No dia em que ficou a saber que a sua suspensão será, na prática, reduzida de oito para apenas dois jogos – na Luz com a Sérvia, no próximo domingo, e na Arménia, a 13 de junho – Fernando Santos ficou também com a certeza de todos os seus 24 convocados estão, nesta altura, aptos para o jogo com os sérvios. Duas boas notícias, a sublinhar o arranque de uma operação que, a manter até final esta tendência positiva, pode deixar praticamente desbravado o caminho da seleção rumo à fase final do Europeu 2016.

A decisão do Tribunal Arbitral de Desporto, que reduziu substancialmente o castigo aplicado pela FIFA a Fernando Santos, então no cargo de selecionador da Grécia, foi saudada de forma clara pelos responsáveis federativos, a começar pelo presidente Fernando Gomes. Percebe-se a reação, já que uma eventual confirmação da pena poria em causa toda a estratégia seguida pela FPF no momento em que optou por Fernando Santos para o lugar de Paulo Bento: o afastamento do banco por oito jogos teria implicações para lá da campanha de apuramento, comprometendo o papel do selecionador mesmo na fase final do Europeu, caso o apuramento fosse conseguido.

E por isso, como já tinha admitido anteriormente, Fernando Santos ponderava equacionar toda a sua situação caso os argumentos jurídicos da sua defesa não fossem atendidos pelo tribunal de Zurique.

Com esta redução, a seleção vê-se confrontada com uma baixa de peso, para dois jogos – mas o caso está longe de ser inédito: só nos últimos 21 anos a necessidade de substituir o responsável máximo no banco aconteceu em três ocasiões distintas, e com três selecionadores – Nelo Vingada, Scolari e Carlos Queiroz. Houve resultados para todos os gostos, mas uma certeza: é possível ganhar, e até dar passos de gigante rumo à qualificação, quando o «patrão» está fora do banco. Que o diga Flávio Murtosa...

O efeito Murtosa como bom precedente

Tal como já tinha ficado definido na apresentação de Fernando Santos – que teve sempre presente a inevitabilidade de falhar um, dois ou mais jogos, mesmo com uma significativa redução de pena – Ilídio Vale será o responsável pela seleção portuguesa no banco da Luz, no próximo domingo. O seu objetivo será reeditar, nesse jogo com a Sérvia, e depois em Erevan, em junho, o sucesso de um brasileiro bigodudo e bem disposto, que saltou para a ribalta do futebol português quando o seu chefe, Luiz Felipe Scolari, foi confrontado com uma suspensão de três jogos por parte da UEFA, por tentativa de agressão ao sérvio Dragutinovic, no final de um escaldante... Portugal-Sérvia.


Scolari e Flávio Murtosa: não se deu pela ausência

Murtosa, braço direito de Scolari por mais de duas décadas, foi a opção natural para gerir três jogos de Portugal na campanha de apuramento para o Euro 2008: uma dupla viagem ao Azerbaijão e ao Cazaquistão, em outubro de 2007, e, depois, uma receção à Arménia, em novembro. As três vitórias (2-0, 2-1 e 1-0) não foram especialmente brilhantes, mas os nove pontos somados deixaram o feito trabalho mais difícil antes do regresso de Scolari. Num dos casos, pelo menos, funcionou a estrelinha do adjunto de Scolari, que lançou um estreante ( Makukula) a 25 minutos do final do jogo com o Cazaquistão, para o ver marcar o golo que desbloqueou a vitória, a seis minutos do fim.

A 21 de novembro, no dia em que o «chefe» voltou, Portugal não ganhou: ficou-se por um empate sem golos diante da Finlândia, que chegou para assegurar a presença no Europeu da Suíça e Áustria. Scolari bem pôde agradecer ao seu fiel escudeiro por esse desfecho, que ficou eternizado na memória com a frase inesquecível «e o burro sou eu?!».

Descalabro em 2010

Se as três vitórias em três jogos no caso de Murtosa/Scolari constituem o exemplo feliz de uma substituição perfeita, a situação mais recente tem contornos e resultados bem diferentes: remete-nos para setembro de 2010, quando, no rescaldo de um Campeonato do Mundo de má memória, o selecionador Carlos Queiroz e a FPF entraram em rota de colisão.

