[entrevista originalmente publicada em maio de 2013]

Éder cresceu numa instituição sem deixar esvaecer o sonho do futebol. O avançado do Sp. Braga recorda as traquinices no Lar Girassol, os puxões de orelha, os raspanetes por causa dos vidros partidos. Chegou a ser afastado do futebol por causa das notas. Resistiu a tudo. E venceu.

MF - Nasceu na Guiné-Bissau e foi para Lisboa com três anos. Sentindo uma ligação à Guiné-Bissau, nunca pensou representar essa seleção?

- Vim para cá muito novo e, desde então, estou habituado à cultura portuguesa e sinto-me português. Mas tenho as minhas raízes. Nunca fui lá e é claro que gostaria de visitar o país onde nasci. Porém, foi aqui que cresci e foi aqui que aprendi tudo. Por essa ligação, e por tudo o que o país me deu, optei por representar Portugal.

- O que sentiu quando os seus pais tomaram a decisão de o colocar num colégio? Foi difícil de aceitar?

- Sim, foi difícil de aceitar. Até porque estava habituado a ver os meus colegas a viver com os pais. Depois de um tempinho na instituição, comecei a adaptar-me e vi que era o melhor para mim.

- O que recupera do Lar Girassol, onde esteve desde os oito anos?

- Muita coisa. As brincadeiras com os meus colegas. Ainda tenho muitos amigos que fiz na instituição. As futeboladas que fazíamos... Tenho uma série de boas recordações.

- Deve haver muitos episódios interessantes desse período...

- Há alguns episódios engraçados, sim. Um deles tem a ver com o facto de jogarmos futebol lá no pátio e eu partir muitos vidros. Tive alguns castigos por causa disso. Uns puxões de orelhas, uns raspanetes, ir para cama mais cedo, não ver televisão. Por outro lado, chegaram a tirar-me do futebol por causa das notas e o treinador do Adémia foi ao colégio pedir para eu jogar. Mesmo que eu não treinasse durante a semana, ele ia pedir que eu fosse só ao jogos. Também na altura do Adémia, havia um senhor que tinha um talho, e que por cada golo que eu marcava oferecia-me uma febra. Então, no final da época, fazíamos sempre uma almoçarada com as febras todas.

- Quando visita o Lar Girassol, as crianças reconhecem-no? O que lhes costuma dizer?

- Sim, sim, mesmo os mais miúdos sabem quem eu sou. Agora não tenho tido muito tempo, mas continuo a ir lá. A mensagem que costumo deixar é simples. Digo-lhes que é possível alcançar os nossos objetivos se acreditarmos.

- Como começou a jogar futebol a nível federado?

- Eu jogava na escola, no Instituto Educativo de Souselas, costumava participar nos torneios do desporto escolar e um professor meu viu-me a jogar na escola. Perguntou-me porque é que não ia treinar ao Adémia, onde ele era treinador. Ele fez-me o convite, eu pedi autorização no colégio e foi assim que comecei a jogar.

- Não conseguiu entrar na Académica mais cedo por ser estrangeiro. Pensou desistir? Chegou a parar um ano. O que fez durante esse período?

- Durante esse ano joguei futebol somente com os amigos, por diversão. Foi complicado porque foi no ano da transição de júnior para sénior e muita gente me disse que seria difícil ficar parado durante esse ano. Cheguei a pensar que ia ser complicado, não pensei em desistir, mas sabia que ia ser complicado. Exigiu muita vontade e algum espírito de sacrifício.

- Foi para o Tourizense ganhar 400 euros. O que fez com os primeiros salários?

- Dei parte à minha mãe e, como o dinheiro era necessário no dia-a-dia, gastei-o nas coisas essenciais.

- Já nessa altura tinha esperanças e sentia ter capacidades para voos mais altos?

- Sim, sempre acreditei. Sabia que era difícil, mas acreditava nas minhas capacidades e, com a ajuda dos amigos, consegui chegar onde cheguei.

* Por Pedro Marques