A partir de agora, é mesmo contagem decrescente: faltam 100 DIAS para o arranque do Mundial-2014. A abertura será a 12 de junho, em São Paulo, no Arena Corinthians, curiosamente um dos estádios que ainda não foram inaugurados (deverá até ser o último dos 12 que acolhem jogos da competição).

Seria difícil encontrar imagem mais representativa dos contrastes que marcam este mundial brasileiro: o palco da abertura será o último a estar concluído, por força do atraso de cerca de cinco meses que o grave acidente ocorrido no final de novembro passado, com queda de guindaste a tirar a vida a dois operários, obrigou.

O segundo Campeonato do Mundo de futebol em solo brasileiro ocorrerá 64 anos depois daquele mítico «Maracanazo» que deu o título ao Uruguai, quando todos imaginavam a consagração brasileira em pleno Rio de Janeiro.

Mais de seis décadas depois, nem tudo mudou: o Brasil volta a partir como um dos principais favoritos, apresentando um escrete investido da legitimidade do título da Confederações no verão passado, que terá retirado em definitivo as dúvidas sobre a capacidade desta equipa de Scolari.

Os 3-0 à Espanha na final confirmaram credenciais do Brasil como forte candidato a conquistar o título na sua própria casa, mas convém recordar que em 2005 e 2009, nas provas que antecederam os mundiais de Alemanha-2006 e África do Sul-2010, o escrete obteve os títulos da Confederações, mas depois falhou na prova principal (caiu nos quartos de 2006, perante a França, e de 2010, perante a Holanda).

Os favoritos

Mesmo assim, as primeiras apostas dão ao Brasil a condição de «favorito entre os favoritos». Com duas equipas muito próximas nessa condição: a Espanha, claro, que junta o estatuto de campeã mundial em título com o de bicampeã da Europa (2008 e 2012), e a
Alemanha.

A «roja» soma êxitos nas grandes competições internacionais desde o Suíça/Áustria-2008, mas há quem veja um certo «fim de ciclo» na equipa de Del Bosque (e esses tais 3-0 do Brasil na final da Confederações, a 30 de junho de 2013, pode ter indiciado esse caminho). Será que a Espanha continuará a mostrar um veia vencedora verdadeiramente furiosa neste verão brasileiro?

Se Brasil e Espanha serão os favoritos «por inerência» (o anfitrião-totalista de mundiais-recordistas de títulos e o campeão-em título-que tem ganho tudo-desde 2008...), há depois uma «shortlist» de quatro ou cinco seleções que, pela sua história na competição e, obviamente, também pela qualidade dos seus executantes, têm que ser incluídas no lote das seleções com legítimas aspirações de festejar o triunfo, no próximo dia 13 de julho, no Maracanã.

Mantendo esse critério objetivo dos títulos mundiais conquistados, Itália (quatro troféus) e Alemanha (três triunfos) são também sérios candidatos ao títulos. A «Squadra Azurra» foi campeã mundial em 2006, curiosamente em solo germânico, e repetiu recentemente presença numa final de uma grande competição, quando perdeu, há dois anos, a decisão do Euro-2012 para a Espanha.

A Alemanha é um clássico: a célebre frase de Gary Lineker, repetida à exaustão antes das grandes provas («o futebol são 11 contra 11 e no fim ganham os alemães») parece ter mais razões para ser usada, depois de alguns anos de «recuo germânico» (a Alemanha não chega a uma final de uma grande prova internacional desde o Mundial-2002, quando perdeu para o penta brasileiro, por 2-0).

Mesmo assim, a forma arrasadora como a seleção alemã tem conseguido os apuramentos dá conta da força do conjunto de Joachim Low, que será nada menos do que o cabeça-de-série do grupo de Portugal.

Para completar o lote dos campeões mundiais, Argentina e Uruguai (dois títulos cada) e ainda França e Inglaterra (um título cada, ambos em casa) também acalentam as suas esperanças, ainda que se encontrem numa zona um pouco inferior de brasileiros, espanhóis e mesmo italianos e alemães na linha de favoritismo.

Neste critério das seleções que já festejaram o título, sem dúvida que o sorteio caprichou ao formar o grupo D: três seleções campeãs mundiais em apenas quatro equipas (Uruguai, Inglaterra e Itália), apenas com a Costa Rica como «outsider».

E não será totalmente de excluir um cenário do Brasil-2014 alargar para nove a lista de seleções campeãs do Mundo, consagrando uma equipa como a Holanda, ou... Portugal.

No caso da equipa de Paulo Bento, bem antes do que sonhar com um título mundial, há um sério obstáculo a vencer à partida: estar nos dois primeiros lugares de um grupo forte e competitivo: Alemanha, Gana e EUA.

