Rui Jordão morreu esta sexta-feira, aos 67 anos de idade, e com ele levou uma das mais felizes memórias do futebol português: a memória de um grande goleador.

Apelidado de «Gazela de Benguela», veio de Angola como «novo Eusébio» para jogar no Benfica. 

Na terra natal jogou no Sporting de Benguela, mas tal como Eusébio - que jogou no Sporting de Lourenço Marques -, acabou por ser o Benfica a trazê-lo para Portugal.

Começou por representar os juniores encarnados em 1970, mas na época seguinte saltou logo para a equipa principal. Jordão não se intimidou com um plantel forte, no qual brilhavam nomes como Simões, Toni, Humberto Coelho, Vítor Baptista, Artur Jorge, Shéu ou Jaime Graça, acabando por segurar um lugar e ser quatro vezes campeão nacional em cinco anos.

Pelo meio, em 1974, correu risco de acabar a carreira quando tinha apenas 22 anos: numa jogada com o portista Gabriel lesionou-se gravemente, tendo contraído uma rotura dos ligamentos e várias fraturas. Acabou por iniciar então uma calvário, que o levou até à Bélgica, mas do qual recuperou totalmente.

Em 1976 foi o melhor marcador do campeonato pela primeira vez e atraiu a atenção do Saragoça, que gastou nove mil contos para o contratar. Em Espanha não se deu bem e passado um ano regressou a Portugal, mas para o Sporting.

Foi em Alvalade que acabou por deixar mais marca.

Ao lado do grande amigo Manuel Fernandes fez uma dupla terrível, que mais tarde teve também o génio de António Oliveira, o que justificou mais um prémio de melhor marcador e dois títulos de campeão nacional.

Cumpriu nove temporadas em Alvalade, que coincidiram com o auge também na Seleção Nacional. Jordão tinha sido chamado pela primeira vez à equipa nacional ainda no Benfica, com 20 anos, mas foi mais tarde (sobretudo no Euro-84) que brilhou a grande altura.

Inesquecível, de resto, o jogo das meias-finais com a França, no qual Jordão marcou os dois golos que alimentaram a esperança de milhões de portugueses de ver a Seleção na final. O primeiro levou o jogo para prolongamento, o segundo meteu Portugal a vencer à entrada dos últimos minutos.

A França haveria ainda de fazer dois golos e puxou uma Seleção pouca habituada a grandes feitos das nuvens.

Jordão regressou então ao Sporting, no qual cumpriu mais duas temporadas, antes de pendurar as botas. Tentou fazê-lo em 1986, quando ficou um ano parado, mas um convite do grande amigo Manuel Fernandes levou a voltar a jogar futebol durante mais dois anos, no V. Setúbal, onde a dupla do Sporting foi reeditada.

O regresso de Rui Jordão teve tanto sucesso, aliás, que o avançado foi ainda chamado três vezes à Seleção Nacional, quando á tinha 36 anos.

Depois de acabar a carreira, em 1989, afastou-se do futebol e esteve dez anos sem falar do jogo. Foi tirar uma licenciatura em Belas Artes, tornou-se pintor e dedicou-se de corpo e alma à nova carreira.

Manteve sempre uma postura discreta e de grande introspeção, refletindo sobre o mundo, a sociedade e o próprio futebol.

«O futebol é um mundo demasiado objetivo, material e ruidoso. Era impossível encontrar outras formas de expressão que não fossem dentro dos relvados. A bola é um objeto egoísta e centralizador. Foi por isso que desapareci do meio durante muitos anos. Só o silêncio seria capaz de permitir o reencontro com o meu outro eu», confessou.

Recentemente voltou a ser visto em Alvalade e foi homenageado pelo Sporting no jogo com o LASK Linz, numa altura em que já estava gravemente doente. 

Faleceu esta sexta-feira, aos 67 anos, e com ele levou uma das memórias mais felizes do futebol português.