Houve uma altura em que as histórias mais divertidas começavam sempre com «um português, um francês e um inglês entram num bar».

Por exemplo.

Um português, um francês e um inglês entram num bar e pedem uma cerveja. Todas elas trazem uma mosca dentro. O francês chama o empregado e pede outra cerveja. O inglês tira a mosca e bebe. O português tira a mosca, aperta-lhe o pescoço e grita: Cospe já isso. Cospe!

Sim, é verdade, os tempos mudaram e um português, um francês e um inglês já não nos divertem como antigamente. O que não significa que não continue a haver muito boas histórias quando três pessoas se juntam. Num bar ou num Campeonato Europeu de futsal.

Vale a pena olhar, a esse propósito, para Inês Fernandes, Inês Matos e Carla Vanessa.

As três encontram-se nesta altura em Debrecen, na Hungria, integradas na seleção feminina de futsal que procura um inédito título europeu. Nas duas últimas participações alcançaram sempre o segundo lugar, após serem derrotadas pela Espanha na final. No último ano, aliás, só perderam a final nos penáltis e por isso as três sonham com chegar mais longe agora.

O futsal vive dentro delas como uma paixão e por isso fazem trinta por uma linha para continuar a jogar. Nenhuma é profissional, como a esmagadora maioria da seleção, aliás, pelo que é preciso muito ginástica física, mental e familiar para alimentar este amor tão grande.

Ora por isso, quando esta sexta-feira entrarem em campo, a partir das 15 horas, para defrontar a Espanha, em jogo das meias-finais que é no fundo uma final antecipada, é impossível não estar a torcer por estas mulheres. Gente que nos ensina todos os dias o que é gostar de futsal.

Inês Fernandes, 33 anos, Benfica, médica

A capitã do Benfica é uma das jogadoras que divide o futsal com a medicina. Médica intensivista no Hospital Santa Maria, em Lisboa, partilha o balneário com uma oftalmologista (Cátia Morgado) e uma radiologista (Pisko), por exemplo.

«Se todos os sacrifícios para conciliar a medicina e o futsal valem a pena? Esse pensamento passa sempre pela cabeça, sobretudo no fim das épocas. Vale a pena para mim manter este investimento físico, mental e temporal? Mas a verdade é que fisicamente existe um teto e a partir de uma certa idade já não temos o mesmo rendimento», confessa.

«Vou conseguir ser médica por mais 40 anos, mas o futsal está a acabar. Por isso a prioridade agora é ser atleta. Quero conquistar esta coisa que desejo muito, há muito tempo: o Europeu.»

Ora para o fazer, Inês Fernandes pediu uma licença sabática e em dezembro deixou a medicina. O contrato de trabalho terminou e optou por não o renovar, de forma a focar-se totalmente na preparação para o Europeu. A partir de abril volta a focar-se na medicina e em ser médica.

«É preciso ter muita disciplina, mas sobretudo é muito importante recuperar física e mentalmente. Tenho de fazer a fragmentação do meu tempo: as horas de hospital têm de ser totalmente dedicadas ao hospital, estar focada apenas nisso, e os momentos de futsal têm de ser dedicados a pensar no futsal. O importante é ter rendimento nos dois sítios», explica.

«A medicina é exigente, temos muita vida de enfermaria, com turnos, com horários muito matinais. Mas o facto de entrar muito cedo ou muito tarde acaba por me dar tempo ao longo do dia. Tenho de aproveitar o descanso, para não estar cansada no futsal nem no hospital.»

Inês Fernandes alerta por isso para a necessidade de se ser muito rigorosa na vida que se faz, por não há espaço para ter menos disponibilidade mental no hospital: a responsabilidade do trabalho não o permite. A alternativa é planear bem o tempo e respeitar os vários períodos.

«O trabalho por turnos é outra dificuldade, porque me obriga a pedir trocas aos colegas, o que por vezes é chato. Mas nisso nunca houve problema, tenho muita sorte com os colegas que encontrei e eles sempre facilitaram. No verão e em alturas escolares tenho de ser eu a chegar-me à frente para compensar as facilidades que eles me dão noutras alturas do ano.»

Inês Matos, 23 anos, Benfica, advogada

Inês Matos vai jogar o primeiro Europeu de futsal, mas em compensação é a única que sabe o que é ganhar uma grande competição internacional: a atleta do Benfica fez parte da seleção que no ano passado venceu o Mundial Universitário de futsal feminino.

