* com SARA MARQUES

Pedro Rocha anda pelo relvado no final do jogo. Cabelo molhado e despenteado por causa dos festejos, um sorriso vitorioso na cara. É preciso um olhar mais atento para perceber que é aquele o treinador. Com 31 anos, mesmo numa equipa com média de idades de 23, o técnico parece novo.

Na cabeça duas palavras: Santa Maria. Tomba-gigantes, também, se calhar. A sua equipa acaba de eliminar o Nacional, na maior surpresa da 3ª eliminatória da Taça de Portugal. Grande feito para uma equipa de uma das 61 freguesias do concelho de Barcelos, o maior do país.

Galegos-Santa Maria tem um pouco menos de três mil habitantes. Casa sim, casa não, praticamente, encontram-se referências à olaria e ao artesanato, principal marca da localidade. Uma espécie de Paços de Ferreira, com louça em vez de móveis.

No meio do barro e da louça houve, contudo, espaço, tempo e vontade suficiente para criar um clube que é, depois do Gil Vicente, o maior do concelho. Ainda assim, não há qualquer rivalidade. Longe disso.

O Gil utiliza, de forma regular, o Estádio da Devesa, casa do Santa Maria, na sua rotina de treinos. O clube de Galegos, que vem reclamando apoio autárquico para melhorar as condições do seu campo, recebe, também, ano após ano, jogadores com a «escola gilista», seja por empréstimo, seja a título definitivo.

Basta olhar para o plantel: Zé Pedro, Venú, Tiago Torres, Tico, Miguel, David Freitas, Fábio...O que não faltam são jogadores com passagem pelo Gil.

Significa isto que o Santa Maria não forma com qualidade? Nada disso. Muito longe disso, aliás. Poderemos, de resto, citar dois nomes, ambos com a chancela Benfica a comprovar os créditos e valores recolhidos na escola do clube barcelense: Nélson Oliveira e Hugo Vieira.

Francisco Portela, o presidente, conhece bem todos os frutos do trabalho do clube. «Quando começaram a aparecer os primeiros valores, eu era coordenador da formação», explica. E cita-os todos de cor:«O caso do Nélson Oliveira, Hugo Vieira, o Carlos Fonseca, o Paulinho...».

«Deste plantel que temos aqui vejo mais um ou dois a chegarem rapidamente à I Liga», vaticina.

Um treinador que não é

Lembra-se de Pedro Rocha, o homem que passeava pelo relvado da Devesa no início do texto? Voltemos a ele, então, porque há uma boa história para contar.

Está no início da segunda época no Santa Maria e parece que as celebrações o perseguem. Primeiro foi a subida da III Divisão para a II Divisão B, agora rebatizada de Campeonato Nacional de Séniores. Agora o feito histórico de eliminar o Nacional na Taça. Será uma espécie de talismã da equipa barcelense?

Há quatro anos, trocou as chuteiras por um lugar no banco, como comandante, mas ainda não tem o curso que lhe permitiria ter o nome da ficha de jogo. Nenhum nível. É treinador na prática, mas não na teoria.

«Tirei o curso de educação física e sou professor em escolas primárias e trabalho num ginásio. Quando me convidaram para treinar ainda não tinha curso. Só não o tenho, aliás, porque estou desde essa altura à espera que abra o curso da Federação para o poder fazer», explica.

A solução deu-a o irmão mais novo. Tiago Rocha, adjunto na prática, que tem curso de nível I, torna-se no treinador principal no papel, e Pedro figura nas fichas como preparador físico. Mas no trabalho diário não há confusão. «Eu joguei com o meu irmão, depois fui treinador dele», conta. E não era estranho? «Um bocadinho», confessa.

Mas agora a estranheza desapareceu. «Eu e o meu irmão concordamos e discordamos facilmente, mas também conseguimos apontar o que está bem e o que está mal. A relação familiar traz essa facilidade de comunicação, além de uma confiança extrema». Esta relação alarga-se aos outros dois elementos da equipa técnica, que também foram treinados por Pedro Rocha, e que são amigos de longa data.

«Em futebol é importante rodearmos-nos de pessoas de confiança», assegura. E parece estar a resultar.

Pedro e Tiago Rocha nem são os únicos irmãos do grupo de trabalho. No campo, o lateral Tico e o médio Miguel partilham o mesmo laço familiar. Uma irmandade de sucesso em Galegos.

Dos Distritais à surpresa na Taça

A vitória deste domingo, frente ao Nacional, coloca no mapa futebolístico a pacata aldeia de Galegos. Francisco Portela não tem dúvidas: nem é preciso fazer mais nada, o que vier agora é lucro. Literalmente, espera

«Queremos um dos três grandes ou Sp. Braga, Gil Vicente, V. Guimarães. Não temos ambições de ganhar a Taça. O nosso objetivo é financeiro», esclarece.

Um mundo ainda novo para uma equipa que, há quatro anos, andava pelos Distritais. Em 2009, ano gravado a letras de ouro na história do clube, sagra-se campeão da Divisão de Honra da AF Braga, após acirrado duelo com o Famalicão, histórico que também vivia momento de menor fulgor. E ainda ganha a Taça.

Regressa aos Nacionais e faz despontar a figura de Hugo Vieira, que faz mais de 40 golos naquela caminhada triunfante, antes de sair para o Gil Vicente.

Galegos Santa Maria, terra onde foi criada a figura mítica do Galo de Barcelos, entretanto tornada símbolo da cidade e do país, volta a entrar no mapa nacional do futebol. Na época passada, nova celebração com a subida de mais um degrau. Agora vem a festa na Taça e uma certeza: se calhar é melhor continuar com eles debaixo de olho.

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