Na noite em que Bruno Alves se tornou o 23º jogador expulso* ao serviço da Seleção Nacional, Fernando Santos viu-se obrigado a cancelar boa parte dos planos que trazia para o segundo particular de preparação para o Euro, o mais exigente dos três. Obrigada a jogar e Wembley, diante de uma sólida Inglaterra, mais de 55 minutos em inferioridade numérica, a equipa nacional teve de adaptar-se às circunstâncias. Abdicou de quase todas as veleidades ofensivas – à exceção de um momento mágico de Quaresma, ainda com 0-0 – e privilegiou a coesão, a organização defensiva e o espírito de sacrifício, argumentos já habituais na fórmula de Fernando Santos, mesmo quando a equipa joga de onze para onze.

Foi, por isso, um jogo atípico, mas ainda assim capaz de deixar questões relevantes, algumas das quais sublinhadas pelo estreante comentador Jorge Jesus, que monopolizou atenções na emissão da TVI.

1- Pouco Moutinho e pouca bola, mesmo com 11 para 11

Ainda antes da entrada imprudente de Bruno Alves deixar Portugal com um a menos, a Inglaterra estava claramente por cima no jogo, como Jorge Jesus sublinhou por volta dos 10 minutos: «A equipa inglesa está a fazer uma pressão muito alta, Rooney não deixa Danilo jogar na fase de construção e a primeira linha de pressão inglesa está a ser perfeita. É preciso jogar mais na largura do campo, para os jogadores ganharem tempo e terem uma segunda linha de passe», dizia.

Mais à frente insistia na ideia: «É importante que os dois jogadores do corredor central (N.R.: Moutinho e Danilo) comecem a ter mais bola. Portugal está mais à procura de jogo para uma transição, mas em termos de pressão ainda não conseguiu encaixar muito bem no posicionamento dos ingleses.» E sem as explosões de Cristiano Ronaldo e a sua capacidade de segurar a bola mais à frente, tornou-se ainda mais gritante o momento de forma precário de João Moutinho, por norma o gerador de ideias do futebol da seleção. Pelo meio, deixava um elogio com algum veneno à mistura acerca da arrumação tática dos ingleses, num 4x4x2 losango, com Rooney nas costas dos avançados: «Nunca pensei que um treinador inglês tivesse criatividade para isto». 

2- Rafa, duplamente sacrificado

Face à ausência de Cristiano Ronaldo, Rafa foi o escolhido por Fernando Santos para formar dupla avançada com Nani. O jogador do Sp. Braga acabou por ser alvo de um duplo sacrifício: primeiro, porque face à escassez de jogo ofensivo não chegou a mostrar-se à vontade nesse papel. Jorge Jesus sentiu-o bem cedo: «Rafa tem características para ocupar qualquer posição na frente, mas hoje vai jogar muitas vezes de costas para a baliza, o que nele não é um hábito». O decorrer dos minutos deu-lhe razão: «Está difícil para Nani e Rafa porque os criadores da seleção portuguesa têm tido pouca bola. Vai continuar a ser difícil para eles, até João Mário, Moutinho ou Adrien poderem soltar-se e serem transportadores de jogo». A expulsão de Bruno Alves acabou por abreviar a noite do jovem criativo ainda antes de estas condições se cumprirem.

O sucedido permitiu, pelo menos reforçar a ideia de que Fernando Santos considera Rafa mais como alternativa móvel na dupla de ataque do que como eventual integrante do quarteto a meio campo - na vaga que nesta altura parece estar a ser discutida entre André Gomes e Adrien. A segunda parte do sacrifício foi precipitada pela entrada a destempo de Bruno Alves: sem conseguir alimentar dois avançados, Portugal abdicou do mais inexperiente para reequilibrar a defesa com a entrada de Fonte.

3- Pepe e Carvalho marcam pontos

Mesmo sem jogar, o central do Real Madrid viu reforçado o seu estatuto em Wembley. Depois de algumas hesitações de Fonte no jogo com a Noruega, a precipitação absoluta de Bruno Alves deixa-o fora do próximo particular e, seguramente, da opção inicial de Fernando Santos para a estreia no Euro. Jorge Jesus teve um desabafo à treinador quando viu Bruno Alves receber ordem de expulsão: «Quando não se tem bola também há técnica. A decisão de Bruno Alves comprometeu a equipa, e as ideias que o treinador queria aplicar para este jogo», frisou.

