França. Nenhum outro adversário traz recordações mais dolorosas a Portugal. Três confrontos oficiais, três meias-finais de grandes competições, três eliminações: Euro 1984, Euro 2000 e Mundial 2006. Mas também há boas memórias. E para o confronto de sábado, no arranque da era Fernando Santos e num jogo sem valor competitivo, Portugal conta com vários jogadores que já conseguiram vitórias importantes frente aos gauleses, com a camisola das seleções nacionais.

Aconteceu, mais recentemente, no play-off que colocou Portugal na fase final do Europeu de sub-21 de 2004, em França, e na vitória nas meia-finais do Campeonato do Mundo de sub-20 em 2011, na Colômbia. Por sinal, restam na atual seleção nacional bem mais jogadores daquele França-Portugal de 2003.

Bruno Alves, Tiago, Ricardo Quaresma e Cristiano Ronaldo estavam em campo em Clermont-Ferrand naquele jogo decisivo de 18 de novembro de 2003. Ainda estava também Danny, que ficou no banco. A seleção tinha perdido a primeira mão, em Guimarães, por 2-1. Jogava a decisão em terreno adversário. E venceu, por 2-1. O jogo ficou famoso pelo que se passou depois.

«Foi quando partimos o balneário todo.» Acompanhado de um sorriso, este é o primeiro comentário de Mário Sérgio, então lateral-direito da seleção sub-21, quando o Maisfutebol lhe recorda essa partida.

Foi e já lá vamos. Antes disso o jogo, uma vitória a contrariar expectativas. O primeiro sinal de que Portugal podia dar a volta ao play-off aconteceu quando Cristiano Ronaldo marcou, aos 28 minutos. Mas o golo de Djibril Cissé, aos 41 minutos, voltou a complicar as contas. E em cima do intervalo aconteceu o lance que condicionou o resto da partida: a expulsão de Cissé.

Mário Sérgio foi protagonista desse momento. «Foi um lance na linha, uma dividida. Entrei com tudo, como se costuma dizer, ele deve ter ficado nervoso e tentou agredir-me. O árbitro expulsou-o», recorda o agora jogador do APOEL, no Chipre, admitindo que essa decisão condicionou o resto do jogo: «Acho que sim, o Cissé era o jogador mais importante da França, naquela altura desequilibrava, era um jogador fora de série. Jogámos a segunda parte em vantagem numérica e conseguimos ganhar.»

Um golo de Bruno Alves aos 74 minutos reequilibrou a eliminatória. E depois, nas grandes penalidades, Portugal levou a melhor. Cristiano Ronaldo marcou o penálti decisivo, um dos jogadores franceses que falhou foi Evra. O único que resta, 11 anos depois, na convocatória de Deschamps para o confronto de sábado com Portugal.

Recorde aqui como foi esse França-Portugal de 2003 

Festa imensa para Portugal. Desmedida, que o diga o balneário da equipa visitante de Clermont-Ferrand. Mário Sérgio não tem meias palavras para descrever o que aconteceu. «O que se passou é que nós, os jogadores, sentimos uma grande falta de respeito por parte da França. Eles pensavam que o jogo ia ser fácil, sentimos que estavam a desprezar-nos. Conseguimos ganhar o jogo, dando tudo o que tínhamos e o que não tínhamos. Depois do objetivo cumprido, não digo que foi boa ideia, mas acabámos por partir o balneário. Não devia ter acontecido, mas no meio da euforia aconteceu.»

Não tem grande qualidade, mas esta é a imagem divulgada na altura, a mostrar o estado em que ficou o teto do balneário francês.



O caso deu muito que falar, com reações indignadas a partir de França. O selecionador gaulês, Raymond Domenech, usou a expressão «selvagens» em relação aos jogadores portugueses e chegou a dizer que foram encontradas seringas no balneário, insinuando ligação entre uma coisa e outra. Em Portugal, o presidente da Federação usou o termo «garotada» para classificar o que se passou, enquanto José Romão, o selecionador sub-21, dizia que foram excessos de «rapazes do campo».

A Federação foi multada em 6500 euros e condenada a pagar os estragos no balneário. Madaíl chegou a dizer que seriam os jogadores a pagar. Mário Sérgio sorri: «Não me lembro de ter pago nada. Não me recordo, mas acho que ninguém pagou.»

