Portugal-Chile é uma história em três atos, terá o quarto nesta quarta-feira em Kazan, na meia-final da Taça das Confederações. Começou há quase um século - foi frente ao Chile o primeiro jogo oficial da seleção, nos Jogos Olímpicos de 1928 - e seguiu com um duelo na épica campanha portuguesa na Minicopa do Brasil, em 1972, uma vitória por 4-1 na caminhada da seleção até à final. Com muitas memórias e também de Mourinho Félix. Foi nesse torneio no Brasil a primeira e única internacionalização do então guarda-redes e depois treinador, pai de José Mourinho, que faleceu neste domingo.

É Toni quem puxa o filme 45 anos atrás para recordar com o Maisfutebol aquele verão brasileiro. «Não se pode fazer comparação com a Taça das Confederações, só por ter sido um pouco fora de horas. Foi um mês que andámos por ali. Começámos por jogar com o Equador, Chile, Irão e Irlanda. Qualificámo-nos e juntámo-nos a três equipas já apuradas, Argentina, Uruguai e União Soviética. E chegámos à final com o Brasil.»

O Brasil comemorava os 150 anos da independência e organizou um torneio ambicioso, que aliás se chamou formalmente Taça Independência. com 20 seleções convidadas e jogos em 12 cidades. Portugal estava entre elas, numa seleção orientada por José Augusto, que levou 20 jogadores ao Brasil: José Henrique, Damas, Mourinho Félix, Artur, Humberto Coelho, Messias, Murça, Laranjeira, Adolfo, Jaime Graça, Toni, Matine, Peres, Chico, Abel, Nené, Eusébio, Artur Jorge, Dinis e Jordão. Só havia mais duas equipas europeias, França e Irlanda, e havia duas seleções continentais, um combinado de África e um da Concacaf. A competição teve um primeira fase dividida em três grupos, a que se seguiu uma segunda fase com dois grupos, depois a final. Durou um mês.

Seis anos depois do Mundial 66 e no tempo em que falhar a presença em fases finais era a normalidade para Portugal, a Minicopa começou por não gerar grande expectativa por cá, recorda o antigo jogador. Mas Portugal foi ganhando, e ganhando, e foi chamando a atenção. «Portugal não tinha ido ao Europeu de 1968, ao Mundial de 1970, ao Europeu de 1972. E não havia o mediatismo de hoje. Em Portugal alguns jornais nem fizeram o acompanhamento daquilo, mas depois com o desenrolar da prova as coisas mudaram. Acho que o jogo da final acabou por dar na televisão.»

Portugal entrou a ganhar ao Equador (3-0), depois venceu o Irão (3-0). Seguia-se o jogo com o Chile, no Estádio do Arruda, no Recife. Uma equipa com estatuto: «Estávamos em 1972, 10 anos depois do Mundial do Chile (que chegou à meia-final, perdida para o Brasil). Já tinhamos tido um grande representante do Chile entre nós, o Fernando Riera. Não o tive como treinador no Benfica, ele saiu um ano antes de eu chegar, mas era um treinador já bastante conceituado. O Chile era uma seleção forte.»

Portugal venceu tranquilamente, no entanto. E para Toni foi especial, antes de mais, por um motivo: «Com o Chile joguei a defesa-esquerdo. Era o José Augusto o selecionador, não me lembro se o Adolfo estava lesionado.» E foi a partir do lado esquerdo que fez duas assistências, para o primeiro e o terceiro golos, marcados por Humberto Coelho e Eusébio. «Eu, não sendo um esquerdino, tal como o Adolfo, dava profundidade ao lado esquerdo. Progredia muito, por isso é que faço essas duas assistências. Tinha grande capacidade física e aparecia balanceado. Foi o único jogo que fiz a lateral-esquerdo, os outros fiz sempre no meio-campo. Nem sei se fiz todo o jogo a lateral-esquerdo.»

Alguns momentos desse Portugal-Chile

Mourinho Félix, a estreia e o «homem bom»

Esta era uma seleção já bem diferente daquela que tinha chegado longe na década anterior. «Portugal tinha vivido uma década de ouro, com a seleção em 1966 e os títulos europeus do Benfica e do Sporting. Já havia ali uma renovação, havia já gente nova», observa Toni. E tinha apenas dois jogadores que não representavam os grandes. Um deles era Peres, da Académica, o outro Mourinho Félix. Então no Belenenses, o guarda-redes começou no V. Setúbal, esteve mais de uma década no Bonfim antes de rumar ao Restelo. Tinha 34 anos na altura, mas foi chamado por José Augusto para aquele mês no Brasil.

«Foi um prémio de carreira. Para alguém que não jogava num dos grandes não era fácil ter esse acesso à seleção», conta Toni, a salientar o que essa presença na seleção diz sobre a qualidade de Mourinho Félix.

O pai de José Mourinho viveu no jogo a seguir ao Chile, frente à Irlanda, a sua estreia na seleção. Foram apenas nove minutos, entrou aos 81m para render José Henrique. Toni recorda o «momento de extrema felicidade» do então companheiro: «Um momento que marca as nossas vidas.» O almanaque da seleção nacional, de Rui Tovar, recorda um episódio curioso desse jogo, que dá a medida da alegria de Mourinho: «O guarda-redes belenense telefonou à mulher mal chegou ao hotel para lhe contar as peripécias de atuar escassos nove minutos com a camisola das quinas ao peito.»

Toni já conhecia Mourinho Félix. Aliás, outra curiosidade: «O primeiro jogo que eu fiz no Campeonato Nacional foi pela Académica contra o V. Setúbal e era guarda-redes o Mourinho.»

