Quando falamos de Aurélio Pereira, o Senhor Formação, é de sucesso que estamos a falar. Dos sucessos do Sporting, dos sucessos das seleções portuguesas, do sucesso de tantos jogadores portugueses num mundo tão seletivo como é o futebol. Paulo Futre, Luís Figo, Cristiano Ronaldo. E tantos, tantos outros. Sucesso. Ponto.

Por isso, não deixa de ser estranho que num evento onde Aurélio Pereira é o motivo do encontro, um dos oradores decida falar de um miúdo que Aurélio Pereira nunca conseguia apanhar.

Rogério Paulo Veigas Alves.

Quem? Pois…

Se nunca ouviu falar, é normal. Mas em 1975, o miúdo enchia o olho a Aurélio Pereira. Só tinha um problema: fora do campo, escapava-se tão depressa e de forma tão ágil como no relvado se desenvencilhava dos adversários.

«O Aurélio Pereira organizou um torneio chamado ‘Onda Verde’, para miúdos entre os 10 e os 13 anos. E a fase final era jogada em Alvalade. E quem ganhou esse torneio foi uma equipa do Montijo, chamada Cancela, que tinha um miúdo que deixou o génio único, Aurélio Pereira, apaixonado. No final, o Aurélio Pereira foi ao balneário do Cancela porque queria contratar o Rogério Paulo. Perguntou aos treinadores, mas eles disseram-lhe que os pais estavam à espera e que miúdo já tinha ido embora. Depois perguntou a outro responsável e disseram-lhe: ‘ele é emigrante, já teve de ir’».

Escapou-se. Mas assim tão fácil? Não para Aurélio Pereira.

«Dois dias depois, foi ao Montijo e conseguiu encontrar a casa do treinador do Cancela e pediu-lhe ajuda. ‘Quem é o Rogério Paulo? Onde é que ele está, vive em França, na Austrália, onde? Eu não posso perder este talento!’. O treinador era o meu pai, que lhe disse: ‘Eu enganei-o. Aquele miúdo não se chama Rogério Paulo Veigas Alves, mas sim Paulo Jorge Santos Futre e é meu filho. Mas eu não o enganei de propósito ou de má fé. Se o meu filho tivesse 14 anos era uma coisa, mas ele tem nove anos’».

«Tenho o privilégio de ser o primeiro grande craque que este génio descobriu. Com olhos de ouro», resumiu Paulo Futre, a lenda do futebol mundial que, «se não fosse o Aurélio Pereira, era bate-chapas no Montijo».

Paulo Futre. É ver para crer. Aliás, «Ver para Crer».

A história de como Aurélio Pereira descobriu Paulo Futre é apenas uma de tantas que é contada no livro «Ver para Crer – Memórias de descoberta e formação de talentos», assinado por Aurélio Pereira e Rui Miguel Tovar, que foi apresentado nesta quinta-feira, na Cidade do Futebol.

Sim, Paulo Futre não conta todas as histórias do livro em que é um dos protagonistas, mas achámos por bem deixá-lo contar a dele próprio, como tão bem fez na apresentação do livro que contou com a presença de Fernando Gomes, presidente da Federação Portuguesa de Futebol (FPF), Rui Miguel Tovar, Mafalda e Rute Pereira, filhas do ‘génio único’, bem como de Carlos Pereira, o irmão do olheiro do Sporting.

Um, dois, três… 62. Ses-sen-ta-e-dois!

Aurélio Pereira não marcou presença no evento, por motivos de saúde. Mas esteve sempre presente. Da mesma forma que está presente em todas as conquistas recentes da seleção, sem ter precisado de estar em Paris em 2016, ou no Dragão em 2019, por exemplo. Como em tantas mais histórias de sucesso.

Não há volta a dar. O legado de Aurélio Pereira é impossível de contabilizar apenas nos títulos conquistados pela seleção ou pelo Sporting.

Porque, como disse Rui Miguel Tovar, jornalista que assina o livro com Aurélio Pereira, «ele não fez história, ele é História».

