Os olhos de Aida Ramos enchem-se de água para lembrar uma mensagem que recebeu no dia de aniversário e que guardou no telemóvel.

«Obrigado por tudo o que faz por nós sem pedir nada em troca. É a nossa heroína e uma verdadeira leoa.»

Ora Aida Ramos, refira-se, é a responsável pedagógica do Sporting. Mas é na verdade muito mais do que isso: é quase a mãe que acompanha, ouve e se preocupa.

«Nós não nos podemos substituir aos pais. Jamais. Mas temos de fazer um pouco esse papel todos os dias. Enquanto os outros miúdos acabam o treino e vão para casa, têm atenção, têm um jantar feito pela mãe, que lhes pergunta como correu o dia, como correu a escola, como correu o treino, os miúdos que vivem aqui na Academia chegam ao final do dia de treino e se não tiverem o nosso apoio diário...», conta.

«A noite aqui custa. À noite aqui não se ouve nada, é tudo escuro e é o período mais difícil de passar. Muitos deles, sobretudo os mais jovens, chegam aqui e choram durante a noite. É normal, têm saudades. Magoam-se no treino e não está cá a mãe para dar um beijinho na testa.»

Ora a poucos dias do Dia da Mãe, o Maisfutebol foi até Alcochete conhecer melhor o trabalho de Aida Ramos. A ideia era perceber o que é, afinal, isto de ser a figura matriarca de cerca de sessenta jovens: miúdos que os pais deixaram na Academia para correrem atrás de um sonho.

«Muitas vezes fico cá mais tempo com eles exatamente porque sei que eles precisam disso. Mas não sou só eu. Os supervisores, por exemplo, fazem um trabalho fundamental. Temos de estar com eles e perguntar: Então o que aconteceu? Ou Como é que estás, vamos conversar? Ou Vamos jogar ali um ping-pong, vamos distrair-nos», acrescenta.

«Como eu disse, nós não substituímos os pais. Não podemos, nem queremos fazer esse papel. Mas os pais têm uma grande ligação connosco e nós somos a extensão dos pais. Quando eles ao final do dia pegam no telefone e ligam à mãe, a dizer que lhes dói a cabeça, é importante a mãe saber que está aqui alguém para olhar pelo filho dela. Por isso gosto de dizer que somos todos um bocadinho pais e são todos um bocadinho nossos filhos.»

O dia em que um miúdo gritou para toda a gente: Ela é a minha mãe

Alguns deles, aliás, até tratam Aida Ramos por mãe.

«Não são todos, são alguns», refere.

«Ainda a semana passada fui à escola, estava na zona da coordenação e vem um miúdo que se agarra a mim a dizer muito alto: Esta é minha mãe, esta é a minha mãe, ela é branca, mas é a minha mãe. Até os professores ficaram a olhar. Não estavam a perceber porque ele estava a fazer aquilo. Foi um gesto em que ele quis de facto demonstrar esta afinidade. Há muitos pais que dizem que já sabem. Ah, e tal, eu já me habituei, é a mãe aqui e a mãe aí. Mas eles sabem que não é com maldade, é porque na realidade é a pessoa que está aqui mais tempo com eles.»

Nesta altura convém dizer que na teoria a função de Aida Ramos consiste em tudo o que é educação pedagógica, formação pessoal e social dos jovens: faz a ponte com as escolas e com as famílias, organiza a ocupação dos tempos livres, leva os jovens as ações sociais, proporciona momentos de lazer. Trabalha integrada no departamento de apoio pedagógico e psicológico, e repete que não faz nada sozinha. Fala sempre na primeira pessoa do plural, aliás.

Isso é na teoria, porém. Na prática acaba por ser bem mais do que isso.

Aida Ramos diz que a ligação que se cria com os miúdos, as memórias, os laços, a partilha de uma fase tão importante da vida tornam o trabalho dela bem mais do que apenas um trabalho.

«Acontece-me ir para a cama à noite a pensar nos problemas deles. Não consigo desligar daquilo que é a minha vida diária com eles. Quando se faz as coisas com gosto e com uma enorme paixão, é difícil desligarmos o botão. Eu passo mais tempo com eles do que com a minha família. Por isso é que gosto de ficar aqui até tarde, de passar tempo com eles», conta.

«Fico muitas vezes com eles ali fora, ali sentada naquele banco. A conversar sobre vários assuntos. Eles gostam de conversar sobre as namoradas, sobre o treino, sobre as amigas, sobre as redes sociais, sobre filmes. Têm sempre temas para falar. São momentos que ficam para a vida, são vivências que na correria do dia-a-dia não conseguimos ter. Tem de ser ao final do dia, quando já treinaram, já tiveram um dia completo de escola e gostam de estar ali naquele banco a ouvir as músicas deles e a conversar. Temos sempre histórias muito caricatas. Também gosto de vir tomar o pequeno-almoço com eles, quando posso também almoço, porque eles têm rotinas um bocadinho desfasadas. Mas gosto de estar aqui com eles quando chegam da escola, de estar com eles na sala de estudo ou de lanchar com eles, porque são momentos informais. Não há um fim de semana em que não receba uma chamada ou uma mensagem de cada um. Para falarem sobre os mais variados temas. Estou sempre muito presente, sim.»

«Há dias em que nem precisamos de dizer nada: só estar aqui, ouvir e dar um abraço»

Ser mãe é também sofrer, e ser mãe de 60 miúdos dá muitas dores de cabeça. Aida Ramos garante, no entanto, que as dores de cabeça passam. Importante é o prazer e o gosto que sente. Até porque as dores de cabeça fazem parte da vida. De qualquer vida, portanto.

