Sete jornadas, seis vitórias e um empate; desde a época 1994/95 que não se via melhor início na II Liga – na altura, o feito foi do Campomaiorense.

Os açorianos do Santa Clara conseguiram o melhor arranque no segundo escalão do futebol português em mais de duas décadas – apesar de a meio da semana terem sido ultrapassados na liderança pelo Portimonense, que tem mais um jogo – e já são vítimas do seu sucesso, tendo ficado sem o treinador. Daniel Ramos foi ontem oficializado como novo técnico do Marítimo.

Uma perda importante, considera em declarações ao Maisfutebol Rui Melo Cordeiro [na foto principal com Daniel Ramos e o plantel], advogado de Ponta Delgada e «pescador nas horas vagas», confessa, que se tornou presidente do clube e da SAD em junho de 2015.

«Não queria ter perdido o treinador. Mas ele andava há alguns anos a querer abraçar um projeto de I Liga e a oportunidade surgiu agora. Os Açores são solo sagrado. Quem pisa nesta terra tem o seu trampolim para outros voos», brinca o dirigente numa referência implícita a Gouveia, que na época passada saiu para orientar a Académica ou até a Vítor Pereira, que treinou os açorianos antes de voltar ao FC Porto.

Em seguida, o dirigente explica que apesar da saída, acertada com os madeirenses a troco de uma compensação de 60 mil euros, vai manter-se o contexto e os objetivos da equipa, que na próxima jornada será orientada pelo adjunto e homem da casa Hugo Relvas.

Plantel do Santa Clara para a temporada 2016/17

«Somos candidatos à tranquilidade e a manter a estabilidade financeira apenas. O Santa Clara dá geografia ao futebol português e faz todo o sentido para os Açores ter uma equipa a I Liga. Ainda na época passada a Madeira tinha três equipas… Mas temos de conseguir esse objetivo com mérito, competência e trabalho. Não a qualquer custo», afirma o dirigente ao Maisfutebol, antes de explicar o projeto que tem para o clube:

«O Santa Clara não é apenas um clube de futebol. É um embaixador da região, até em termos turísticos. Temos adeptos e sócios não só em Ponta Delgada ou na ilha de São Miguel, mas em todas as nove ilhas do arquipélago, além de uma grande ligação à diáspora, em particular aos Estados Unidos e ao Canadá – alguns emigrantes até já foram atletas. Para crescermos queremos estabelecer parcerias com clubes da região e atrairmos quadros técnicos qualificados que nos permitam reforçar a prospeção. No futuro, queremos criar uma academia de futebol e ajudar a promover os atletas açorianos. Já temos alguns jogadores açorianos no plantel principal, como o Clemente, o Pacheco, o Rodolfo… Mas queremos mais.»

Uma questão de símbolos 

Rui Melo Cordeiro tem ajudado a mudar a face do clube. Assim que foi eleito começou pelo lado mais visível, alterando o símbolo, que voltou a ser mais próximo do tradicional, decalcado do emblema do Benfica.

O presidente explica a troca: «Em 2012, a anterior administração da SAD tomou a decisão de alterar o símbolo – criando um escudo com os tons de azul e branco da bandeira dos Açores – sem consultar os sócios do clube e muitos entregaram o cartão. Não sei se a ideia era diferenciar do emblema do Benfica ou uma questão de marketing, mas não houve consenso nessa deliberação, pelo que nas eleições comprometi-me a voltar a pôr o símbolo tradicional do clube, que curiosamente até já teve um leão… Nem sequer fazia sentido o clube ter um símbolo e a SAD outro. Só há um Santa Clara.»

O símbolo anterior (à esquerda) e o tradicional

Facto é que com o sucesso desportivo deste arranque de época o público voltou a aproximar-se da equipa. Os números comprovam-no. A média de espetadores no Estádio de São Miguel quase duplicou – de 559 para 1008 por jogo – desde a época anterior e receção ao FC Porto B (2-0), na jornada do último fim-de-semana, estavam mais de dois mil espetadores nas bancadas.

O mérito é em grande medida do plantel e também da equipa técnica que até esta semana foi liderada por Daniel Ramos. Antes da sua saída para o Marítimo, o técnico que nas últimas duas épocas e meia havia orientado o Famalicão explicou ao Maisfutebol o desafio que estava a encarar nos Açores.

Jogo frente ao FC Porto B teve mais de dois mil espetadores

«Treinar uma equipa insular como o Santa Clara levanta algumas dificuldades. Desde logo pela quantidade de viagens de avião, que envolvem uma grande logística, mas também pela gestão de recursos. Por exemplo, temos três campos relvados em São Miguel e um horário de utilização reduzido no campo principal. Temos de adaptar os próprios exercícios do treino aos diferentes pisos dos três campos e estarmos em permanente deslocação entre eles. No entanto, o clima é uma vantagem. Nos Açores há mais chuva e a humidade é muito maior do que no continente. Os adversários têm dificuldades de adaptação sobretudo nos primeiros minutos de jogo e soubemos aproveitar isso nos jogos», explicou o técnico vila-condense que mudou de ilha, de São Miguel para a Madeira, para viver o sonho de treinar a I Liga, onde o Santa Clara quer voltar depois de ter lá competido em 1999/00, 2001/02 e 2002/03.