No final da temporada 1982/83, a Selecção portuguesa estava, como tantas vezes ao longa da sua história, numa encruzilhada. O clima de cooperação entre clubes e Federação deixava muito a desejar.

O estado de graça envolvendo o seleccionador Otto Glória, o homem chamado para pôr o comboio nos eixos, depois da frustrante fase de qualificação para o Mundial-82 tinha acabado: no jogo mais recente, em Abril, Portugal saíra de Moscovo vergado a uma arrasadora goleada (0-5) que parecia hipotecar as possibilidades de apuramento para o Europeu de 1984. Pouco antes, em Fevereiro, tinha sido a França a esmagar-nos em Guimarães (0-3) e mesmo a inesperada vitória sobre a Alemanha, com uma equipa de recurso (1-0, golo de Dito, no Restelo), por demasiado acidental, não contribuíra para tranquilizar as hostes.

Os bons resultados dos clubes (o Benfica acabara de ser finalista vencido da Taça UEFA) não tinham correspondência no rendimento da equipa nacional e para cúmulo, já em final de temporada, um prolongado folhetim acerca do local de realização da final da Taça entre F.C. Porto e Benfica (Antas ou Jamor) fez com que, à data do particular com o Brasil, nenhum jogador dos dois principais clubes de então, além dos sportinguistas Jordão, Manuel Fernandes e Oliveira, estivesse disponível para a convocatória.

Tentando reacender a mística de 66 e a receita milagrosa do Restelo, Otto Glória bem se esforçou por motivar os seus jogadores. Em vão: do outro lado, comandado por um jovem Carlos Alberto Parreira (que regressa agora a Portugal, 20 anos depois, outra vez como seleccionador), o Brasil procurava digerir o desaire do Mundial-82 com uma equipa rejuvenescida.

Apesar das críticas que lhe apontavam excessos defensivos, por contraste com o futebol mágico que era assinatura da equipa de Telé Santana, o Brasil de Parreira era forte, embora menos sedutor. Ao lado de recém-mundialistas como Luizinho (que depois jogou no Sporting), Batista (que passou pelo Belenenses), Sócrates e Éder, o seleccionador lançava uma série de novos talentos ambiciosos como Pita, Edson e o infortunado Careca, um dos melhores pontas-de-lança dos anos 80, que falhara o Mundial de Espanha por lesão.

O jogo não teve história, tamanha a superioridade dos brasileiros. Comandando uma defesa improvisada, Silvino viu-se confrontado inúmeras vezes com avançados de camisola amarela entrando pela sua área em ritmo de passeio. Os 0-4 finais acabaram por ser um bom negócio, tamanha a incapacidade portuguesa para oferecer uma oposição credível.

Depois da segunda goleada consecutiva, o destino de Otto Glória à frente da Selecção ficou traçado. O brasileiro, único não português a assumir o cargo de seleccionador até então - e curiosamente volta a haver um duelo de treinadores brasileiros num Portugal-Brasil -, seria despedido pouco depois.

Para resolver o impasse, a Federação recorreu nesse Verão a uma fórmula política, destinada a procurar o equilíbrio, numa altura em que Porto e Benfica disputavam palmo a palmo a supremacia pelo futebol nacional. Uma Comissão Técnica, formada por Fernando Cabrita, António Morais e Toni, tomou em mãos o destino da equipa, para a recta final da qualificação para o Europeu de França. Por incrível que pareça, a coisa resultou: três meses depois, a goleada sobre a Finlândia (5-0) reacendeu a chama da esperança, prolongada pela vitória de Outubro sobre a Polónia (1-0, golo de Carlos Manuel, em Wroclaw), e confirmada em Novembro, com a tal vitória sobre a URSS na Luz (do penalty sobre Chalana e do remate certeiro de Jordão).

Portugal voltava enfim aos grandes palcos, depois de a goleada com o Brasil ter marcado um amargo, mas frutífero, virar de página na era-Otto Glória. Dos catorze jogadores utilizados nesse particular, nem um só viria a estar nos 20 convocados para o Campeonato da Europa.

Ficha do jogo

8 de Junho de 1983

Estádio Municipal de Coimbra

Árbitro: Mário Luís (Portugal)

PORTUGAL: Silvino; Coelho (Gregório Freixo), Oliveira, Dito e Mário Jorge; Festas (Laureta), Ademar, Palhares (Nunes); Lito, Reinaldo e Vítor Santos.

Seleccionador: Otto Glória.

BRASIL: Leão; Betão (Edson), Márcio, Luizinho e Pedrinho; Batista, Sócrates, Pita (Jorginho) e Carlos Alberto Borges; Careca e Éder.

Seleccionador: Carlos Alberto Parreira.

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