para assinalar o momento de entrada em conjunto no novo Campeonato Nacional de Seniores, que substitui as II e III Divisões. Empataram 1-1, com golos de Ruben e Fábio Serra.

Os dois clubes encaram esta época com objetivos bem diferentes. O Boavista montou uma equipa ambiciosa, claramente superior às demais, com Petit a treinador (Latapy a adjunto) e o recurso a jogadores muito experientes, como Ricardo Silva, Fary ou Frechaut, sabendo que na próxima época estará de regresso à I Liga por ordem judicial. O Salgueiros 08, por seu lado, pretendo apenas continuar a fazer o seu lento caminho para um regresso aos campeonatos profissionais, num plantel que mistura jovens vindos das camadas de formação com alguns atletas com experiência de divisões secundárias (como Vítor Fróis ou Pinheiro).

Curiosamente, nos dois bancos de suplentes há ex-jogadores campeões nacionais pelo Boavista. O técnico dos axadrezados, Petit, é uma grande figura do clube e alguém que nunca desistiu de lutar pelo regresso aos grandes palcos. Abraçou o projeto e está a alcançar resultados, sendo natural que surja como líder da equipa na próxima temporada quando a equipa regressar ao principal campeonato português. Nos salgueiristas o treinador principal é Sérgio Ribeiro, ex-jogador do Salgueiros, mas o seu preparador físico é Sérgio Carvalho, ex-defesa-central do Boavista campeão nacional.

Para além disso ainda há Frechaut, que também foi campeão e está agora na parte final da sua carreira como futebolista. Aos 36 anos, o internacional português é normalmente utilizado e por vezes ainda titular. Está na sua segunda época de regresso ao Bessa, depois de passagens pelo Dinamo Moscovo, Sp. Braga, Metz e Naval. 

Desta vez não haverá direito a transmissão televisiva, nem bancadas cheias, mas o facto de um Salgueiros-Boavista voltar a realizar-se doze anos depois é uma prova de vida para estes dois históricos que tanta faltam fazem ao futebol português.