A História de Um Jogo é uma rubrica semanal do Maisfutebol. Escolhemos um dos encontros do fim-de-semana e partimos em busca de histórias e heróis de campeonatos passados. Todas as quinta-feiras.

Abril já tinha acontecido, mas era tão jovem que o povo ainda precisava de sair à rua. E isso tanto era válido para Lisboa, Porto ou Viseu, como o era em Paris.  A 26 de abril de 1975, um ano depois da revolução, a seleção nacional encontrava-se na terra da Liberdade, Igualdade e Fraternidade para defrontar a congénere gaulesa. Tal como em abril de 1974, os portugueses vieram para a rua. Mas desta vez, entraram num estádio e «despediram» a França do mítico Stade de Colombes.

Toni vai recordar-nos como nesse dia tudo foi perfeito, mas para já, fiquemos com os golos no vídeo abaixo. E aquele povão todo lá atrás. Ligue o som e ao mesmo tempo que Nené e Marinho marcam, veja lá se não lhe vem um arrepio de Eder pela espinha abaixo.

O jogo tem uma larga história e Toni, do Benfica – vamos chamá-lo assim porque é assim que todos o reconhecem – vai dar-nos uma ideia dela. Mas há uma história antes da história, que afinal torna este jogo de 1975 tão especial, que até pôs o LEquipe a escrever em português.

Comecemos pelo estádio, epicentro deste episódio.

O Parc des Princes era glamour, era a Paris das luzes e da moda. Colombes, em 1975, era a Paris suburbana e operária. E dos emigrantes.

Um era novo, «renascido» há pouquíssimos anos. O outro estava a cair aos bocados. Vinha lá um amigável com Portugal em futebol. Inconveniente para o ilustre Parc, que iria receber a final da Taça dos Campeões Europeus nesse ano, a final da Taça de França e, igualmente relevantes, jogos de râguebi da seleção gaulesa.

O Parc não podia ser tocado, a sua relva teria de permanecer mais verde que o próprio verde. O jogo mudou-se para Colombes… 

«Em 1975 recordo-me bem, íamos a caminho da Checoslováquia para um jogo de qualificação para o Europeu e parámos em Paris. O senhor Pedroto era o treinador.»

A memória não falha a Toni, ele que recorda que já tinha jogado em Colombes, depois de em 1969 lá ter vivido uma experiência com o Benfica frente ao Ajax: o jogo detém o recorde oficioso de assistência do recinto. E não é por causa dos holandeses…

Voltemos a esse França-Portugal, de 1975. No mítico Stade de Colombes, onde Eusébio marcou o último golo com a camisola do Benfica e onde Toni crê, com a voz a sorrir pelo telefone, que «95 por cento do público era pessoal emigrante» nesse duelo com a França. Podia não ser tanto...parecia ser tanto.

Uma pausa, agora. Até porque os gauleses viviam num estado de ansiedade futebolística nesse período.

Desde 1959 que não tinham uma equipa na final da Taça dos Campeões Europeus. Neste ano de 1975, tudo se decidirá no glamouroso Parc des Princes, e o St. Étienne une a França como a seleção não faz. A três dias do embate com Portugal, os Verts são eliminados nas meias-finais frente ao Bayern Munique para deceção nacional.

É nesse espírito que o mítico Stefan Kovacs, sucessor de Rinus Michels no Ajax e por estes dias selecionador de França, deixa os jogadores do St. Étienne de fora da convocatória para o jogo com Portugal.

O L'Equipe lança o jogo e titula: «FRANÇA E PORTUGAL NAS MESMAS CONDIÇÕES»  

A seleção portuguesa tem direito a foto na primeira página, mas o que surpreende é o editorial do diário: escrito em francês e português, logo ali à vista na capa do jornal. «Benvindos», escrevia-se no L'Equipe, para se perceber que, nas letras pequenas, já se antevia uma «festa portuguesa» devido à romaria a Colombes.

A questão é que essa festa seria para as bancadas e nunca para o campo. Toni explica então o que se passou.

«Jogámos com dois jogadores muito rápidos na frente: Nené do Benfica e Marinho, do Sporting. Na baliza estava o Damas, lembro-me».

A França podia não ser a grande potência que é hoje. Mas Portugal também não o era e tinha de planear a visita a Praga, depois de um início de qualificação para o Euro 76 promissor, com um nulo em Inglaterra.

«Do ponto de vista tático estivemos impecáveis e explorámos aquilo que era o nosso ponto forte, que era aquilo a que hoje se chama de transições ofensivas», fala Toni, que resume os 90 minutos assim: «Jogámos em contra-ataque, e acabámos por destruir os franceses!»

Toni lembra o onze e insiste que nesse dia, Portugal «defendeu mesmo muito bem» para depois recordar: «O Samuel Fraguito tinha muita qualidade técnica. O Alves era grandíssimo jogador, eu e o Otávio para a época éramos um bom meio-campo. Fizemos um jogo perfeito! Explorando Nené e Marinho.»

As equipas desse dia. Imagem do site da FPF

Assim, com um golo de Nené após uma oferta do guardião contrário e um de Marinho, Portugal despediu a França de Colombes. A seleção gaulesa nunca mais lá jogou futebol e a última recordação coletiva que de lá tem é a de um estádio repleto de portugueses em festa. Palco de 83 jogos da seleção, de Jogos Olímpicos, o equivalente a Saint-Denis em grande parte do século XX, Colombes nunca mais viu os bleus.

Os portugueses de França, nesse dia, meteram-se num estádio para uma jornada de alegria. Mas a seleção também não se ficaria a rir por muito tempo.

«De alguma forma, o treinador da Checoslováquia observou a nossa equipa e o que fez? Matou-nos a fonte que municiava o ataque, ordenou uma pressão forte sobre o meio-campo e lá não nos conseguimos impor», recorda Toni.

Portugal perdeu por 5-0 em Praga e a festa emigrante em Colombes, celebrando o primeiro ano da Revolução dos Cravos, uma semana depois já ficara distante. Tão distante que se esperou 41 anos para os portugueses voltarem a ser verdadeiramente felizes num estádio francês.