Domingo, em Vigo, cai o pano sobre uma história irrepetível: Sergio Busquets faz o último jogo de blaugrana e com ele leva o que resta do grande Barça de Guardiola.

Provavelmente a equipa mais entusiasmante da história do futebol.

Aos 34 anos, não muito distante dos 35, o médio defensivo coloca assim o ponto final numa história de quinze anos, que começou mais cedo do que toda a gente imagina.

Filho do antigo guarda-redes Carlos Busquets, que foi colega de Figo e acabou por ser afastado da baliza do Barcelona por Vítor Baía – precisamente quando Bobby Robson e Mourinho chegaram à Catalunha –, Sergio praticamente cresceu em Camp Nou.

O pai, por exemplo, costumava levá-lo aos sábados para os treinos do Dream Team de Johan Cruijff, quando Sergio Busquets ainda era uma criança: aos quatro, cinco, seis anos. O miúdo ficava a ver os jogadores treinar e no fim recebia com um sorriso o carinho dos mais velhos.

«Adorava aquilo. Adorava ficar ali na borda do campo a ver os jogadores treinar, imaginava-me como se fosse um deles. Gostava muito do Figo e um dia ele até me ofereceu uma camisola autografada. Mas depois isso passou. Ele foi para o Real Madrid e chateou-me. Também gostava do Sergi, porque tinha um nome parecido com o meu e no final dos treinos vinha sempre brincar comigo, chutar uma bolas.»

O pai, Carlos Busquets, lembra de resto um miúdo calmo, que não fazia asneiras e nunca teve de ser colocado de castigo. Um miúdo, ainda, moldado pelos princípios da mãe, que o educava a ele e ao irmão com códigos nobres e regras claras.

«Era uma criança que amava o futebol e que só queria jogar. Se pudesse, jogava o dia todo. Mas sabia que tinha de estudar, caso contrário não havia futebol para ninguém. A mãe era muito clara sobre isso. Felizmente para ele nunca foi mau aluno.»

No fundo, Busquets foi aquilo que já começa a faltar no futebol atual: um jogador de rua, daqueles que só sabia pensar em correr atrás de uma bola o tempo todo.

O próprio admite, aliás, que isso só mudou quando casou e viu nascer os dois filhos.

«A família muda a maneira como entendemos as coisas. Antes eu vivia 18 horas por dia para o futebol, só quando estava a dormir é que não pensava no jogo», referiu. 

«Agora chego a casa e tenho outras coisas em que pensar, outras preocupações. Uma pessoa fica mais esclarecida, leva as coisas de forma mais leve e vive mais relaxado.»

Cresceu em Camp Nou e fez um treino à experiência com idade juvenil... mas foi reprovado

Natural de Sabadell, na Catalunha, cresceu em Badía del Valdés, a pequena localidade, a vinte quilómetros de Barcelona, que era a terra natal do pai. O que acabou por ser uma vantagem, claro. Em Barcelona a infância teria sido diferente. Começou a jogar precisamente no clube da vila, tal como tinha feito o pai em criança.

Quando tinha idade de benjamim e Carlos Busquets defendia a baliza da equipa principal, decidiu ir fazer um teste para se tornar jogador do Barcelona.

Foi reprovado e enviado de volta para casa.

Apesar de ter começado a frequentar Camp Nou muito novo, havendo até fotografias dele ainda bebé com o pai no relvado, o sonho de vestir de blaugrana não foi fácil de cumprir, portanto. O miúdo regressou a Badía del Valdés, onde continuou a jogar com os amigos. Mais tarde passou pelo Unión Barberá, Lleida e pelo Jàbac de Terrassa.

Foi no Terrassa que um treinador das camadas jovens do Barça o viu e o levou para o clube. Busquets tinha 16 anos e já apresentava as características que mais tarde convenceram Guardiola: inteligência, capacidade posicional, facilidade na leitura do jogo e simplicidade de processos. O médio terminou então a formação em La Masia.

Até que, quando tinha 19 anos, aconteceu algo que foi determinante nesta história: Guardiola assumiu o comando técnico do Barcelona B. O treinador olhou para Busquets e percebeu que era aquilo que precisava. Tal como Cruijff, duas décadas antes, tinha olhado para o pai dele e percebido que era aquilo que precisava.

Curiosamente, os dois treinadores deixaram-se convencer pela mesma virtude: a qualidade dos miúdos – Carlos, em 1986, e Sergio, em 2007 – a jogar com os pés.

O pai encantou Cruijff com a qualidade de passe, o filho fez o mesmo com Guardiola

O que nos obriga a fazer um parêntesis para recordar que Johan Cruijff conheceu Carlos Busquets quando foi ver um treino da equipa de juniores do Barcelona orientada pelo amigo Carlos Rexach.