Os bilhetes

O que interessa mesmo num Campeonato do Mundo de futebol são os jogos e, nessa matéria, há ainda 100 dias para se antecipar que seleções estarão em melhor forma, que jogadores poderão faltar à última hora por lesão, que escolhas finais para os 23 irão fazer os selecionadores das 32 equipas em confronto.

Esta quarta, 5 de março, será já um dia importante nesse particular, com a data FIFA a acolher vários de preparação de seleções, entre os quais, obviamente, o Portugal-Camarões.

Mas uma coisa está já garantida: este Mundial será um grande sucesso de assistência. Como não podia deixar de ser.

Informação recente da FIFA adiantou que há já sete encontros com ingressos esgotados para esta fase de vendas, tudo indicando que terão casa cheia, entre os quais a final, no Maracanã (13 de julho), no Rio de Janeiro, e a partida de abertura (12 de junho, Brasil-Croácia, no Arena Corinthians, em São Paulo) e ainda o EUA-Portugal, em Manaus, a 22 de junho, segunda jornada do grupo G.

As outras quatro já esgotadas são: Inglaterra-Itália, 14 de junho, Manaus; os oitavos em São Paulo (1 de julho) e Porto Alegre (30 de junho); e a meia-final em Belo Horizonte (8 de julho). No total, 2,3 milhões de ingressos foram vendidos até ao momento pela FIFA.

O Brasil foi o país com mais pedidos de ingressos nesta fase de vendas: 906 mil. Seguem-se Estados Unidos, Colômbia, Alemanha, Argentina, Inglaterra, Austrália, França, Chile e México.

A segunda fase de vendas passou os 3,5 milhões de pedidos de ingressos e ainda há uma fase a partir de abril.

Dentro do estádio, o sucesso no público está garantido. Fora dele, há novos desafios a acompanhar com atenção: o Mundial-2010 já havia sido fortemente «tecnológico», mas o Brasil-2014 será, claramente, o primeiro mundial em que as redes sociais terão uma importância não só no acompanhamento, mas na própria reação comunicacional dos intervenientes.

Os atrasos

Se um Mundial no Brasil tem tudo para «dar certo» na parte desportiva e humana (é indiscutível que os brasileiros adoram futebol e vibram com o jogo e tudo o que circula em seu redor), é também já uma certeza que a parte logística será um grande problema.

E, nesse plano, convém pôr as coisas em perspetiva. Os 12 estádios vão estar prontos a tempo de acolherem os jogos? Sim, vão.

Mas já não irão cumprir os planos iniciais do Comité Organizador Local.

Dos 12 estádios, seis já acolheram partidas da Taça das Confederações ( Maracanã, Rio de Janeiro; Mané Garrincha, Brasília; Mineirão, Belo Horizonte; Arena Castelão, Fortaleza; Arena Pernambuco, Recife; Arena Fonte Nova, Salvador) e, apesar de grande turbulência social em torno deles devido às manifestações, a verdade é que do ponto de vista de segurança e funcionalidade, mostraram estar à altura.

Em relação aos outros seis, tudo foi mais complicado. A primeira exigência da FIFA era que o Comité Organizador Local entregasse os 12 estádios até dezembro passado, quando faltasse meio ano para o arranque do megaevento.

Isso seria o tempo ideal para testes e afinações finais.

Qual quê. Por esta altura, a 100 DIAS do arranque, ainda faltam concluir as obras em quatro recintos ( Arena Corinthians, São Paulo; Arena da Baixada, Curitiba; Arena Pantanal, Cuiabá; Estádio Beira Rio, Porto Alegre).

O Arena Corinthians, palco de grave acidente em novembro passado, foi atrasado para 15 de abril, mas tudo indica que só terá inaguração real em maio, de acordo com indicações dadas ontem pela FIFA. Já muito em cima de 12 de junho, portanto.

Quanto ao Arena Amazónia, em Manaus, palco do EUA-Portugal a 22 de junho, está feito, depois de vários atrasos, e será inaugurado na próxima segunda-feira, dia 9, num encontro da Copa Verde, entre Nacional do Amazonas e Remo. 

A morte de um operário português, em obra em zona envolvente ao Arena Amazónia, a 7 de fevereiro passado, elevou para sete o número de vítimas mortais nas obras dos estádios da Copa.

Curitiba escapou por pouco

O planeamento e execução de um megaevento como o Mundial é feito com vários anos de antecedência. A margem para falhar é grande, mas o caso brasileiro, está visto, passou das marcar.

O modo como a FIFA foi lidando com os atrasos sucessivos dá conta do grau de preocupação gerada pelas dúvidas sobre se alguma coisa de fundo iria mesmo falhar.

Depois de uma primeira fase em que Blatter foi colocando «paninhos quentes» na fervura em torno das falhas da organização brasileira (o presidente da FIFA não se cansava de repetir que «o Mundial no Brasil será um grande sucesso e a Confederações mostrou que os estádios estão preparados», os avisos do seu secretário-geral, Jérôme Valcke, foram subindo de tom.

