Jorge Jesus diz que foi «obrigado» a mudar de clube no fim da época, deixando o Benfica. O treinador garante também que nunca pensou ir para o Sporting, enquanto admite que não teve no estrangeiro propostas de clubes com um «projeto desportivo» que lhe permitisse chegar a uma meia-final ou uma final da Liga dos Campeões. Esse é ainda o seu objetivo de carreira, garante o técnico, numa entrevista à revista GQ publicada nesta quinta-feira onde acusa ainda Paulo Gonçalves e João Gabriel de «gerarem o fumo» que se seguiu à sua saída da Luz.

Sobre a mudança de clube, Jesus diz isto: «Porque é que mudei? Primeiro, porque fui obrigado. Segundo, juntei isso ao ter de descobrir outro desafio, a tentar fazer o que fiz no Benfica noutro clube. E se tinha a possibilidade de fazê-lo em Portugal ainda melhor. E tive! Tinha a possibilidade de ir para o estrangeiro e de ficar em Portugal. Nunca pensei em ir para o Sporting, nunca me passou pela cabeça. Não era um projeto que eu achei que fosse acontecer. Não porque o Sporting não fosse um clube com dimensão. Claro que o Sporting é um clube com dimensão. E muita! Mas porque sou um treinador caro em Portugal.»

«Entre ir para o Sporting ou para o estrangeiro, senti que o projeto desportivo das várias equipas que me queriam não me transportava para essa possível equipa que me pudesse levar a uma final ou meia-final da Champions», prossegue: «Financeiramente era muito melhor, sem dúvida. Não há comparação possível. E também porque havia um sentimento do meu pai. Nunca pensava, naquele momento, ir treinar o Sporting, mas sempre pensei que um dia mais tarde ia cumprir essa promessa que fiz ao meu pai. Foi mais cedo do que pensava.»

Mais à frente, o treinador fala do seu futuro, garantindo que só admite deixar Portugal para um grande da Europa, ele que diz também na mesma entrevista acreditar que, quando o fizer, irá à  final da Liga dos Campeões na primeira época. «Se surgir essa possibilidade, sim. Se não surgir, não sei se vou sair do meu país. Se tiver de ir para o estrangeiro, vou. Agora, aquilo que mais gostava era de sair para o estrangeiro com uma equipa que pudesse dar-me mais do que o Benfica me deu ou do que o Sporting pode dar-me. Porque, se não, só se for a componente financeira», afirma: «Quando escolher a carreira financeira, isso vou! Para o Qatar, a Arábia…»

Jesus diz que se sente ainda com algo a provar: «Sinto. Tenho de aprender todos os dias, tenho de crescer. Para sentir-me o treinador com quem muitos jogadores trabalham e dizem que eu sou, tinha de ganhar uma Champions ou tinha de ganhar, fora de Portugal, um campeonato em Inglaterra ou em Espanha, talvez os países mais difíceis para isso se fazer.»

Quanto ao Benfica, Jesus fala do regresso à Luz na vitória do Sporting no dérbi e revela que apenas cumprimentou Rui Costa, o «único da estrutura que percebe de futebol». As palavras de Jesus sobre esse assunto na entrevista, entretanto  já clarificadas pelo próprio treinador: «Aquilo foi entrar e sair. Com os jogadores não estive, mas estive com um ex-jogador, o Rui Costa. Estive com ele antes do jogo. Ele é o único elemento daquela estrutura toda que percebe de futebol, é o único elemento que tem algum conhecimento das coisas. É, na minha opinião, o elemento que dá àquelas pessoas que gravitam todas ali à volta da estrutura do futebol e que não entendem nada daquilo alguma sustentabilidade ao nível do conhecimento do jogo e do jogador. O eventual futuro que o Benfica possa ter no futebol ou passa pelo Rui Costa, ou não passa por ninguém.»

Quando lhe perguntam se Rui Costa é o único que o respeita na estrutura, Jesus nomeia alvos: «Não, mas há alguns que não me respeitaram. Sei que este fumo todo se gerou à minha volta, tipo chaminé, e quem fomentou este filme todo chama-se Paulo Gonçalves. Não tenho dúvida nenhuma em relação a isto. E o João Gabriel. São as duas pessoas que o geraram e que confundiram o presidente.»

«Sou o meu maior adversário»

Na entrevista, que inclui uma produção fotográfica clássica, com Jesus vestindo roupa identificada com marca e preço, Jesus fala um pouco mais sobre si. «Sou o meu maior adversário. Estou constantemente a entrar em conflito comigo», diz por exemplo Jesus: «Muitas vezes entro num conflito comigo, de competição, porque quero sempre mais e acho que sou sempre capaz de mais.»

Jesus também assume que se alimenta do conflito e joga com a arrogância. «Às vezes, se calhar, parece que tenho um pouco de arrogância. Mas, às vezes, também sei que tenho, quando quero e para quem quero», diz: «Eu gosto de confronto e, como gosto de confronto, aquilo que vocês transformam em arrogância é um pouco isso.»

Jesus diz ainda coisas como «Sei que sou diferente». E garante que não tem treinadores como referência: «Hoje não tenho. Hoje, não vejo ninguém para além de mim. Mas, quando comecei, é público que sempre tive um fascínio pela forma como as equipas do Cruijff jogavam.»

E puxa dos galões sobre o seu método de trabalho, com frases como estas: «Estou farto de dizer que não criei a ciência, mas criei a ciência do meu treino. Não treino por livros, treino pela minha cabeça. Com treinos que são criados, não direi 100% mas 80% são criados por mim.»

Nesta entrevista em que faz capa da revista, depois de ter sido eleito homem do ano no desporto, com o título «Nobody f*cks with Jesus, o treinador também conta que revê todos os jogos («De uma ponta à outra») e revela aquilo que mais o diverte no futebol: «Quando crias uma ideia de jogo, quando crias uma jogada e vês os teus jogadores fazerem exatamente aquilo que tu trabalhas todos os dias.»

Sobre o seu método para adaptar um jogador a uma posição diferente, algumas dicas. «A pouco e pouco, tenho de desenvolvê-lo individualmente. É um pouco como aqui (na produção fotográfica)», diz: «Mas se ele não acreditar, não vale a pena, porque não dá certo.»

Falando de jogadores, reconhece que o  caso mais difícil que teve de gerir foi Cardozo, e diz que gostaria de treinar Messi e Ronaldo, mas não Ibrahimovic: «Há egos que consegues controlar e há super-egos, que são mais difíceis. Acho que o Ibrahimovic é um super-ego.»

Jesus continua a desenvolver este raciocínio e vai buscar os exemplos de dois jogadores que treinou no Benfica.  «Também gosto de jogadores convencidos. Normalmente, um jogador que tem ego, é convencido, mas os grandes jogadores são humildes. Eu trabalhei com grandes jogadores, Aimar, Saviola… Foram os únicos jogadores que eu trabalhei que já tinham chegado ao topo», nota, para concluir: «Dois dos jogadores mais humildes que eu vi na vida, mais doces, mais fáceis de trabalhar, tudo fácil.»

Num dos momentos extra-futebol da conversa, por fim, Jorge Jesus fala de quando andou a aprender inglês: «Gostava, mas já vi que não tenho… Não direi capacidade, mas nas últimas aulas que tive de inglês, eu saía de lá com a cabeça inchada, parecia que já não cabia mais nada lá dentro. Quando ia para o treino, já ia cansado!»