Fernando Santos deixou a seleção nacional ao fim de oito anos, com uma série de registos que o deixam numa posição única na história da equipa das quinas. O fim do ciclo do primeiro treinador a levar Portugal a dois Campeonatos do Mundo chegou ainda antes de terminar o Mundial 2022, que representou o fim da linha para vários treinadores. É o nono selecionador a abandonar o cargo na sequência da campanha no Qatar.

Uma grande competição representa sempre um marco, o culminar de um projeto desportivo, mas no Mundial do Qatar tem sido particularmente definitiva essa ideia de fim de ciclo para muitos treinadores. Mesmo Didier Deschamps, o campeão do mundo em título que tentará no domingo vencer a competição pela segunda vez como treinador, a terceira em absoluto, não tem ainda definido o futuro pós-Mundial.

Fernando Santos sai depois de ter conseguido o seu segundo melhor resultado numa fase final com Portugal, não incluindo aqui a Liga das Nações, uma competição nova e num formato distinto. Depois da conquista do Campeonato da Europa em 2016, na sua primeira grande competição, ficou pelos oitavos de final no Mundial 2018 e também no Euro 2020. A presença nos quartos de final do Mundial 2022 representa a terceira melhor prestação de Portugal na competição, depois do terceiro lugar em 1966 e do quarto em 2006.

O Mundial tem representado um marco também para o destino dos selecionadores nacionais. Carlos Queiroz e Paulo Bento, os antecessores de Fernando Santos, também saíram depois de um Campeonato do Mundo, eles que por sinal voltaram a estar no Qatar e encerraram agora igualmente os ciclos nas respetivas seleções. Nas passagens de ambos por Portugal, no entanto, a saída não foi imediata. Queiroz esteve suspenso, no meio de um processo disciplinar que se arrastou no tempo, e foi demitido dois meses após o Mundial. Paulo Bento ainda começou a campanha para o Euro 2016, saindo após a derrota com a Albânia. Foi então que chegou Fernando Santos, por sinal depois de também ele ter fechado outro ciclo após o Mundial, como selecionador da Grécia.

Mas o percurso de Fernando Santos pela seleção, alicerçado na conquista do Euro 2016, prolongou-se mais do que a de qualquer dos seus antecessores, englobando pela primeira vez dois Campeonatos do Mundo. O treinador despede-se ao fim de oito anos com uma série de recordes. Foi o único treinador que conquistou títulos maiores com Portugal, desde logo o Euro 2016, mas também a Liga das Nações. É o selecionador com maior longevidade e mais jogos - 109, bem mais do que o segundo na lista, que é Luiz Felipe Scolari, com 74. É o único que levou Portugal às fases finais de quatro grandes competições. E é também aquele que lançou mais novos internacionais, um total de 59.

Dos selecionadores que estão ou estiveram no Qatar, só um está há mais tempo no cargo do que Fernando Santos. É Didier Deschamps, que assumiu a França há 10 anos, em 2012. E que, curiosamente, não tem contrato para lá do Mundial 2022, porque preferiu, em conjunto com a Federação, deixar o tema em aberto para depois do Qatar. Apesar de muita especulação sobre a possibilidade de Zinedine Zidane vir a assumir os Bleus, a continuidade de Deschamps só deverá depender da sua própria vontade, sobretudo se se tornar bicampeão do mundo. Mas o treinador tem alimentado a incerteza, o que levou o próprio presidente francês a pedir-lhe que continue, depois da vitória da França sobre Marrocos na meia-final. «Evidentemente, ele tem de continuar», disse Emmanuel Macron.

Há vários outros selecionadores ainda com o futuro indefinido. Gareth Southgate, depois da eliminação da Inglaterra nos quartos de final, disse que precisava de tempo para pensar sobre o seu futuro. Tal como o dinamarquês Kasper Hjulmand, que teve um voto de confiança da federação após o fiasco no Qatar, mas disse que ainda não decidiu se continuará. Ou Diego Alonso, o treinador que substituiu no Uruguai o histórico Oscar Tabarez, também eliminado na primeira fase. Vários outros treinadores têm ainda pendentes decisões ou conversações sobre o seu futuro, como Gustavo Alfaro (Equador), Gregg Berhalter (EUA), Czeslaw Michniewicz (Polónia), Graham Arnold (Austrália) ou Jalel Kadrid (Tunísia).

Mas outros já fazem parte do passado, entre eles treinadores que lideraram algumas das favoritas no Qatar e que ficaram aquém das expectativas, como Tite, Roberto Martínez ou Luís Enrique. Mas essa não foi a regra. Na Alemanha, o falhanço da eliminação na primeira fase levou à saída de Olivier Bierhoff, o diretor técnico da seleção, mas não do selecionador Hansi Flick, que manteve a confiança da Federação com vista ao Euro 2024, que acontecerá na Alemanha. 