Na fase final do Europeu Portugal chegou à meia-final, e ainda conseguiu o apuramento para os Jogos Olímpicos de 2004. Era uma equipa forte, com muitos jogadores que se mantiveram até agora na órbita da seleção. «Além daqueles que estão na atual convocatória de Fernando Santos havia ainda o Raul Meireles, o Postiga», lembra Mário Sérgio.

Mário Sérgio nunca chegou à seleção AA. Agora, passados todos estes anos, analisa a sua evolução de forma fria. «Quando fui para o Sporting (em 2003) as coisas não me correram bem. Como eu também outros jogadores não seguiram na seleção. Mas é o futebol.»

De 2011, apenas Cédric

O que nos faz avançar no tempo, para 2011. Para chegar à final do Campeonato do Mundo sub-20, Portugal deixou pelo caminho a França. Uma vitória por 2-0, com golos de Danilo e Nélson Oliveira. O avançado do Benfica é o único de todos os jogadores dessa equipa que já representou a seleção AA. Na convocatória de Fernando Santos está agora o sportinguista Cédric, que fez parte da equipa vice-campeã do mundo na Colômbia, com a possibilidade de se estrear nesta dupla jornada com a França e Dinamarca.

Mário Sérgio diz que é difícil encontrar explicações para que a geração da Colômbia sinta tantas dificuldades em chegar ao mais alto nível. «Não sei. Essa seleção, pelo que fez no Mundial, tinha valor. Mas na seleção AA mantêm-se muitos jogadores mais antigos. Não é fácil chegar à seleção AA.»

Uma curiosidade. Entre os atuais convocados de Didier Deschamps também há apenas um jogador dessa equipa de sub-20: Antoine Griezmann.

Como espantar um fantasma?

Voltando à França. Se nas seleções mais jovens Portugal já quebrou o enguiço, nos AA a conversa é outra. Portugal defrontou a França por 22 vezes. Venceu cinco, perdeu 16 e empatou um. A última vitória aconteceu há mais de 39 anos. A 26 de abril de 1975, num jogo particular no Parque dos Príncipes que Portugal venceu por 2-0, com golos de Nené e Marinho. 

Os únicos três jogos oficiais neste historial representam três dos momentos mais marcantes de sempre do futebol português. Primeiro a meia-final perdida no Euro 1984, frente a Platini e companhia (2-3). Depois a meia-final do Euro 2000, quando a épica caminhada de Portugal terminou naquele dia 28 de junho no penálti assinalado por mão de Abel Xavier e convertido por Zidane (1-2). Por fim, a meia-final do Campeonato do Mundo de 2006. 5 de julho de 2006 na Arena Munique, foi também um penálti de Zidane a decidir (1-0).

Uma sequência destas acaba ou não por condicionar os jogadores? Aquele adversário torna-se um fantasma? «Não digo que seja um fantasma, mas a gente pensa nisso: «Aí vêm estes outra vez...», admite Mário Sérgio. Mas também há o outro lado da moeda, acrescenta: «Este tipo de jogo também é uma oportunidade para ganhar e tentar mudar a história.»

O confronto de sábado no Stade de France, não sendo oficial, tem o peso adicional de ser o primeiro de uma nova era na seleção, nota ainda Mário Sérgio: «Nesta fase da seleção é importante fazer um bom jogo e ganhar.»

Mário Sérgio segue à distância o que se passa em Portugal. Aos 33 anos, depois de ter jogado no Paços Ferreira, Sporting, Vitória Guimarães e Naval, ele está há sete anos fora de Portugal, primeiro na Ucrânia, agora a cumprir a terceira época no Chipre. Se tivesse de fazer um balanço era positivo. E há sempre novos objetivo para atingir, diz, ele que acaba de cumprir um sonho: jogar na Liga dos Campeões.

O APOEL calhou no grupo de Barcelona, PSG e Ajax. Na primeira jornada jogou em Camp Nou e perdeu por 1-0. Na segunda empatou a um golo frente aos holandeses, sempre com Mário Sérgio nas opções. «Não tivemos sorte com o grupo que nos calhou. Mas acho que deixámos uma boa imagem em Barcelona. Toda a gente achava que íamos sair de lá com um saco, como se costuma dizer», nota, antes de uma reflexão em jeito de balanço.

«É evidente que gostava de ter jogado na seleção principal, não foi possível, mas acho que já consegui algumas coisas. Estive no Europeu sub-21, nos Jogos Olímpicos, e a nível de clubes consegui aquilo que queria muito, jogar na Liga dos Campeões. Era o que me faltava.»