«Tens no balneário um rapaz novo e vais ter de juntá-lo ao grupo, para que a integração seja fácil. O rapaz veio de Vila Real, é um craque que estivemos a observar.» Este foi discurso de Aurélio Pereira, responsável pela formação do Sporting, para Filipe Cândido, capitão da equipa de iniciados. O miúdo que precisava de ser integrado era nada mais do que Simão Sabrosa. Ao Maisfutebol o avançado recorda as histórias vividas no antigo Estádio de Alvalade. O primeiro dia de Simão no Sporting, contado por quem o viveu de perto.
«Depois de o senhor Aurélio ter falado comigo entrei no balneário e procurei pelo rapaz novo. Olhei, voltei a olhar e vejo o Simãozinho, tímido e aflito. Chamou-me à atenção o cabelo que ele usava, comprido e muito encaracolado. Apresentei-me e disse-lhe para se sentir à vontade», recorda Filipe Cândido entre sorrisos.
A imagem franzina do miúdo de caracóis em nada se assemelhava com a de craque, mas mal tocou na bola Simão demonstrou que não era em vão que tinha trocado a casa dos pais pelo Lar do Sporting. «Naquela altura os jogadores que formavam a equipa estavam há muitos anos no clube. Cada vez que chegava alguém pensávamos: será que é melhor do que nós? No primeiro treino, mal o Simão tocou na bola, pensámos: temos aqui uma fera nova. Ele era rapidíssimo e tinha um talento incrível. Tinha qualquer coisa diferente. A forma como recebia a bola, como a passava¿ Lembro-me de um treino de finalização fantástico. Provou que tinha grande valor, embora para ter sucesso dependamos de uma série de factores.»
As recordações dos tempos em que ambos tinham 13 anos estão bem vincadas na memória de Filipe Cândido. Acompanhou Simão em todo o percurso que este fez na formação. Jogaram juntos até aos 17 anos, altura em que o avançado se transferiu para os escalões de formação do Real Madrid e Simão foi promovido à equipa sénior. As histórias são mais que muitas. Todas levam Filipe a soltar um sorriso espontâneo: «Acabei por fazer uma amizade muito boa com ele, ao ponto de andarmos sempre juntos e de ele ir a minha casa, em Alvalade, festejar aniversários. Lembro-me uma vez de ter ido passar três dias ao Lar do Sporting onde dormi no quarto com ele. Fizemos porcaria típica de miúdos daquela idade.»
«Era traquinas e com uma personalidade de grande liderança»
O primeiro ano de iniciados foi de adaptação para o menino de caracóis, que sempre foi vaidoso. Depois começou a dar nas vistas. «Lembro-me de um jogo com o Benfica onde ele entrou e revolucionou. Fez um cruzamento para eu marcar. A partir daí fizemos sempre dupla. Houve outro jogo, no velho Estádio da Luz, que ganhámos por 4-1, onde ele fez dois golos e uma assistência. Na estreia nos seniores entrou e fez um golo. Na selecção entrou e marcou. Para além da personalidade forte que sempre o caracterizou, teve sempre a estrelinha do seu lado.»
Simão chegou a Alvalade como adepto do F.C. Porto, mas saiu sportinguista, garante o amigo de infância: «Ele tinha um carinho especial pelo F.C. Porto, sem nunca o demonstrar, mas ficou a adorar o Sporting.»
Filipe Cândido joga actualmente no AOK, na Grécia, e perdeu o contacto com Simão. Mas para sempre se irá recordar do «miúdo traquinas, irreverente, com uma personalidade muito vincada, de grande liderança». Quando assiste pela televisão às exibições de Simão com a camisola do Benfica não tem a menor dúvida de que em campo está o miúdo que recebeu de braços abertos: «A forma como actua, como lidera a equipa¿ Ele anda com o Benfica às costas e já em miúdo era assim. Ele nunca ficava nervoso. Queria era sempre ganhar.»