Quanto às saídas, na maior parte dos casos foram os próprios treinadores a anunciar a despedida. As exceções são Luis Enrique e Fernando Santos, cujas saídas foram comunicadas em primeira instância pelas respetivas federações. Só um deles tem já sucessor designado: a Espanha já escolheu novo selecionador. Isto sem contar o caso específico de Van Gaal, cuja saída estava há muito anunciada, como o novo selecionador também escolhido.

Ainda antes de chegar ao fim, o Mundial do Qatar já originou uma série de mudanças nos bancos. Há novos treinadores de topo no mercado e uma mão cheia de cargos apetecíveis em aberto. Para Portugal também começou agora o processo de escolha do selecionador que se segue. A seleção volta a reunir-se em março, com jogos frente a Liechtenstein e Luxemburgo, no arranque da campanha de qualificação para o Euro 2024.

Caso a caso, o Maisfutebol faz o ponto de situação sobre os treinadores que já abandonaram o cargo na sequência do Mundial 2022, além de Fernando Santos.

Tite (Brasil)  

Em final de contrato, o treinador confirmou a saída logo depois da eliminação do Brasil nos quartos de final, frente à Croácia. Tite chegou em 2016 e em seis anos levou o Brasil à conquista de uma Copa América e à final de outra, em 2021, perdida para a Argentina. E caiu duas vezes nos quartos de final do Mundial. O seu sucessor, num debate em que têm surgido muitos nomes, incluindo alguns portugueses, deverá ser conhecido em janeiro.

Luis Enrique (Espanha)

A eliminação-choque frente a Marrocos nos oitavos de final teve consequências imediatas. A Federação espanhola nem deixou espaço a uma decisão de Luis Enrique, que tinha assumido a seleção após o Mundial 2018, conduziu uma renovação da equipa e chegou às meias-finais do Euro 2020. Luis Enrique foi afastado e o sucessor rapidamente nomeado. Luis de La Fuente, que orientava a seleção sub-21, já assumiu o cargo.

Roberto Martinez (Bélgica)

Anunciou a saída logo depois da eliminação na primeira fase, garantindo que a decisão estava tomada antes do Mundial. O espanhol, que assumiu os Diabos Vermelhos em agosto de 2016, saiu após um ciclo de seis anos em que liderou aquela a que chamaram geração de ouro da Bélgica em dois Mundiais e um Europeu. Em 2018 chegou às meias-finais, mas quatro anos mais tarde foi uma equipa envelhecida e desgastada, com conflitos internos, aquela que deixou o Qatar pela porta pequena.

Louis Van Gaal (Países Baixos)

O veterano treinador saiu da reforma no verão de 2021, na sequência da saída de Frank de Boer, assumindo desde logo que seria uma solução a prazo. Despediu-se no Qatar, aos 71 anos, depois da eliminação dos Países Baixos frente à Argentina nos quartos de final. O seu sucessor é Ronald Koeman e foi anunciado logo em abril.

Tata Martino (México)

Eliminado na primeira fase numa terceira jornada dramática, apesar da vitória sobre a Arábia Saudita, o treinador argentino de 60 anos anunciou que o seu contrato terminava naquele momento.  Depois do fracasso do México sob o comando do antigo treinador do Barcelona, que tinha chegado em 2019, ainda não há sucessor para um novo ciclo, em que o México tem o apuramento garantido para o Mundial 2026, como um os anfitriões.

Paulo Bento (Coreia do Sul)

O treinador português anunciou a saída logo depois de terminada a campanha no Mundial, onde levou a Coreia do Sul aos oitavos de final. Paulo Bento disse que a sua decisão estava tomada desde setembro. Após o fim de ciclo do técnico que chegou em 2018 e venceu uma Taça do Leste Asiático em 2019, ainda não foi designado sucessor.

Otto Addo (Gana)

O antigo jogador de dupla nacionalidade germano-ganesa assumiu a seleção de forma interina no início deste ano e levou-a ao Mundial, passando o play-off com a Nigéria. Depois da eliminação na primeira fase no Qatar anunciou que estava de saída para voltar à Alemanha, ele que trabalha como «treinador de talentos» no Borussia Dortmund.

Carlos Queiroz (Irão)

Na segunda passagem pela seleção do Irão, Carlos Queiroz chegou em agosto deste ano e liderou a equipa num contexto muito complicado, no meio dos protestos civis no país e com enorme pressão sobre os jogadores. O Irão caiu na primeira fase e o treinador despediu-se da equipa. Mas curiosamente os responsáveis iranianos não deram a sua saída como garantida. Já depois da eliminação o ministro dos desportos iranianos dizia à Associated Press que o objetivo era «dar condições a Queiroz para preparar a Taça da Ásia».