Primeiro, na questão do acidente no «Itaquerão», em novembro passado (a FIFA começou por desvalorizar, depois viu-se obrigada a admitir que iria provocar atraso de «pelo menos quatro meses» no estádio de abertura); mais recentemente na «crise de Curitiba».

Apesar de ser uma cidade altamente tecnológica e vista como uma «referência verde» no Brasil, Curitiba terá estado a... um dia de falhar a entrada na Copa, por força de sérios problemas de execução na obra do Arena da Baixada.

Houve mesmo um «plano B» preparado em Zurique para o caso de só haver 11 e não 12 estádios prontos a acolher os jogos.

Esse plano, ainda que nunca admitido oficialmente pela FIFA, previria que os quatro jogos previstos para Curitiba (Irão-Nigéria, 16 de junho; Honduras-Equador, 20 de junho; Austrália-Espanha, 23 de junho; Argélia-Rússia, 23 de junho) fossem distribuídos por quatro dos 11 estádios que ficaram prontos a tempo.

Mas tudo indica que não será preciso acionar esse «plano de emergência». A visita de Jérôme Valcke, a 19 de fevereiro passado, confirmou a entrada de Curitiba no plano final para a Copa.

Só pode dar certo... Mesmo?


«Pode até faltar uma coisa ou outra, mas a Copa vai funcionar», garantia o CEO do Comité Organizador Local do Mundial-2014, Ricardo Trade, em entrevista dada há cerca de um ano, ao UOL Esporte.

Num espírito bem brasileiro, Trade tranqulizava: «Olha, tem obra e tem obra. Maracanã e Brasília são obras gigantes. As outras são simples se comparadas com essas. As de Porto Alegre, Natal e Recife não preocupam mais. Não estamos vendo nenhum risco até agora. Pode ser que em quatro meses a gente vá ver outra coisa. Mas tem muito tempo. Se não for dia 15 é dia 20, se não for dia 20 é 21... mas vai ficar pronto».

Os meses que se seguiram mostrara que... não é bem assim. Se ao nível dos estádios a questão será apenas de não cumprir o «cronograma de segurança» imposto pela FIFA, em relação a obras de mobilidade nas cidades-sede e infra-estruturas fundamentais como os aeroportos, o cenário é mesmo de falhanço.

Danny Jordaan, atual presidente da Federação Sul-Africana e CEO do Mundial-2010, colocou o dedo na ferida, em entrevista recente ao «Globo Esporte»: «O Brasil relaxou e passou estar mais atrasado do que estava África do Sul por esta altura».

Conselheiro da FIFA para o Mundial-2014, o dirigente sul-africano usa a experiência de há quatro anos para acusar o Brasil: «Se olharmos do ponto em que estávamos nessa época para a Copa [de 2010], o Brasil está mais atrasado».

O que já deu errado


Falemos, então, do que já deu errado: primeiro de tudo, e sem qualquer dúvida, os aeroportos.

A 100 dias do arranque, só
dois aeroportos do projeto para a Copa poderão estar prontos a tempo

A promessa do governo federal brasileiro de reformar e ampliar aeroportos do país está mais do que comprometida. Entre os nove aeroportos administrados pelo Governo Dilma em sedes do Mundial, pelo menos sete estarão por acabar quando o evento arrancar.

De acordo com a própria Infraero (Empresa Brasileira de Infraestrutura Aeroportuária), estarão inacabadas durante a Copa do Mundo de 2014 as obras dos aeroportos de Belo Horizonte (Confins), Manaus, Rio de Janeiro (Galeão) e Salvador. A reforma dos terminais de embarque desses quatro aeroportos atrasou e foi dividida em etapas: parte será entregue para o Mundial e parte, só depois do torneio.

O mais recente aeroporto que teve seu plano de investimentos comprometido foi o de Curitiba. Em 2010, o governo prometeu reformar o terminal aéreo da capital paranaense. No entanto, após sucessivos atrasos na obra, cancelou o projeto e resolveu refazê-lo.

O mesmo acontece com as tão anunciadas «obras de mobilidade» nas cidades-sede. Problemas de execução orçamental, desvios e/ou falhas no cronograma levaram ao adiamento ou, simplesmente, cancelamento de grande parte das que estavam previstas.

Num total de perto de oito dezenas de «projetos de mobilidade urbana» nas 12 cidades-sede, nem uma dezena está pronta, a 100 dias do arranque.

O atraso na globalidade desses projetos é de cerca de 75%, sendo que cerca um quarto delas nem sequer arrancou. Cerca de metade só deverão estar prontas... depois do Mundial.

O Brasil tem 100 DIAS para evitar o pesadelo de um desastre organizativo e agarrar o sonho, já assumido pela Presidente Dilma Rousseff, de «organizar o melhor Mundial de sempre».

Será possível?