Foi na condição de empresário que Nélio Nunes trouxe o primeiro grupo de jogadores para Portugal. Com a promessa de testes no Benfica e no F.C. Porto, ou até um lugar na inexistente equipa B do Nacional, nove rapazes saíram no dia 8 de Agosto de São Paulo (Aeroporto de Guarulhos), com destino a Lisboa. Para a maioria era a primeira vez que saíam do Brasil, que andavam de avião. Uma viagem cheia de ilusão, que para alguns acabou poucas horas depois.

A cinco dos jogadores foi-lhes negada a entrada no espaço europeu, quando o avião fez escala em Madrid. Apenas Thiago O., Renan, Igor e Ronaldo chegaram a Portugal. «Como tenho passaporte português ainda estive lá a tentar ajudar, mas o Nélio disse que depois resolvia o assunto. Ele próprio estava com medo de ser deportado», contou ao Maisfutebol Renan, um dos elementos desse primeiro grupo, que pagou oito mil reais (perto de três mil e quinhentos euros). «Ao resto só não aconteceu o mesmo porque fomos à casa-de-banho e depois passámos por outro guichet», lembra Ronaldo, que pagou seis mil reais (cerca de dois mil e quinhentos euros).

Os quatro jogadores que chegaram a Lisboa começaram por ficar instalados numa pensão localizada no centro da capital, na companhia do empresário Nélio Nunes e da esposa. Só alguns dias depois é que se mudaram (os seis) para um pequeno apartamento na Amadora.

Os testes nos principais emblemas do futebol português nunca apareceram. O mais aproximado foram alguns treinos com os juniores do Estrela da Amadora, clube do qual Nélio Nunes se aproximou (ver artigo associado). Insatisfeitos, os rapazes decidiram recorrer a uma pessoa que tinham conhecido em Lisboa, e que tinha dito que o filho trabalhava na Irlanda, onde tinha contactos com alguns clubes locais.

Salvação irlandesa e dificuldades crescentes em Portugal

Thiago O., Renan e Igor viajaram para Galway a 15 de Setembro. «O Nélio disse que não havia dinheiro para irmos todos, e que eu ficava por não estar em condições de ir, pois nunca me tinha visto jogar», conta Ronaldo ao nosso jornal.

«A palhaçada começou aí. O Nélio nem avisou a pessoa que devia ir buscar-nos ao aeroporto. Para além das viagens, tinha combinado que depois enviava 200 euros por semana, para as despesas. Só enviou uma vez. Tivemos de trabalhar em part-time, em bares e restaurantes, para sobreviver», relata Renan.

Os três rapazes trabalharam inicialmente no Mervue United, mas Thiago O. e Renan assinaram pelo Galway, emblema do principal escalão, no inicio de 2011. Fazem parte do plantel de reservas, com chamadas pontuais à equipa principal. Igor não se adaptou e voltou ao Brasil. «Não vou ligar mais para o Nélio. Ele não nos contacta. Estou zangado, mas não guardo rancor. Ele tem sérios problemas. Não sei o que se passou. Não sei se foi por estarmos longe, e não podermos cobrar», desabafa Renan.

Para Ronaldo, que ficou em Portugal, a vida não estava mais fácil. As dificuldades eram a dividir por três, já que entretanto tinham chegado Eduardo e Guilherme, um dos rapazes inicialmente deportado. «Havia uma refeição por dia: arroz e feijão. Um dia perguntámos se havia jantar e ele respondeu: "Não, meu irmão. Bebe água e ora a Deus". Houve um domingo em que fomos ao supermercado com 70 cêntimos, para comprar alguns pães, e pelo caminho encontrámos dez euros. Coisa de Deus! Obrigava-nos a ir à igreja, dizendo que Deus não nos ia abençoar. Claro que nós não acreditávamos nisso, mas tínhamos medo que ele não procurasse um clube se não fossemos», remata o jovem.