Pode ser apenas uma coincidência, mas não deixa de ser curioso: os três últimos selecionadores saíram da Federação num claro ambiente de mal-estar com Cristiano Ronaldo.

Claro que as relações tendem a deteriorar-se perante maus resultados, e nos três casos há a sublinhar participações em Mundiais que ficaram aquém do que era esperado, mas mesmo assim, é invulgar que no passado recente tenha havido desentendimentos com o capitão.

Há no entanto uma diferença do que aconteceu com Carlos Queiroz e Paulo Bento, relativamente ao caso Fernando Santos. Carlos Queiroz e Paulo Bento não saíram logo após o regresso a Portugal, ficaram para o início da fase seguinte de apuramento para o Europeu, e Cristiano Ronaldo não esteve nesses jogos: em ambos os casos alegou problemas físicos.

Os dois selecionadores acabaram por sair após esses primeiros jogos, nos dois casos ainda em setembro, e com a substituição no cargo de treinador deu-se o regresso de Ronaldo à seleção.

Já Fernando Santos não foi demitido: chegou a acordo para a rescisão de contrato e saiu a bem da Federação. Antes de se iniciar uma nova fase de apuramento. Mesmo assim é indesmentível que os últimos tempos da relação com Ronaldo foram tumultuosos.

CARLOS QUEIROZ: «Assim não, Carlos»

A boa relação com Cristiano Ronaldo, nessa altura o melhor jogador do mundo em título, foi uma das razões que pesou a favor de Carlos Queiroz na altura de escolher o substituto de Luiz Felipe Scolari no comando técnico da Seleção Nacional. 

O então adjunto de Alex Ferguson no Manchester United tinha sido uma espécie de mentor para o extremo ao longo de vários anos: adotou-o como menino dele, ajudou-o a crescer, influenciou até a perceção de Alex Ferguson. 

«Vamos fazer um acordo. Tu nasceste para ser o melhor jogador do mundo. Se estiveres disposto a trabalhar para seres o melhor do mundo, estou disposto a trabalhar contigo. Há um preço a pagar na vida quando se quer ter sucesso. Vai para casa, pensa e amanhã conversamos e começamos um novo dia de trabalho», disse-lhe um dia Carlos Queiroz, após um treino menos feliz em Manchester, segundo o próprio revelou em entrevista ao El País.

Ora por isso nada levava a acreditar que a relação acabasse como acabou. Durante o Mundial 2010, na África do Sul, Carlos Queiroz foi sempre defendendo Ronaldo, numa altura em que o português atravessava uma crise de golos: acabou a competição com apenas um golo.

No entanto, as escolhas do selecionador nem sempre agradaram ao capitão, que durante o Mundial foi mostrando sinais de desagrado com o futebol de Portugal. Até que no jogo da eliminação, frente à Espanha, nos oitavos de final, e já depois do adversário fazer o 1-0, não aceitou a troca de Hugo Almeida por Danny. «Assim não ganhamos, Carlos», atirou.

Tinha razão, Portugal não ganhou mesmo. No final da partida, à passagem pela zona mista, foi questionado sobre as explicações para a eliminação. «Fala com o Carlos Queiroz», disse.

No início do apuramento para o Euro 2012, ainda com Queiroz no cargo de selecionador, mas fora do banco por estar castigado, Ronaldo foi convocado inicialmente, mas não participou no empate em casa com o Chipre e na derrota na Dinamarca devido a uma lesão no último jogo antes da paragem para as seleções: foi substituído na convocatória por Quaresma.

Após esses dois jogos, Carlos Queiroz foi demitido, Paulo Bento foi contratado e Ronaldo voltou. Mas nunca mais trocou uma palavra com o antigo mentor. Nem sequer o cumprimentou quando os dois se cruzaram no Portugal-Irão do Mundial 2018.

PAULO BENTO: «Numa hierarquia isso era virá-la do avesso»

O início da relação de Cristiano Ronaldo com Paulo Bento foi perfeita. O treinador encontrou uma forma de rentabilizar as características do avançado do Real Madrid, Ronaldo correspondeu com golos e marcou por exemplo três vezes no Euro 2012, sendo fundamental para levar a Seleção Nacional até às meias-finais da competição.

No apuramento para o Mundial 2014, voltou a ser tremendo. Sobretudo naquela vitória épica em Solna, no play-off de apuramento, com os três golos que valeram o triunfo fora de casa sobre a Suécia de Ibrahimovic. Ronaldo carregou Portugal às costas até ao Brasil.

O Mundial 2014 foi, no entanto, muito infeliz. 