«Temos aqui muitos jovens em pré-adolescência e adolescência, e temos de saber lidar com eles. Há dias em que corre tudo bem, mas há um dia em que o treino não correu bem, em que não foi convocado, em que não foi chamado à seleção, e no dia a seguir isto vai ter uma consequência na escola. Porque está chateado, porque está irritado, enfim, isto tudo mexe com eles. Por isso tem dias que é uma dor de cabeça, mas é acima de tudo um prazer», refere.

«Ainda esta semana, por exemplo, tinha acontecido alguma coisa na escola com um deles e ele estava completamente transtornado. Eu percebi que não valia a pena falar com ele naquele momento. Mas à noite liguei-lhe. No dia seguinte conversamos, ele ouviu-me, falou e pediu desculpa. Eles vivem numa rotina frenética: treino, escola, treino, escola.»

Aida Ramos adianta, de resto, que também diz não quando é preciso, como uma mãe faria, e que quando se portam mal, são aplicados castigos.

«Pode ser fazer trabalho comunitário, pode ser mais horas de determinadas tarefas, pode ser não ir a um jogo da Liga dos Campeões. Nós estamos a prepará-los para aquilo que é a vida e a vida é isto. Mas também são premiados quando, por exemplo, entram no quadro de honra, ou no quadro de esforço e dedicação, que é o degrau antes de chegarem ao quadro de honra.»

A trabalhar no Sporting há dez anos, Aida Ramos começou com a geração de 2001: de Gonçalo Inácio, entre outros. Depois veio a geração de Nuno Mendes, Tiago Tomás e Eduardo Quaresma.

E a partir daí as outras todas.

Ao fim de uma década, já passaram pela vida dela muitos jovens, que deixam ser uma marca. O melhor do que faz, garante, são as memórias que ficam, embrulhadas em afeto.

«Há um que parte um braço e liga ai, ai ai, ai, ai, ai. E lá vou eu, claro. Houve outro que se lesionou no joelho, andava de canadianas e não conseguia ir ao estádio ver um jogo da Liga dos Campeões. Não te preocupes, eu levo-te e tu vais comigo. O miúdo agarrou-se a mim a chorar e a agradecer. É este tipo de coisas que a mãe faria se estivesse aqui», sublinha.

«Eles fizeram uma opção de vida, fruto do talento que têm e do facto de estarem no Sporting. Eles têm um sonho, querem ser jogadores profissionais, e sabem que têm de fazer uma grande gestão da vida pessoal. Há momentos em que não vão poder estar. Agora temos estes dias de calor, por exemplo, os colegas vão para a praia, vão para a piscina e eles têm treino. Fizeram esta opção, mas às vezes é difícil para eles. Há dias em que choram é há dias em que nem precisamos de dizer nada. Só precisamos de estar aqui, de ouvir e dar um abraço. Deixar que eles chorem. Mas também há dias em que riem, em que põem música e começam a dançar.»

«O Nuno Mendes vem sempre ter connosco quando está em Portugal»

Depois, claro, há as brincadeiras. Aida Ramos ainda hoje se lembra da fase em que ia de metro com Nuno Mendes e Bruno Tavares, até apanharem o comboio e cada um seguir para sua casa. Um dia os miúdos, na altura ainda nem tinham doze anos, quiseram ir a pé a até Sete Rios.

«Então lá fomos os três o caminho inteiro a conversar e a rir.»

Também não esquece quando Nuno Mendes, Bruno Tavares, Joelson e André Gonçalves tiveram de fazer um trabalho em inglês para a escola. Decidiram fazer uma apresentação da Academia e de como era a vida deles ali dentro.

«Foi um trabalho absolutamente fabuloso que fizeram e que depois apresentaram na escola» atira cheia de orgulho.

«O Nuno Mendes, por exemplo, sempre que vem a Portugal vem cá ter connosco. Ninguém lhe pede para ele vir, ele vem porque gosta, porque esta é a casa dele. Foi aqui que ele cresceu. Ele é do Bairro da Boavista, em Lisboa, e tinha fins de semana em que não ia à casa. Ficava aqui e por isso quando vem cá visitar-nos é porque gosta de estar com as pessoas e porque é muito agradecido ao clube. Ele faz questão de cumprimentar as pessoas todas na academia, de estar com os colegas, que na altura eram muito mais novos do que ele. Aliás ele é uma referência para eles. Mas uma família é assim e eles veem-se todos como irmãos.»

Por falar em família, Aida Ramos não esquece uma data especial: o Natal. Na Academia, diz, «e como em qualquer família há um jantar de Natal, porque eles depois vão todos de férias passar o Natal com a família deles». É um dia inesquecível, em que cada um se veste o mais formal e adulto que pode. De camisa e tudo.

«Há sempre várias atividades que vamos fazendo ao longo do ano. Este ano, por exemplo, já fomos ao jardim zoológico. Por incrível que pareça, para alguns foi a primeira vez que foram ao jardim zoológico. Estes miúdos por vezes não conseguem ter aqueles momentos que os outros jovens têm com os amigos e que são normais. Então nós proporcionamos este tipo de atividades. Vamos ao cinema, fazemos workshops educativos em várias áreas, vamos aos karts, que eles gostam muito, tentamos diversificar as atividades.»

Também organizam um encontro com os professores em Alcochete, chamam os colegas da escola a ir conhecer a Academia e desenvolvem um plano de formação para os pais, para a família ser uma parceira no modelo do clube de desenvolvimento centrado no jogador.

Aida Ramos está sempre presente. Em todos os momentos.

«Faço-o com enorme gosto, vontade e até mesmo por amor a todos eles.»

Feliz dia a todas as mães.