Sete do sete de 1994. Há um trio de brasileiros alegres e no meio deles um mais do que os outros. Mazinho, Bebeto e Romário festejam golo e eternizam o «embala-nenem», que celebrizou o nascimento de Mattheus, o mais recente dos reforços do Sporting.

Essa é a história conhecida do canhoto que se mudou esta semana do Estoril para Alvalade. Quis ser futebolista e o pai cedo percebeu «que ele tinha o dom» de jogador. Que Mattheus é filho de Bebeto já toda a gente sabe. Que se mudou do Estoril para Alvalade também. Mas entre aquele golo do pai em 1994 e a vinda para Portugal há Mattheus por descobrir.

Já o Maisfutebol descobriu Luan Sérgio, que atua em Portugal pelo Limianos e cresceu lado a lado com o filho de Bebeto. «Mais ou menos a três quilómetros» da casa do campeão mundial de 1994 e junto no futsal do Flamengo.

Quando o pai pendurava camisolas no ângulo da baliza

A chegada de Pedro Emanuel ao Estoril fez emergir o melhor Mattheus. Mais recuado, mas a ter maior preponderância no futebol canarinho. A exibição no Estádio da Luz foi, provavelmente, a mais conseguida em Portugal.

No palco maior do país e perante o líder, Mattheus mostrou todas as qualidades que o fizeram figura de destaque na formação do Flamengo: «Qualidade técnica, de passe, visão de jogo e bolas paradas.»

Uma das faltas que cobrou bateu com estrondo na trave de Ederson. Uma especialidade que o esquerdino treina desde criança.

 

A que eu achei aqui ! @bebetinho89 @nilton94 e eu , loirin ! Hahaha as crianças !

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«Ele com um ano já pegava em bolas pequenas e chutava de pé esquerdo. Disse logo à minha esposa: ‘não tem jeito, esse vai ser jogador’. E ele agora bate bem com os dois pés até. Mais tarde, tinha ele 4/5 anos, mandei contruir uma trave no jardim de casa e punha uma camisa pendurada. Depois pedia ao Mattheus para bater a bola e acertar na camisa.»

Bebeto é pai e, por isso, não é isento a falar do filho, como o fez nesta entrevista ao Maisfutebol. Mas também foi profissional, dos maiores do Brasil e não só. Por isso sabe também que genes e nome podem trazer alguma coisa, mas não são garantia de nada. Por isso, Mattheus tinha de fazer o seu percurso. E ele começou «clandestino».

Para não influenciar, Bebeto não acompanhou o filho nos testes que Mattheus fez no Flamengo. «Quem o levou foi o primo do meu cunhado, o Maurício. Mais de 200 meninos e não é que ele ficou entre os dez?»

Bebeto afirma que «sabia que ele tinha condição» para singrar, até porque Mattheus é «muito centrado», focado no objetivo.

Começou no futsal, depois vieram os problemas

Luan Sérgio chegou a Portugal através de José Rego, que o trouxe para Ponte de Lima. Antes disso jogara no Bangu e antes disso ainda, no Flamengo. Não só jogou com Mattheus, como cresceu com ele. Foram dez anos lado a lado. Ou um à frente do outro, com o médio do Limianos a servir e guarda-costas ao filho de Bebeto.

«Já nos conhecemos desde 2004, e desde que ele chegou ao Flamengo chamou a atenção», disse Luan Sérgio, ao Maisfutebol.

«Por ser filho do Bebeto, sim, mas também e sobretudo pelo talento que tinha», garantiu, via telefone, antes de regressar de férias ao Brasil.

Obviamente, a atenção «era esperada pelo estatuto que o pai tinha» no futebol brasileiro, algo com que o esquerdino teve de lidar a nível futebolístico desde que se iniciou.

«Começámos em 2004, e estivemos 10 anos juntos, até 2013. Jogámos juntos no futsal do Flamengo e no futebol de campo. Em qual ele era melhor? Deixa ele no futebol de campo!», riu Luan Sérgio.

O médio do Limianos tem perfeita noção de que ser filho de Bebeto colocava o amigo debaixo de um holofote, fosse como fosse. Mas Luan Sérgio garante que dentro do clube, era falado pelo talento que demonstrava.