Portugal foi eliminado logo na primeira fase, num grupo que tinha Alemanha, Estados Unidos e Gana, e Cristiano Ronaldo deixou o Brasil outra vez com apenas um golo marcado.

Tal como tinha acontecido em 2010, o relacionamento do capitão com o selecionador saiu também muito desgastada. As escolhas de Paulo Bento estavam no olho do furacão, sobretudo porque se exigia uma renovação que o selecionador tardava em fazer. Para além disso, Ronaldo não aceitava ser o ponta de lança: queria jogar como no Real Madrid, a partir de uma ala com liberdade para surgir nas zonas de finalização.

«Nunca pensei por Ronaldo como único ponta-de-lança desde o início. Não acho que seja o melhor para o rendimento dele ou da Seleção. Mas nem foi preciso ele dizer-me isso.»

Certo é que no primeiro jogo após o Mundial, no início da fase de apuramento para o Euro 2016, Cristiano Ronaldo voltou a não ser opção. Portugal perdeu em casa com a Albânia. 

Ronaldo, esse, jogou no fim de semana antes da paragem para as seleções e começou a treinar com bola dois dias após o jogo com a Albânia. Ancelotti garantiu que o português não tinha nenhuma lesão, apenas queixas físicas, o que aumentou a especulação em torno da ausência.

Após a derrota com a Albânia, Paulo Bento foi demitido e respondeu a uma pergunta sobre se acreditava que Ronaldo tinha influenciado a decisão da Federação em despedi-lo.

«Se me pergunta se houve alguma situação diretamente comigo, digo-lhe que não. Se confrontou os dirigentes é uma situação em que não quero acreditar. Invertiam-se os papéis, e numa hierarquia isso era virá-la do avesso. Não seria bom para mim, para o jogador ou para a direção. Não faz sentido que um jogador, qualquer um e por mais talentoso que seja, possa influenciar a decisão da direção de um clube ou de uma federação», respondeu.

«Quando se perde é normalmente quando conheço melhor as pessoas. Quando se ganha vamos embalados na onda da euforia e da satisfação. Não esperava mais nem menos de Ronaldo. Tive um prazer enorme em treinar a Seleção, e Ronaldo de tempos a tempos.»

FERNANDO SANTOS: «Está com uma pressa em tirar-me...»

Durante anos, foi uma relação cor de rosa. As declarações de amor eram mútuas e o namoro parecia mais sólida do que rocha. Sobretudo depois da conquista do Euro 2016, Cristiano Ronaldo não se cansava de elogiar Fernando Santos e a capacidade do treinador em acreditar.

Vale a pena lembrar, por exemplo, a palestra no balneário do Stade de France, logo após a conquista do título de campeão europeu. Ou o discurso após vencer o The Best no final desse ano, quando Fernando Santos estava também nomeado para melhor treinador do ano... mas não venceu. «Gostava que tivesse ganhado, mas fica para a próxima, mister», atirou-lhe.

Já Fernando Santos em cada conferência de imprensa, em cada entrevista, repetia a mesma ideia, uma, e outra, e outra vez: Cristiano Ronaldo era o melhor jogador do mundo e era o único que tinha lugar assegurado no onze (e batia na madeira para que nada lhe acontecesse).

Até que chegou o Mundial 2022 e a decisão de que a seleção também podia jogar sem Ronaldo. Por isso o selecionador substituiu-o uma vez, duas e à terceira o capitão explodiu. 

«Está com uma pressa do c... para me tirar, f...», disse o jogador ainda no relvado, antes de lhe juntar mais alguns sinais de insatisfação já sentado no banco.

Fernando Santos não gostou nada do que viu mais tarde na televisão, não gostou mesmo nada, e Cristiano Ronaldo nunca mais foi titular. O mal-estar tornou-se então evidente, ainda que Ronaldo se esforçasse por tentar disfarçá-lo, em nome de um bem comum.

Até que com a eliminação frente a Marrocos, o capitão desabou num pranto, passou por Fernando Santos que lhe de uma pancadinha nas costas e só parou no balneário.

As críticas, essas foram verbalizadas pela namorada.

«Hoje o teu amigo e treinador decidiu mal. Esse amigo para o qual tens tantas palavras de admiração e respeito. O mesmo que, ao colocar-te em campo, viu como tudo mudou, mas era tarde. Não se pode subestimar o melhor jogador do Mundo, a sua arma mais poderosa. Muito menos se deve dar a cara por quem não o merece. A vida dá-te lições. Hoje não perdemos, aprendemos. Admiramos-te, Cristiano», escreveu Georgina Rodriguez nas redes sociais.