Logo nessa altura, perguntou quem era aquele o guarda-redes que dava toques sem deixar cair a bola e jogava com os pés com enorme desenvoltura. Rexach explicou-lhe que era um guarda-redes que costumava jogar como avançado no clube da terra, quando ainda era infantil no Badía del Valdés.

Dois anos depois, em 1988, Cruijff foi contratado pelo Barcelona e quis saber do tal miúdo de nome Carlos Busquets. Disseram-lhe que estava na equipa B e o neerlandês começou a chamá-lo aos treinos da equipa principal. Em 1990, depois da FIFA proibir os guarda-redes de agarrar com a mão um atraso de um colega, na sequência dos exageros do Mundial de Itália, Cruijff sentiu que era a altura de lançar o miúdo.

O pai Busquets sabia jogar com os pés, tinha visão de jogo e somava-lhe qualidade de passe. Nunca foi consensual entre os adeptos - também porque insistia em jogar com aquelas inestéticas calças de fato de treino, numa época em que começava a aparecer a elegância de Vítor Baía, Jorge Campos ou Schmeichel - mas o treinador defendeu-o sempre. Anos depois, o filho herdou essas características e o neerlandês voltou a derreter-se.

«Posicionalmente, parece um veterano. Com bola. faz o que é difícil parecer fácil: circulação a um ou dois toques. Sem bola, dá uma lição: está sempre no lugar certo para intercetar e só corre para ganhar posição. E tudo isso sendo jovem e inexperiente, tal como o seu treinador», escreveu Cruijff após a estreia de Sergio Busquets.

A comparação com Guardiola, de resto, não terá sido inocente. Sergio Busquets era dentro de campo um pouco o que tinha sido Pep no Dream Team de Johan Cruijff, embora com um pouco mais de capacidade física e melhor a recuperar bolas.

Mas tudo o mais, estava lá: a visão de jogo, a facilidade de passe, o posicionamento, a capacidade de equilibrar a equipa. Busquets veio revolucionar a posição de médio defensivo, numa altura em que o futebol se enchia de jogadores fisicamente potentes, duros e batalhadores. Tal como Guardiola, lá está, tinha feito duas décadas antes.

«A posse de bola é uma das minhas obsessões, porque pela posição em que jogo, se perco uma bola estou a criar um problema à equipa. Por isso não posso perder bolas, porque estou aqui para dar soluções», confessou uma vez Sergio Busquets ao El País. 

«O meu trabalho é oferecer soluções à equipa, é para isso que jogo. Já na vida social sou igual, acho que é algo que cresceu comigo. Tento impor um sentido coletivo nas coisas. São coisas que se aprendem em casa desde muito jovem.»

Tornou-se um craque em fato de anti-herói, que tinha duas Champions... e zero redes sociais

Por isso, por causa dessa inteligência e dessa capacidade de ser um jogador de equipa, Busquets tornou-se a pedra base que suportou o estilo de futebol do Barcelona: um estilo muito próprio, que desde Cruijff depende em larga medida do médio defensivo.

Apesar disso, apesar dessa importância que colegas, adversários e treinadores sempre lhe reconheceram, Sergio Busquets nunca esteve na corrida pelos grandes prémios.

Ganhou três Champions, três Mundiais de Clubes e três Supertaças de Espanha. Foi oito vezes campeão espanhol e venceu sete Taças do Rei. Ainda conquistou um Mundial e um Europeu pela seleção. Mas ao contrário de Messi, Iniesta ou Xavi, por exemplo, nunca esteve na corrida a uma Bola de Ouro.

Porquê? Porque Busquets é o anti-herói.

Um homem discreto, que não gosta de dar entrevistas, detesta falar em público e vive para o futebol e para a família. Já tinha, aliás, duas Champions no currículo e ainda não tinha redes sociais. Entretanto já aderiu, é verdade, mas resistiu até ser possível.

«No mundo em que vivemos, não ter facebook, twitter é estranho, admito, mas não me sinto confortável a ter redes sociais e não preciso disso para ser feliz. Não sou melhor nem pior que ninguém, sou apenas diferente.»

E foi assim, diferente como ele é, que escreveu história em Barcelona. Não precisou de ser mediático para o fazer, aliás. Afinal de contas, nunca se afirmou pelos seguidores no Instagram, pelos carros na garagem ou pelos prémios no currículo.

É um jogador de equipa, um maestro. O maestro silencioso. No domingo apresenta a última ópera no Barcelona, e já estamos com saudades.