Um golo basta para preservar o ADN português nesta era Fernando Santos. Nova diferença mínima, a marca desta qualificação, para um apuramento histórico da seleção. Portugal nunca tinha garantindo na penúltima jornada a qualificação para uma fase final. João Moutinho fez o check-in antecipado (1-0), em classe económica. à medida de um grupo digno, trabalhador, que faz da união e da humildade as suas maiores armas. 

Sentiremos falta da calculadora e, por estranho que possa parecer, dos play-offs que nos foram correndo de feição. A certa altura, pensou-se que ser português era isso mesmo, sofrer até ao fim, chegar lá em esforço, embarcar à última hora.

Desta vez não. Com um jogo pela frente, na Sérvia, Portugal tem desde já garantida a qualificação para o Campeonato da Europa de 2016.  É o novo apuramento consecutivo da seleção nacional para uma fase final. Registo de grande mérito.

Esta noite, a seleção garantiu a sexta vitória consecutiva no grupo e sempre pela diferença mínima. 0-1 na Dinamarca, 1-0 à Arménia, 2-1 à Sérvia, 2-3 na Arménia, 0-1 na Albânia e, no final de ciclo glorioso, 1-0 na receção à Dinamarca. Sem exuberância, sem reservas na classe executiva. Sem luxos. Sem o melhor Cristiano Ronaldo. Um voo em classe económica rumo a França.

Fernando Santos iguala o melhor registo de sempre na seleção, com as seis vitórias seguidas em jogos oficiais. Apenas Luis Felipe Scolari fez o mesmo.

Cruzar para terra de ninguém

O selecionador mudou cinco jogadores em relação à vitória suada na Albânia (0-1), no último encontro oficial. Cedric e Bruno Alves substituíram os lesionados Vieirinha e Pepe, Fábio Coentrão, João Moutinho e Tiago recuperaram os lugares habituais no onze.

Miguel Veloso, que marcara o golo decisivo em solo albanês, foi um dos sacrificados. Danny, apontado como provável titular, foi outro. Desta forma, o ataque ficou entregue a Bernardo Silva e Nani pelos flancos, com Cristiano Ronaldo a ter liberdade para explorar várias zonas, partindo de posição central.

A Dinamarca, aparentemente descrente, entregou a iniciativa de jogo com naturalidade e ficou à espera. Durante largos minutos, Simon Kjaer e Daniel Agger foram atores principais da película, fazendo valer os seus centímetros para desviar inúmeros cruzamentos para a área dinamarquesa.

Sobrava espaço pelos flancos, bem explorados pelos jogadores portugueses, sem a necessária presença na zona de finalização. Cristiano Ronaldo demorava a entrar no jogo e seria João Moutinho, vindo de trás, a apontar o caminho para França.

Moutinho a desenhar o percurso

Já com meia-hora de jogo, o médio do AS Mónaco disparou de fora da área, ligeiramente por cima. Perto do intervalo, cruzou de pé esquerdo para um cabeceamento de Nani à trave, na única ocasião em que os jogadores portugueses ganharam um lance pelo ar no último reduto nórdico.

A Dinamarca ameaçava respostas em velocidade mas nesse capítulo Portugal cumpria com louvável distinção, recuperando a bola com agressividade positiva e vontade de ser feliz. Bem Danilo Pereira nessa fase do processo. Faltava o resto.

Nada estava garantido e Nicklas Bendtner, o inimigo público da seleção, comprovou isso mesmo no reatamento. Fugiu a Fábio Coentrão com um domínio de peito e rematou ao poste da baliza de Rui Patrício. Nos minutos seguintes, notou-se algum temor na seleção lusa.

O golo para libertar a tensão acumulada

Portugal recompôs-se num ápice, ainda assim, e voltou a aproximar-se da baliza dinamarquesa. Perto da hora de jogo, Kasper Schmeichel fez lembrar o pai Peter com duas intervenções de resposta rápida. Primeiro a remata de Cristiano Ronaldo, logo depois na recarga de Tiago, à queima.

Fernando Santos esperava. Acredita que seria uma questão de tempo até alguém, entre os onze que estavam em campo do lado português, indicar o caminho para França. E seria João Moutinho, que joga na Ligue 1, a assumir esse papel.

Não acredite em obra do acaso. Moutinho já era por essa altura o elemento com maior número de remates. À quarta tentativa, decidiu guardar a bola, sentou vários adversários e atirou em linha reta, uma prova de clarividência e serenidade em momentos decisivo.

O mais difícil estava feito. A Dinamarca procurou responder, é certo, mas na retina ficou a clara perspetiva do 2-0, em lance individual de Bernardo Silva, que naquela iniciativa justificou a alcunha de mini-Messi. A bola passou a centímetros do poste.

Era tempo de festa antecipada, coisa rara neste jeito de ser português. 29.860 adeptos, mais algumas dezenas de almas tugas lá em baixo, iam lançando as bases para uma celebração que se arrastará até meados de 2016. Rui Patrício confirmou o melhor cenário, evitando por duas vezes o empate ao cair do pano. A seleção fará escala na Sérvia e caminho de França.