O processo disciplinar ao técnico deixou a seleção «órfã» de um líder. Agostinho Oliveira, elemento da equipa técnica de Carlos Queiroz, foi o escolhido para fazer a gestão interina do processo. Primeiro problema: um grupo em desagregação, ainda com marcas da decepção no Mundial, e com alguns elementos chave fora de forma ou ausentes, a começar por Cristiano Ronaldo. Segundo problema: a relação distanciada entre Queiroz e Agostinho Oliveira, que já não se traduzia em debate nem em ideias partilhadas sobre a equipa.



Com a FPF e Queiroz em antagonismo total, não é surpresa que o apuramento para o Europeu de 2012 tenha começado muito mal – um empate caseiro, 4-4, diante de Chipre – e tenha continuado pior ainda, com uma derrota por 1-0 na Noruega. Nos dois jogos Queiroz assistiu de longe, sem disfarçar – bem pelo contrário, dando ao público todos os sinais – que não dispunha de qualquer margem de intervenção naquela equipa.

Nessa ocasião, a escolha de Agostinho Oliveira – que em 2002 tinha assegurado uma transição «suave» entre António Oliveira e Scolari – não chegou para disfarçar as fissuras num grupo que só voltou a unir-se com a chegada de Paulo Bento e um ciclo de cinco vitórias consecutivas no apuramento.

Quando o selecionador Vingada optou pelos sub-21

Se o sucedido com Scolari e Murtosa é um bom antecedente, e se a transição pós-Queiroz foi um exemplo de tudo o que não deve ser feito numa crise, em 1994, houve outro caso, menos presente nas memórias, em que o selecionador principal foi rendido no banco por um adjunto. Mas, neste caso, não houve suspensões, nem registos disciplinares por detrás do processo: foi, simplesmente, uma opção do titular do cargo, que deu preferência aos sub-21, delegando num seu adjunto o comando da seleção principal.

O selecionador em causa, Nelo Vingada, tinha sucedido interinamente a Carlos Queiroz, na sequência do célebre desbafo da «porcaria na FPF», em Milão. Como crédito principal, Vingada tinha o excelente trabalho nas seleções jovens – tal como Ilídio Vale, na atualidade – que tinha expressão máxima na presença dos sub-21 na fase final do Europeu da categoria.

Essa não era uma seleção sub-21 qualquer: tinha por base a geração campeã do Mundo em Lisboa (Figo, João Pinto, Rui Costa, Capucho, Jorge Costa) e era forte candidata à vitória na competição, cuja «final four» se realizava em França. Esse estatuto ficou reforçado com a vitória sobre a Espanha, na meia-final, que lançou Portugal no caminho da decisão, com a Itália.

O golo de Rui Costa à Espanha

Ora, a 20 de abril, dia da final com a «azzurra», em Montpellier, a seleção principal Portugal já tinha aprazado um jogo particular com a Noruega, em Oslo. Vingada, que se tinha estreado em janeiro, com um empate em Vigo, não hesitou: escolheu um membro da sua equipa técnica, Rui Caçador, para orientar o jogo dos «AA», e comandou os sub-21 em Montpellier. Não foi por isso que a seleção A deu má conta do recado: mesmo privada de algumas das suas principais figuras, conseguiu um empate a zero, com um onze experimental, que deu o baptismo a quatro internacionais: Alfredo, Tavares, Rui Jorge e Hélio.


A final de sub-21 em 1994


O pior desse dia estava mesmo reservado para os sub-21, que numa final empolgante, diante da Itália, e depois de algumas ocasiões claras e duas bolas nos postes, acabaram derrotados (1-0) por golo de ouro de Orlandini. Gorada a hipótese do título europeu, Nelo Vingada manteve-se com os sub-21, que na campanha seguinte levou aos Jogos Olímpicos de Atlanta. Na seleção A, para o seu lugar, entrou António Oliveira, sob cujo comando, Portugal chegou ao Europeu de 1996. Uma nova história começava aí.