«Fomos subindo [de escalão], o Mattheus, como era um excelente jogador, era destaque nas categorias de base do Flamengo», contou Luan Sérgio, que chegou a partilhar, também, a camisola amarela mais desejada do futebol do país.

«Jogámos na seleção brasileira em conjunto. Primeiro fomos à seleção carioca, mais tarde à brasileira de sub-14 e sub-15», recordou.

Até que Mattheus chegou «a sénior, como dizem aqui em Portugal» e aí teve «cobrança injusta» por ser filho de quem é.

«Essa é a parte positiva e a negativa», referiu o antigo colega do recente reforço do Sporting. Luan Sérgio começa pela primeira, faz uma pausa na respiração, como a anunciar que o assunto é sério.

«O Mattheus sempre me chamou a atenção por uma coisa: a paixão que tem pelo futebol. Socialmente, ele nunca precisou disto. Mas não me recordo de ele chegar atrasado a um treino que fosse! Ele sempre teve um enorme respeito pelos outros e pelo futebol.»

O esquerdino que chega a Alvalade, garante Luan Sérgio, é o mesmo trabalhador e rapaz focado que jogava nas camadas jovens do Flamengo, conforme dissera, também, o campeão mundial de 1994, Bebeto. Que por acaso é pai dele também.

No entanto, há «a outra parte, a negativa, que foi a exigência» que os adeptos colocaram naquele rapaz celebrado num festejo que se tornou eterno em 1994.

«O pai dele foi um jogador excecional e quando chegou a profissional do Flamengo, o Mattheus teve uma cobrança injusta. São coisas completamente distintas, mas o torcedor compara. Por isso, foi bom para ele sair, porque lá foi totalmente injustiçado.»

As imagens e, sobretudo, o som de um estádio a vaiar Mattheus depois de ter desperdiçado uma oportunidade exemplificam o que Luan Sérgio diz.

O esquerdino sempre esteve habituado a lidar com a situação. Até porque ser filho de Bebeto é condição que não pode mudar.

«Ele chamava a atenção só por ser filho de quem era até para os adversários. Claro que havia sempre alguns que levavam para o outro lado, extrapolavam a rivalidade. Mas até pela forma dele ser, nunca quis ser melhor ou diferente de ninguém, as coisas ficavam tranquilas.»

O que mudou em Mattheus? Tornou-se «europeu»

Luan Sérgio passou vários anos a jogar como médio-defensivo de Mattheus. Viu-o evoluir desde novo e viu-o desenvolver-se no Estoril. Se o rapaz tranquilo que vivia no Rio de Janeiro continua igual, o futebolista mudou um pouco e para melhor.

«O Mattheus sempre jogou no meio-campo ofensivo, era um camisa dez de verdade», lembrou o médio dos Limianos.

«Destacava-se pela qualidade técnica, de passe e visão de jogo. Ah, e tinha outro dom, que era as bolas paradas, os livres como falam aqui!» Todos esses atributos veem-se no futebol do esquerdino, ainda do Estoril, mas já do Sporting.

A diferença está na europeização que sofreu. «Falámos sobre isso», contou Luan Sérgio, que também chegou agora a Portugal e, embora jogue em escalões inferiores, admite que o futebol é distinto do brasileiro.

«Essa adaptação tática [de jogar mais recuado], só surgiu agora. Soube adaptar-se à intensidade e disciplina que existe cá e com a qualidade que ele tem, está a viver o melhor momento dele», considerou, para concluir: «Na altura, teve aquela cobrança no Flamengo, agora está-se a mudar para um grande clube como o Sporting e com uma cláusula de rescisão de 60 milhões de euros!»

Mattheus será sempre filho de Bebeto. É uma impossibilidade deixar de o ser. Mas é também o rapaz que cresceu no Mengão, chegou à equipa principal do clube carioca, arriscou uma mudança para Portugal e agora quer ser feliz no Sporting como o foi em 2010…

«Vivemos bastantes momentos, mas recordo um. A final do carioca de sub-17, em 2010. Ele fez o golo do título. Foi uma bola que ele pegou depois do meio-campo, passou por um defesa e na saída do guarda-redes meteu a bola por baixo. Se não me engano, foi assim, já lá vão sete anos…»

O que também não deixa de ser curioso é que quem lhe passou a bola para esse 2-0 ao Botafogo foi um tipo que jogou no Sintrense em 2014/15 e se chama… Romário. Coisas do destino, provavelmente.