Nas bocas do mundo pelos seus insólitos mergulhos na final da Liga dos Campeões, Pepe parece destinado a retomar a dupla com Ricardo Carvalho que, diga-se, fez um jogo exemplar, do alto dos seus 38 anos. Jorge Jesus sublinhou a sua passagem para o lado esquerdo da defesa, após a entrada de Fonte, com total naturalidade: «O Ricardo até joga melhor como central pelo lado esquerdo, como joga no Mónaco», frisou, o que também favorece os hábitos de Pepe, que por norma joga pela direita no Real.

4- Danilo ou William?

Depois de William Carvalho ter sido titular com a Noruega, o lugar de médio mais recuado foi desta vez ocupado por Danilo, um dos grandes responsáveis pela solidez defensiva e pelo facto de a boa organização de Portugal não ter baixado depois da expulsão. Jorge Jesus não deixou de elogiar o médio do FC Porto, mas vincando, nas entrelinhas, a sua ideia de que dá poucas soluções ofensivas à equipa: «O jogo está propício para as características dele, para rentabilizar todas as suas qualidades defensivas», afirmou, depois de em várias ocasiões lamentar a escassez de soluções no transporte de jogo e na primeira fase de construção: «Está um jogo muito posicional, a circulação tem pouca dinâmica. Espero que melhore com o tempo».

E num dos últimos lances do jogo, já com William Carvalho em campo, o comentador Jorge Jesus deu lugar ao treinador Jorge Jesus, comentando, de forma bem humorada, uma cabeçada de William Carvalho por cima da trave, após canto, numa das raras situações de golo de que a Seleção dispôs: «O seu jogo aéreo ainda não é muito forte, mas vai ser melhor, ehehe», prometeu entre sorrisos.

5- Quaresma: mais do que um joker

Depois do grande golo marcado à Noruega, Ricardo Quaresma voltou a confirmar um momento de forma exuberante, construindo, após uma boa abertura de Renato Sanches, o melhor e mais perigoso lance ofensivo da Seleção. O extremo do Besiktas, que na era Fernando Santos tem multiplicado assistências e intervenções decisivas, mesmo saindo do banco, tem de ser considerado mais do que um extra. Quando está confiante e motivado, como é o caso, a sua capacidade de desequilibrar, no um para um, acrescenta imprevisibilidade a uma equipa que tem, com primeiro mantra, a solidez e a organização. O trabalho que precedeu o remate em arco, saído a centímetros do poste esquerdo de Hart, pode não chegar para lhe garantir um lugar no onze inicial, mas reforça-o como elemento a ter em conta no desempenho ofensivo da seleção. Um jogador que, nas atuais condições, é capaz de acrescentar sistematicamente qualidade quando sai do banco é um bem precioso para qualquer equipa, como a campanha de apuramento demonstrou. E Jorge Jesus também não foi insensível aquele momento mágico: «Reparem na diferença de qualidade individual. Estamos aqui há 83 minutos à espera de ver os ingleses criarem estas situações», afirmou, com entusiasmo, antes de reforçar: «Rooney foi muito mal aproveitado no jogo de hoje. Os ingleses não são muito criativos, não sabem encontrar soluções táticas quando uma equipa se fecha muito. Só numa bola parada, ou numa segunda bola, de outra forma não há chance», dizia. Pouco depois, a cabeçada de Smalling dava-lhe razão.

*Todas os jogadores expulsos ao serviço da seleção portuguesa

Valdemar (Jugoslávia, 1928), César de Matos (Hungria, 1933), Torres (Inglaterra, 1964), Celso (Dinamarca, 1976), Leal (Itália 1992), Peixe (EUA, 1992), Fernando Couto (Itália, 1993), Rui Barros (Arménia, 1996), Rui Costa (Alemanha 1997), Capucho (Inglaterra 1998), Pauleta (Hungria, 1999), Nuno Gomes (França 2000), Beto e João Pinto (Coreia do Sul, 2002), Costinha e Deco (Holanda 2006), Ricardo Costa (Finlândia, 2006 e Espanha, 2010), Hugo Almeida (Bélgica, 2007) Hélder Postiga (Irl Norte, 2013) Pepe (Alemanha, 2014), André Pinto (Cabo Verde, 2015), Tiago (Arménia, 2015), Bruno Alves (Inglaterra, 2016)