Mas daquela Minicopa ficou para Toni uma relação de profundo respeito com Mourinho Félix: «Fomo-nos cruzando, vivemos juntos esse mês e tal, esse tempo dá para criar laços que perduram. Todos viam o profissional, um guarda-redes que tinha excelentes condições para o lugar. E depois há a faceta que é sempre menos visível, a pessoa. Já o disse mais tarde e em conversa com o José Mourinho falei sobre o homem que era o pai dele, e a admiração que tinham por ele.»

«Era aquilo a que se chamava um homem bom. Quando alguém morre há sempre a tentação de cobrir a pessoa com adjetivos elogiosos. Mas estamos a falar de alguém de grande personalidade, com um sentido humanista muito forte», continua Toni, a recordar não só o guarda-redes mas também o treinador com quase duas décadas de carreira que orientou clubes como o Rio Ave, Belenenses, U. Madeira, Varzim e, claro, o seu Vitória de Setúbal: «É só ver as passagens dele pelos clubes que treinou e a forma como as pessoas falam dele com respeito. Era amigo do seu amigo, granjeou grande respeito e admiração. É desse tipo de pessoas que o futebol precisa, e quando as perde fica mais pobre.»

180 mil no Maracanã  a Minicopa como consolo para uma geração

Voltando à Minicopa, o jogo com a Irlanda marcou o fim da primeira fase. Portugal seguiu em frente, e só parou na final, perdida para o Brasil por 1-0. «A seguir veio a Argentina, foi a primeira vez que ganhámos à Argentina (3-1). Depois empatámos com o Uruguai (1-1) e fomos ganhar 1-0 à União Soviética em Belo Horizonte. Depois a final. Estavam 180 mil no Maracanã. Perto do fim houve um livre do Gerso e o Jairzinho acabou por finalizar.»

Cá está ele, a memória de Toni não falha

E aqui o jogo da final

A Minicopa foi uma espécie de consolação para aquela geração. «A Minicopa foi para a época algo que teve algum impacto. Hoje provavelmente teria mais mediatismo. Para nós foi a satisfação de ter feito uma excelente competição. Foi um prémio de consolação para uma geração que não esteve presente em fases finais.»

Portugal tinha qualidade, mas falhou apuramentos sucessivos entre 1966 e 1984. O que se explica de várias formas, diz Toni. A primeira das quais, defende, o facto de ser então muito mais difícil lá chegar. «Naquele tempo o Europeu tinha oito equipas e o Mundial 16. Nessa década de 1970 Portugal falhava sempre porque só se apurava o primeiro de cada grupo. Não havia play-off, se houvesse talvez tivesse sido diferente. Era uma década com um lote de jogadores de qualidade. Mas nós normalmente estávamos no Pote C, apanhávamos sempre um grande, e depois havia as equipas de Leste que eram fortíssimas na altura, não é como hoje. Há esse fator e vários outros, que têm também a ver com a organização da federação, por exemplo.»

Agora Portugal não só é presença regular em fases finais como é o campeão europeu em título. O que nos leva de novo à atualidade e ao jogo de quarta-feira com o Chile, que decidirá quem passa à final da Taça das Confederações.

E agora, o que espera Portugal

Portugal é agora de topo, nota Toni, e isso traz outras circunstâncias. «Com o Cristiano Ronaldo já havia respeito pela seleção portuguesa. Mas com o título de campeão da Europa e o Cristiano Ronaldo o estatuto de Portugal está no patamar mais elevado. Isso pesa muito na motivação dos nosso adversários quando nos defrontam», observa o treinador, constatando que, por outro lado, esse estatuto também tem pesado a favor de Portugal: «Mesmo nalguns jogos onde não atingimos grande nível exibicional, existe confiança.»

Agora a prova entra na fase mais exigente, continua Toni: «Até agora o adversário mais difícil foi o México. Fez-se uma seleção natural. Ficam os mais fortes, Portugal, Chile, Alemanha e México. O Chile é uma equipa forte, bem organizada, tem três ou quatro individualidades que fazem a diferença, o Alexis Sanchez, o Arturo Vidal, o Vargas, há ali muita qualidade. Portugal tem que estar ao melhor nível para poder passar. Agora as dificuldades aumentam. Mas elas não nos retiram confiança.»

Fernando Santos tem algumas questões em aberto para resolver, nomeadamente a ausência de Pep, castigado, bem como as dúvidas sobre Raphael Guerreiro e Bernardo Silva, além de Cédric, que esteve limitado mas já voltou aos treinos. Toni analisa as possibilidades: «A equipa do meio-campo para a frente está bem. O Pepe teve aquele momento, era uma dupla que estava a entender-se muito bem. Num jogo como este com a Nova Zelândia é que ele faz aquele pecadilho. Nas laterais, se não jogar o Cédric joga o Nélson Semedo. O Cédric está talvez no seu melhor momento, mas há também confiança num jovem que está a crescer. O Raphael Guerreiro é uma pena se não jogar, embora o Eliseu cumpra. Do meio-campo para a frente acho que vão voltar William e Adrien. Ainda há a questão do Bernardo Silva, se recuperar acho que joga ele, mais o André Gomes na esquerda para equilibrar, depois André Silva e Ronaldo.»

A história está do lado de Portugal, que nunca perdeu com o Chile em três confrontos. O primeiro foi o tal de 1928, o 16º jogo da história da seleção e o primeiro oficial, uma vitória por 4-2 em Amesterdão com Portugal a chegar aos quartos de final desses Jogos Olímpicos. O segundo nesta Minicopa e o terceiro num particular em Leiria em abril de 2011, com Paulo Bento no banco. Terminou 1-1, Varela marcou por Portugal e Matias Fernandéz apontou o golo do Chile.