Entretanto terminou o curso e encontra-se a estagiar na sociedade CA Advogados. Como a esmagadora maioria dos colegas, é uma profissional liberal, o que lhe dá certas regalias.

«A partir do momento em que soube da convocatória da Seleção Nacional para o Europeu decidi que ia concentrar-me apenas no futsal. Falei com o meu patrono, ele foi muito compreensivo e conseguiu arranjar alguém para me substituir», conta a jovem.

«Habituei-me desde nova a ter rigor e disciplina, também porque joguei sempre futsal enquanto estudava. Por isso consigo conciliar as duas coisas e obter rendimento dos dois lados.»

Aliás, enquanto estudava, e para além do futsal e do sempre exigente curso de Direito, Inês Matos ainda encontrou tempo para ser tesoureira na European Law Students Association.

Com o fim do curso e o início do trabalho no escritório, Inês Matos percebeu que tinha de organizar muito bem o tempo para conseguir estar em todo o lado.

«A maior parte do trabalho de advogada é feito em backoffice. As audiências ocupam pouco tempo, a elaboração de peças processuais é que me ocupam muitas horas, muitos dias, e esse trabalho eu consigo fazê-lo também muito em casa, fora do horário de escritório.»

Enquanto prepara a estreia no Europeu feminino, Inês Matos lembra que só há três atletas na seleção nacional que são totalmente profissionais (a guarda-redes Ana Catarina, a ala Janice Silva e a universal Fifó, todas do Benfica), esperando que esta situação mude em breve.

«O futsal está a ir no carrinho do que é o futebol feminino. Vai demorar mais algum tempo a ter aquele boost que o futebol feminino teve, mas o meu desejo é que todas as atletas das gerações futuras possam ser profissionais de futsal e não tenham de se dividir em duas.»

Carla Vanessa, 32 anos, Nun'Álvares, fiel de armazém

Carla Vanessa foi durante muitos anos costureira numa empresa têxtil. A atleta de 32 anos não gostava por passar demasiado tempo sentada. Queria algo mais dinâmico, mais enérgico. Por isso pediu aos chefes para mudar de função assim que fosse possível.

A resposta chegou agora e Carla Vanessa abandonou a máquina de costura para se tornar fiel de armazém: basicamente ela é funcionária que recebe as encomendas, organiza as matérias-primas e trata da logística dentro do armazém de componentes têxteis para automóveis.

Só os horários é que não mudaram.

«Levanto-me todos os dias às cinco da manhã, vou para o armazém e saio às 14 horas. Depois aproveito para descansar, vou ao ginásio e treino à noite. Geralmente chego a casa por volta da meia-noite ou meia-noite e pouco, para no dia seguir voltar a acordar às cinco», conta.

«Pedi para mudar na empresa para que o rendimento como atleta fosse melhor. Agora estou mais ativa, exijo mais do meu físico, mas tenho estabilidade, estou contente, estou tranquila.»

Carla Vanessa vive e trabalha em Famalicão, mas joga em Fafe, casa do Nun’Álvares. Uma distância de quase 50 quilómetros e meia-hora de viagem, que a jogadora cumpre duas vezes por dia há praticamente dois anos. Já não a assustam, portanto.

«Não é muito fácil e acaba por ser um grande sacrifício que tenho de fazer para continuar a jogar. Faço isto diariamente e há dias que são mais difíceis. Até porque como trabalho muito cedo e treino à noite, tenho de me adaptar e fazer a melhor gestão dos tempos livres. Por isso aproveito sempre para descansar à tarde, depois de sair da empresa.»

Carla Vanessa já foi profissional de futsal, quando teve uma proposta de Itália, mas diz que as coisas não correram bem. O salário não compensava estar longe de casa, das pessoas que mais amava, e para além disso nem sempre chegava: às vezes pagavam, outras vezes não.

Por isso preferiu voltar para Portugal e para a roda-viva que é a vida dela, sempre a correr de um lado para o outro, mas com a cabeça limpa. Começou a jogar aos dez anos e ainda não tem planos para parar. O futsal é o que a faz feliz e agora vem aí a melhor parte: o Europeu.

Como não torcer por estas mulheres?