19 de novembro de 2006 e 1 de junho de 2018, duas datas marcantes na passagem de Rui Patrício pelo Sporting, duas datas que marcam o princípio e o fim, desde a estreia pela equipa principal, à rescisão de contrato anunciada esta sexta-feira. Pelo meio, 467 jogos oficiais que tornam o guarda-redes como o segundo jogador com mais jogos de leão ao peito, a poucos jogos de outro símbolo do clube, Hilário. Recapitulamos aqui a história de um jogador que chegou ao Sporting com onze anos e manteve uma ligação de quase vinte anos ao clube de Alvalade. A partir de 11 de agosto, quando começar a nova edição da Liga, os adeptos leoninos já não vão poder gritar «Ruuuuuuuiiiiiiiiiiii» quando o guarda-redes negar um golo ao adversário.

Desde a inesquecível estreia aos 18 anos, nos Barreiros, com a defesa de uma grande penalidade, até à final da Taça de Portugal perdida diante do Desportivo das Aves, Rui Patrício acumulou 467 jogos, ultrapassou outras lendas do clube, como Manuel Fernandes (433 jogos) e Vítor Damas (444), ficando apenas atrás de Hilário (475 jogos, embora o clube contabilize 490) entre os jogadores com mais jogos no clube. Mais uma temporada e Rui Patrício também ultrapassaria o antigo lateral que representou o Sporting entre 1958 e 1973, mas, como sabemos, esta história não teve um final feliz.

Uma carreira impulsionada por acasos que levaram Rui ao topo do futebol português. Ainda na infância, antes de chegar ao Sporting, jogava como avançado no Marrazes, pequeno clube de Leiria, mas foi uma vez à baliza e por lá ficou, até hoje. Foi já de luvas nas mãos que chamou a atenção dos olheiros do Sporting. Chegou a Alvalade em 1999, a troco de 1.500 euros , com apenas onze anos de idade e cresceu a vencer. Foi campeão de iniciados (2003), bicampeão de juvenis (2004 e 2005) e campeão de juniores (2006) antes de saltar para a equipa senior.

É neste ano, em 2006, que um acaso volta a dar um impulso à carreira do jovem guarda-redes. Uma lesão de Tiago abre-lhe as portas para a primeira convocatória para a equipa senior, aos 18 anos, numa altura em que o Sporting ia jogar à Madeira, frente ao Marítimo. Surpresa geral, uma vez que Patrício, até então, tinha somado apenas alguns minutos, na pré-época, em dois particulares com o Real Massamá e com o Deportivo da Corunha.

A convocatória seria, no entanto, apenas um pequeno interlúdio para uma estreia que ficou bem marcada na memória de todos. Logo no aquecimento, Ricardo sobe ao relvado sem luvas. As suspeitas confirmam-se logo a seguir. O jovem guarda-redes, imberbe, com cara de miúdo, ia mesmo ser titular. Os leões adiantam-se no marcador, com um golo de Rodrigo Tello, aos 62 minutos, mas a quinze minutos do final, Anderson Polga fez falta sobre Marcinho e os holofotes apontaram todos para o jovem guarda-redes. No momento capital, o jovem guardião não tremeu e voou para intercetar o remate de Kanu. Estava lançado.

A imagem fica aqui congelada aqui como o momento marcante da ascensão do atual titular da Seleção Nacional. Patrício foi manchete nos jornais no dia seguinte, mas a verdade é que, passada a euforia, voltou a ser um simples guarda-redes da formação que, durante a semana, treinava com os seniores, mas que ao fim de semana jogava pelos juniores.

Patrício só voltaria a jogar pela equipa principal do Sporting um ano depois da estreia. Ricardo tinha saído para o Bétis, Stojkovic, que tinha sido contratado para ser titular, acumulava erros jornada após jornada. Tiago ainda fez alguns jogos, mas também não convenceu. A 24 de novembro de 2007, na véspera de uma visita a Matosinhos, Paulo Bento volta a chamar o jovem guarda-redes que, umas semanas antes tinha dado nas vistas no Mundial de sub-20.

O Sporting não consegue melhor do que um empate diante do Leixões (1-1), mas três dias depois, o jovem guarda-redes, então com 19 anos,  brilha com intensidade em Old Trafford com uma série de boas defesas. Os leões acabam por perder por 1-2, com Cristiano Ronaldo a marcar o golo da vitória do United em tempo de compensação, na concretização de um livre, daqueles indefensáveis, mas terá sido aqui que Rui agarrou definitivamente o lugar que ocupou até à última final da Taça de Portugal.

No final dessa época, comemorou o primeiro título, com o Sporting a bater o FC Porto na final da Taça de Portugal, com dois golos de Rodrigo Tui no prolongamento. Uns meses depois, novo título, agora na Supertaça Cândido Oliveira, mais uma vez frente ao FC Porto, desta vez com Yanick Djaló a bisar.

