É provável que exista pouca gente com vontade de discutir o óbvio: Jorge Jesus é o principal responsável pelo que o Benfica tem conseguido esta temporada. Porque é o treinador, sim, mas sobretudo porque foi sujeito a desafios duros que superou. Enumero alguns.

1. O caso Cardozo. Pouco importa o tamanho do sapo que engoliu, a verdade é que conseguiu participar na solução.

2. A época passada . A tolerância de que dispunha era zero. Se isto fosse um filme de Hollywood, Jesus seria aquele personagem que dispõe apenas de uma bola e um revólver duvidoso para aniquilar o bad guy que mantém refém a donzela.

3. Mau início. Para os mais distraídos, o Benfica começou a perder na Madeira e chegou a estar a cinco pontos do FC Porto. Foi naquela altura em que qualquer equipa fazia golos de bola parada aos «encarnados».

4. A Liga dos Campeões. Apesar de ter feito dez pontos, o Benfica caiu da Champions às mãos do Olympiakos. O que não faz sentido.

5. Ele próprio. Para os ainda mais distraídos, esta foi a temporada em que Jorge Jesus se envolveu com a polícia em Guimarães e foi castigado. A mesma temporada em que foi figura central de um episódio vergonhoso em Londres, durante o jogo com o Tottenham. De resto, ainda na quarta-feira vimos imagens de Jesus a dirigir-se de forma inqualificável a Jardel. E a ser expulso por isso. Não raro, Jesus é o seu principal adversário.

A verdade é que de uma forma ou de outra, estes desafios foram superados e Jesus foi capaz de levar o Benfica a uma final, duas meias-finais e muito provavelmente o título.
Com indiscutível mérito.

O que mudou então de uma época para a outra? Duas coisas, mas ambas muito relevantes: Jesus de facto aprendeu com os erros e o Benfica ofereceu-lhe um plantel mais equilibrado. O treinador gerir o grupo de forma diferente, mas também o fez porque passou a ter mais opções.

Na época passada o Benfica deixou fugir o campeonato por uma razão principal: esgotamento dos jogadores do meio-campo, Matic e Enzo Pérez. Isto aconteceu porque Jesus passou a achar que André Almeida era lateral e André Gomes um bom jogador para Norton de Matos utilizar no Benfica B. E também porque as outras «soluções» eram Aimar, Carlos Martins e Roderick. O argentino nunca contou. O internacional português foi expulso frente ao Estoril quando mais precisavam dele. O jovem Roderick é, até prova em contrário, defesa central. Por embirração do treinador, um recurso vital como Ruben Amorim estava em Braga.

Esta época, o Benfica utilizou naquele lugar Matic, melhor jogador da Liga em 2012/13, e Enzo. Ambos são excelentes, nenhuma dúvida. Mas além deles andam por ali alguns
Manéis. Fejsa, experiente internacional sérvio. Ruben Amorim, um dos mais evoluídos médios portugueses. Além de André Gomes e André Almeida, um ano mais velhos, embora não muito mais rodados.

Jorge Jesus teve o inegável mérito de aprender com os erros da época anterior e contou com o FC Porto mais frágil dos últimos largos anos, como ficou demonstrado outra vez, na Luz, esta quarta-feira. Além disso, arrumou relativamente cedo as ideias, com Markovic e Gaitan (Jesus acabou a época passada com um avançado e Gaitan nas costas, a 10...) nas alas e dois avançados muito móveis. Contou ainda com a melhor época de Luisão, mais dois laterais de qualidade (Siqueira e Sílvio, embora Jesus também seja o treinador que admite ter no plantel alguém como Cortez) e foi capaz de tomar uma decisão sempre delicada: mexer no guarda-redes titular.

O treinador do Benfica merece, pois, muitos elogios, embora isso não permita que se ignore o que de resto está à vista: há aspetos em que Jesus ainda precisa de crescer. E depressa. Pode parecer estranho, até pela idade e experiência que tem, mas parece-me inegável que se trata de alguém que necessita de formação. O que não tem mal nenhum.

A uns dias da festa e com o rival de sempre mergulhado em problemas, esta é uma oportunidade, rara nas últimas décadas, para Luís Filipe Vieira atenuar a imagem de perdedor e questionar o domínio do FC Porto durante a sua presidência.

Da última vez que houve festa do título na Luz, Jesus e o Benfica deslumbraram-se e abriram caminho para a espantosa temporada de Villas-Boas. Se realmente pensam em mudar de ciclo, os dois principais responsáveis do clube vão ter de demonstrar que aprenderam mesmo essa lição. O FC Porto costuma saber levantar-se e o Sporting está de volta, com dinheiro da Champions, um bom treinador e um modelo consolidado, além de uma estrutura de custos mais leve.