Divirto-me a assinalar sintomas futebolísticos que deixam os meus amigos de nervos em franja, de pêlo eriçado. Por exemplo, é raro as equipas que mostram a intenção de construir desde trás terem sossego. Não há igualdade de direitos entre essas e aquelas que privilegiam o jogo directo, como se as primeiras fossem equipas e as segundas fossem equipas de bem.

Eu sinto que sempre que um guarda-redes procura linha de passe para um defesa-central e um defesa-central cogita na hipótese de ligar com um médio, se activam monitorizações automáticas, de forma a registar minuciosamente o desenrolar da jogada. Caso corra mal, aplica-se o devido açoitamento, cuja intensidade é directamente proporcional à zona de pressão do adversário e/ou à qualidade individual dos jogadores monitorizados, ou seja, verificam-se mais açoites se o oponente pressionar alto e se o talento dos monitorizados for inferior ao de Mats Hummels. Os mentores destas penitências alegam que ou se nasce no berço de La Masia ou se nasce condenado a praticar tiro ao pombo ao invés de futebol. O Saliba do Saint-Étienne, o Gvardiol do Dínamo Zagreb, o Tomás Araújo do Gil Vicente, o Scholotterbeck do Friburgo, o Bastoni da Atalanta ou o Koundé do Bordéus são, para eles, bandidagem a viver à margem das leis. 

Eles não dizem que não se pode ter essa ideia, dizem é que açoitam quem a tenha.

Já vi certos adultos a partilharem vídeos de erros dos sub-13 do Angrense na sua fase de construção, enquanto escrevem que o Guardiola veio matar o futebol. Se esta não é uma organização mais cuidadosa do que a igreja católica, estará lá perto.

Felizmente, há quem faça ouvidos mocos a este ‘futebol pela verdade’. Felizmente, andam para aí bandidos que, mesmo depois de terem sido eliminados pelo Varzim na 3.ª eliminatória da Taça de Portugal, de insistirem na convicção de que Ricardo Esgaio apresenta virtudes suficientes para disputar jogos da Liga dos Campeões e de, também por isso, falharem a passagem da fase-de-grupos, depois de verem escapar entre os dedos o seu troféu predilecto, a Taça da Liga, diante de um rival directo, e mesmo depois de, em Janeiro, não lhes restar ínfima esperança de conquistar o campeonato, a 12 largos pontos do primeiro classificado, ainda têm coragem. Ruben Amorim, seu bandido.

A saída de Feddal para a entrada de St. Juste - não se tratou de uma troca directa, mas permite a Gonçalo Inácio ocupar posições preferenciais na linha defensiva, fixando-se como central da esquerda ou do meio - foi, quiçá, o maior sinal de Ruben Amorim face à intenção de aprimorar o seu modelo de jogo. Começou na defesa a indicar-nos que queria chegar ao ataque em melhores condições. Diria que até podia ter começado no guarda-redes, já que Adán me parece curto, num contexto em que necessite de se fazer valer do controlo da profundidade e do jogo de pés.

St. Juste traz competência no 1x1 defensivo, passando Amorim a poder contar com as características do central neerlandês, caso evolua no sentido de optar por um hxh atrás, abdicando dos princípios zonais da última linha em organização defensiva; Ao nível da velocidade, St. Juste é rapidíssimo, tendo facilidade em ir buscar adversários nas costas, em compensar mais facilmente erros dos colegas, em ajustar os seus maus posicionamentos e em embalar de trás para a frente quando envolvido no ataque; Também aporta argumentos positivos nos esquemas tácticos ofensivos e defensivos; Com bola, não só demonstra variabilidade no passe (curto/longo), como sabe conduzir, de forma a fugir à pressão contrária e fixando adversários, gerando espaços para a sua equipa. No fundo, St. Juste cumpre todos os requisitos para entrar na lista negra. Quer dizer, na lista, não esteja alguma criancinha a ler esta crónica e veja comprometida a sua evolução humana para sempre ao ler o termo lista negra. Agora, só lhe falta cometer dois ou três erros comprometedores em fase de construção para que veja todos os elogios que hoje lhe são dirigidos fazerem ricochete na simpatia generalizada.

Eles até gostam de atravessar uma poça de água, o pior é molhar a bainha das calças.

Frente ao Arsenal, alguns dos melhores ataques do Sporting começaram em iniciativas de St. Juste e Gonçalo Inácio.