Dois troféus que voltaria a conquistar apenas em 2015, com destaque para a segunda Taça de Portugal, sob o comando de Marco Silva, frente ao Sp. Braga. O Sporting ficou reduzido a dez, a partir dos 14 minutos, e, aos 25, já perdia por 0-2. Slimani reduziu a diferença, a seis minutos do final, e Montero empatou em tempo de compensação. Pelo meio, Rui Patrício evitou o 3-0 do Braga, com uma defesa a uma cabeçada de Éder, antes de nova defesa decisiva a um remate de Salvador Agra. Depois foi determinante no desempate por grandes penalidades, garantindo a épica vitória dos leões.

No início da época seguinte, o quarto troféu na estreia oficial de Jorge Jesus, com a segunda vitória na Supertaça, deste feita sobre o Benfica, no Algarve, com um golo solitário de Téo Gutierrez.

Na última temporada, no arranque do presente ano, conquistaria o seu quinto e último troféu pelo Sporting, a primeira Taça da Liga dos leões. Rui Patrício voltou a ser determinante, primeiro na meia-final frente ao FC Porto (0-0, 4-3 gp), três dias depois na final com o V. Setúbal (1-1, 5-4 gp).

Voltando a 2008, Rui Patrício começava a acumular estatuto, passava a «São Patrício» nas grandes noites, ganhava um grito de guerra das bancadas de Alvalade - «Ruuuiiiiiiii» - cada vez que fazia uma defesa e fixava um recorde de jogos consecutivos como titular que só foi quebrado no final da época de 2014/15, quando, na última jornada, antes da conquista da segunda Taça de Portugal, cedeu o lugar entre os postes a Marcelo Boeck.

Em 2010 já é uma referência no Sporting [completou 100 jogos a 16 de janeiro, frente ao Nacional], mas ainda fica de fora da lista dos eleitos de Carlos Queiroz para o Mundial 2010, na África do Sul, com o antigo selecionador a optar por Eduardo, Beto e Daniel Fernandes. Mas não teria de esperar muito mais para também conquistar o seu lugar na seleção. Ainda no rescaldo do Campeonato do Mundo, já sob o comando de Paulo Bento, Portugal recebe o campeão em título, a Espanha, no Estádio da Luz, e vence por 4-0.

Foi o primeiro jogo de Patrício como titular, aos 22 anos, na seleção principal, lugar que também agarrou com as duas luvas, até hoje, sendo o dono indiscutível da baliza portuguesa no Euro 2012, no Mundial 2014 e no título conquistado no Euro 2016, em França, onde se destacou como o melhor guarda-redes da competição. Tal como no Sporting, Paulo Bento também está presente no início da ascensão de Patrício na seleção.

A 15 de março de 2012 chega aos 200 jogos pelos leões, com mais uma exibição épica, frente ao Manchester City (2-3), em que até defendeu uma cabeçada de Joe Hart, em jogo da segunda mão dos oitavos de final da Liga Europa, a segurar a curta vantagem de Alvalade, assente num calcanhar inesperado de Xandão.

As três centenas chegam num ápice, a 5 de dezembro de 2014, no Bessa, com um triunfo sobre o Boavista. A 18 de fevereiro de 2017, já ao lado de Bruno de Carvalho, Rui Patrício é homenageado pelos adeptos em Alvalade, no final de um jogo com o Rio Ave, depois de ter chegado à marca dos 400 jogos.

Até 20 de maio de 2018, data da última final da Taça, ainda somou mais 67 jogos, mas o fim começou a desenhar-se onde, afinal, tudo tinha começado, nos Barreiros.

Na última jornada do último campeonato, depois de um empate no dérbi com o Benfica em Alvalade, os leões chegam à última ronda em vantagem na luta pelo segundo lugar, que dava acesso à apetecida Liga dos Campeões, mas deitam tudo a perder com uma derrota por 1-2. Desta vez Rui Patrício já não liderou a equipa nos agradecimentos aos adeptos. A partir daqui tudo se precipita. Confusão ainda no Aeroporto do Funchal, o ataque dos adeptos a Alcochete, a derrota na Taça de Portugal.

Agora, poucos dias depois de integrar a preparação para o Mundial 2018, na Cidade do Futebol, tudo se desmoronou, ao que tudo indica, definitivamente. A relação com o presidente Bruno de Carvalho tornou-se incomportável e, depois de gorada a transferência para o Wolverhampton, o guarda-redes tomou uma das decisões mais difíceis da sua carreira: rescindiu com o clube que representou nos últimos vinte anos.

Todos os jogos oficiais de Patrício no Sporting

Competições Jogos
Liga 327
Taça de Portugal 31
Taça da Liga 14
Supertaça 2
Liga Campeões 26
Liga Campeões (pré-eliminatórias) 8
Liga Europa 51
Liga Europa (pré-eliminatórias) 8
Total 467

Títulos de Rui Patrício no Sporting

Campeão nacional de iniciados em 2002/03

Campeão Nacional de juvenis em 2003/04 e 2004/05

Campeão Nacional de juniores em 2005/06

Taça de Portugal em 2007/08 e 2014/15

Supertaça em 2008 e 2015

Taça da Liga em 2017/18