«Era um sonho escrever um livro sobre alguém. E estes foram três anos muito estimulantes. Conhecer a pessoa e o génio já é estimulante, mas conhecê-lo dentro de casa, ouvi-lo contar tantas histórias horas e horas, é muito, muito estimulante», começou por dizer Rui Miguel Tovar.

«O que é mais intimidante é que ele não fez história, ele é história. Mexeu com a vida do Paulo Futre, com a do pai do Futre, do Quaresma, do Ronaldo… E ao mexer com a vida do Ronaldo, mexeu com a da Dolores, do pai do Ronaldo e até da Madeira. Porque a partir do momento em que Ronaldo entra no Sporting, muda a história do futebol português e até a história do futebol mundial», enalteceu.

Aurélio Pereira é daquelas figuras que não precisa que se procurem provas sobre o valor do seu trabalho. É um nome que é sinónimo de competência reconhecida por todos aqueles que andam minimamente atentos ao mundo do futebol.

Ainda assim, há um número importante a trazer para este debate: 62. Sessenta e dois. Por extenso.

Foram sessenta e dois os jogadores descobertos ou treinados por Aurélio Pereira que chegaram a internacionais A por Portugal. Isso não é coisa pouca.

E são algumas dessas histórias que ficamos a conhecer no livro editado pela Contraponto, do grupo Bertrand, com o apoio da FPF e do Sporting, e ao qual várias personalidades do futebol se quiseram associar.

Por isso mesmo, além das presenças no auditório da Cidade do Futebol, houve mensagens em vídeo de Frederico Varandas, Dolores Aveiro, ou José Mourinho. Todos a enaltecer a «lenda», como Mourinho e Varandas se referiram a Aurélio Pereira.

Do ‘talento raro’ descoberto nas férias, ao melhor marcador da Liga num… fim de semana romântico

A história de como Cristiano Ronaldo chegou ao Sporting, como forma de pagamento de uma dívida do Nacional aos leões, já é mais do que conhecida. Ainda assim, em «Ver para Crer» há detalhes poucas vezes relatados sobre aquele que se viria a tornar na maior bandeira da formação do Sporting no mundo.

Contudo, há outras histórias quase desconhecidas sobre a forma como tantos talentos chegaram ao Sporting para dali deslumbrar o mundo.

Por exemplo, sabia que Quaresma chegou aos leões ‘à boleia’ do irmão mais velho? Sim, o interesse inicial era em Alfredo Quaresma, mas o pequeno Ricardo, de apenas sete anos, chamou a atenção e foi no ‘pacote’.

Não acredita? É «Ver para Crer».

E Jorge Cadete? Que história deliciosa!

O menino dos caracóis loiros foi descoberto… com autorização de Nani, a mulher de Aurélio Pereira.

Isto porque o olheiro do Sporting estava em Benavente para passar um fim de semana romântico. Só que enquanto tomava o pequeno-almoço viu um cartaz a anunciar um Benavente-Académica de Santarém. Pediu à esposa para o deixar assistir a apenas 15 minutos, que foi o tempo suficiente para perceber a qualidade de Cadete.

Foi «Ver para Crer».

Nada passava despercebido no radar de Aurélio Pereira. Nem mesmo um tal de… Rui Miguel Tovar.

É verdade que daquela tarde do verão de 1984, em Troia, foi ‘o talento raro’ de Dani que caiu na rede de Aurélio Pereira e do Sporting. Mas naquelas férias, no mesmo dia, o olheiro conheceu o miúdo que, anos mais tarde, viria a escrever o seu livro de memórias: «Ver para Crer».

Na apresentação do livro, Paulo Futre disse que «para falar de Aurélio Pereira precisava, pelo menos, de quatro horas». E não seria muito para falar do «génio único». Do homem que fez mais do que suficiente para vencer o prémio ‘Olho de ouro’, que o mesmo Paulo Futre, que na cerimónia não conseguiu segurar as lágrimas, propôs que fosse criado.

«Se este génio tivesse nascido na Catalunha, já tinha uma série de estátuas. Temos de levar a história dele para todo o mundo. Têm de conhecer o Aurélio Pereira até na Mongólia. Ele tem de ser eterno, eterno, eterno.»

Será «Ver para Crer».