Precisamente um mês após a final do Campeonato da Europa, vencida por Portugal, o MAISFUTEBOL publica uma entrevista com José Fonte, um das figuras da inédita conquista da equipa das quinas. O central chegou à Seleção apenas aos 30 anos, mas ainda a tempo de assumir papel relevante num trajeto histórico, conquistando a titularidade a meio da prova, numa afirmação que espelha uma carreira construída a pulso, da terceira divisão inglesa ao título europeu em apenas seis anos.

 

No excerto da entrevista abaixo publicado, o central fala da chegada à equipa das quinas já como «trintão», contornadas as desilusões sofridas no Sporting e no Benfica, e depois de ter ido aos escalões inferiores do futebol inglês encontrar o espaço para brilhar. Aos 32 anos José Fonte festeja o título europeu e sente que a sua carreira parece um filme, mas não quer fechar já o argumento.

 

Um mês depois da conquista do título europeu, ainda é preciso um beliscão matinal para comprovar que é tudo real?

Já caimos na realidade. De certa forma já passou à história até. É sempre com um sorriso que lembro a nossa conquista, aqueles momentos de tanta alegria, mas agora já passou. Somos campeões da Europa, mas o mundo continua a girar e temos de seguir em frente para conseguir novas conquistas.

Após a final disse que tudo aquilo podia ser um filme. À medida que o tempo passa o argumento torna-se ainda mais incrível?

Acho que sim. Quem souber um pouco a minha história, da minha carreira, percebe porque digo isso. Pouca gente acreditaria que fosse possível. Desde os tempos em que não recebia no Salgueiros e no Felgueiras, ir para a II divisão inglesa e depois ainda baixar à terceira, e ao fim destes anos todos conseguir ser campeão europeu...Posso estar orgulhoso daquilo que consegui, mas a história não acaba aqui. Há objetivos que ainda quero alcançar, por isso vamos continuar a escrever o guião.

Consegue pensar num título para esse filme?

Não seria difícil encontrar um, mas teria de pensar bem. Talvez «Do oito ao oitenta». Mas não sei, teria de pensar bem nisso (risos).

Entre a receção apoteótica em Lisboa à equipa e a homenagem da Câmara Municipal de Penafiel ao José Fonte, uns dias depois, sentiu-se um herói nacional?

Herói nacional não diria, mas houve uma grande mudança no que diz respeito ao reconhecimento na rua, os pedidos de autógrafos e as fotografias Nesse sentido houve uma mudança drástica, de 200 por cento. Seremos relembrados para sempre.

Termina o Europeu como titular, ao lado de Pepe, mas no arranque da preparação parecia arrancar como quarta opção para o eixo defensivo. Sentia isso?

Não, de todo. Na minha cabeça sempre pensei que queria ser titular. Sabia o trabalho que tinha feito ao longo da época, sabia que tinha cumprido sempre na Seleção, e que o mister confiava no meu trabalho. Sentia que era uma opção. Podia não jogar um jogo, mas a minha hora ia chegar. Nunca me saiu da cabeça que ia ter a minha oportunidade no Euro, e depois era agarrá-la. Foi isso que fiz.

Depois aparece a titular num contexto difícil: primeiro jogo a eliminar (oitavos de final), frente à Croácia, uma das equipas que mais tinha dado nas vistas durante a fase de grupos, e que vinha de uma vitória sobre a Espanha. As pernas tremeram muito nesse dia?

Sem dúvida que foi um momento de muita pressão. Não vou esconder que o coração bateu muito rápido. Nem tanto no jogo, pois ao fim de cinco minutos acalmas, mas durante a tarde....queres dormir, queres descansar, e o coração não deixa. Foi uma situação de pessão, até porque levava três semanas sem jogar. Tentei não complicar, jogar simples, e ajudar a equipa. Conseguimos passar e sem sofrer golos, e isso deu-me grande satisfação. Foi um alívio também, por ter corrido bem e ter cumprido.

Primeiro Mandzukic pela frente, depois Lewandowski e Milik, Gareth Bale e até Robson-Kanu, Giroud e Griezmann na final...qual o jogo mais exigente?

Hummm....Acho que terei de dizer que o Bale foi aquele que me fez sentir que era o mais perigoso. Pela capacidade física, pela força, pelo arranque. Foi o melhor.

O José tem um dos palmarés mais curiosos do futebol mundial, com dois troféus: em 2010 ganhou a Taça EFL (ndr. disputada pelas equipas do terceiro e quarto escalão do futebol inglês), e agora sagra-se campeão europeu com Portugal. Isto é elucidativo do seu trajeto...

Sem dúvida. Basta olhar para os títulos para perceber de onde vim (risos). Não quero tirar mérito a esse primeiro título, pois foi em Wembley, depois de o Southampton ter estado à beira da falência. O clube foi comprado e logo no primeiro ano conseguimos esse troféu. Um dia especial, em Wembley, com 75 mil pessoas nas bancadas. Foi uma experiência bonita, mas é óbvio que não se compara ao expoente máximo que é ganhar um título com a tua seleção. Mas de facto é bem elucidativo daquilo que tem sido a minha carreira.

Mas ainda dá por si a pensar que podia ter atingido este patamar mais cedo, ou sente que chegou lá quando estava, de facto, preparado?

Acredito que estava preparado dois anos antes da estreia. A partir da primeira época na Premier League estava preparado. Mas tudo acontece por uma razão. Ser campeão europeu agora nem é tarde nem é cedo. Foi no momento certo. Mais vale tarde do que nunca. Não tenho problemas em ter entrado tarde à Seleção, mas bem. E ainda a tempo de fazer muita coisa.

E para quem chega à Seleção apenas com 30 anos fica difícil perspetivar um adeus? Faz com que queira jogar pela equipa das quinas até ao final da carreira?

Sem dúvida. Enquanto quiserem contar comigo, vai ser sempre um orgulho e uma honra. Acho que nunca se deve renunciar à Seleção. Ainda há muitas conquistas pela frente. Sinto-me bem fisicamente, que é o mais importante, e se o mister assim entender é com orgulho que vou à Seleção.

Espera que o seu trajeto sirva de inspiração a jogadores que andam em escalões inferiores, e/ou se viram “obrigados” a emigrar, mas que ainda sonham com os grandes palcos?

Tudo é possível no futebol. Acima de tudo é preciso acreditar. É preciso trabalhar, nunca desistir, e ter uma mentalidade forte. É preciso trabalhar mais do que os outros. E acreditar mais do que os outros, também.

 

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