Acho que já escrevi isto por aqui uma ou outra vez: em 1982 eu estava pela Itália. Era o único na minha rua. A Itália ganhou o Mundial, como nos lembra a história, mas ainda hoje me orgulho pouco de ter acertado.

Hoje, no dia em que Sócrates morreu (coisa incrível esta coincidência, ir a enterrar no mesmo domingo em que o Corinthians discute o título ), o Brasil daquele Mundial regressa de repente para nos recordar como era belo. Partilham-se vídeos, escrevem-se comentários emocionados, no fundo torna-se público o imenso respeito que nós, os portugueses na altura miúdos hoje adultos, temos por aquele «escrete», por aquela perfeição tão humana que no final de todas as contas não chegou para levantar a taça.

Talvez os brasileiros, pouco dados a celebrar fracassos, recordem Sócrates essencialmente pelo que representou como jogador do Corinthians. Sócrates, o líder corajoso , num país que vivia dias difíceis, o líder que usou a notoriedade do futebol para combater pela democracia.

Nós e eles estaremos juntos no essencial: Sócrates era diferente de todos, no relvado. Muito melhor do que as minhas palavras são os vídeos, que o mostram muito direito, correndo sempre menos do que a bola e chegando mesmo assim antes de todos. Os remates secos, os toques de calcanhar e sobretudo aquela forma de pisar, aquela maneira de jogar como se nos visse a todos lá do alto, de um sítio onde só os predestinados acedem.

Em 1982 tinha catorze anos. Perdera Eusébio, lamentavelmente encontraria Pelé apenas num filme com Stallone e ainda não havia Maradona de corpo inteiro. Eu torcia pela Itália. Mas era Sócrates que tentava imitar quando os jogos acabavam e descíamos para a rua, decididos a ganhar o nosso Mundial à equipa da rua de baixo. De costas muito direitas.