A 2 de outubro de 2013, três dias depois de a sua equipa ter batido um recorde negativo, os adeptos do Eintracht Braunschweig saíram à rua indignados. Mas, apesar do pior início de época em toda a história da Bundesliga, com apenas um ponto em sete jornadas, o movimento não reclamava a cabeça do treinador, como seria de esperar num clube normal.

A indignação devia-se, sim, à possibilidade de Torsten Lieberknecht concretizar a ameaça feita aos jogadores após a goleada com o Estugarda (0-4), e abandonar o clube que orienta há cinco anos. A meio da semana, cerca de 500 dos adeptos mais fieis organizaram uma manifestação de apoio a técnico e jogadores, durante uma sessão de treino. Os cânticos, e os gritos de «Eintracht Braunschweig, olé!», antecederam o momento em que, conta o «Die Welt», os elementos da equipa passaram por filas estreitas de adeptos, que trocavam apupos por aplausos.

Três dias mais tarde, o Braunschweig foi a Wolfsburgo arrancar a primeira vitória da época (0-2). Coincidência? Ao falar com os jornalistas o treinador, de 40 anos, não disfarçou um ligeiro sorriso: «Parece que resultou. Às vezes não é saudável remoer frustrações, a coisa certa a fazer é deixar a emoção fluir para que as coisas aconteçam», disse, acerca do murro na mesa, dado na semana anterior.

Conseguida no terreno de um candidato à Champions, cujo orçamento era quase quatro vezes superior ao do recém-promovido Braunschweig (15 milhões), a primeira vitória no escalão principal ao fim de 28 anos longe da ribalta parecia um pequeno milagre. Mais um, entre os vários a que a equipa de Lieberknecht tem habituado os seus adeptos.

Um português na aventura

Do outro lado da linha, à conversa com o Maisfutebol, adivinha-se o sorriso de Marcel Correia quando recorda o incidente. Lesionado desde a terceira jornada, com o Frankfurt, o defesa português, de 24 anos, não foi testemunha direta da fúria de Lieberknecht. Mas nunca levou à letra a ameaça do treinador: «Com o Estugarda fizemos uma segunda parte péssima. E ele no final explodiu, à frente dos jogadores e dos jornalistas. Mas quem o conhece nunca acreditou que deixasse a equipa. Não seria ele se o fizesse», resume.

Marcel, que já nasceu na Alemanha, joga desde 2011 na equipa mais barata da Bundesliga. Chegou ao clube quando este tinha acabado de garantir a subida à II divisão e, ao fim da segunda época, já festejava a chegada à elite, onde se estreou em agosto.

O português está longe de ser o único estreante, num plantel cujo orçamento é nove vezes inferior ao do Bayern de Munique. Por necessidade e convicção, a equipa manteve a base de jogadores que conseguiu a subida e o orçamento não aumentou um só euro com a entrada na elite. «No final da época passada eles assumiram que queriam dar todas as chances aos jogadores que vinham da II. É uma aposta difícil, e explica em parte as derrotas que sofremos no início», explica Marcel.

Desde que assumiu o comando da equipa, em maio de 2008, para evitar in extremis a descida à quarta divisão, Lieberknecht definiu como prioridade absoluta a construção de uma identidade. Num clube com pouco dinheiro, isso traduz-se numa aposta na formação, e em jogadores jovens e ambiciosos, que tenham as portas fechadas em clubes com outros meios: «Não é só talento, procuramos altos níveis de paixão», explica.


Lieberknecht (esq.) festeja com os jogadores

Em paralelo, o treinador, apoiado pelo diretor desportivo Marc Arnold, percebeu cedo que o Braunschweig tinha na lealdade dos adeptos o maior capital. Talvez por isso, Lieberknecht, cujo nome traduzido significa algo como «caro servo», leva ao extremo a relação de proximidade com os torcedores. A tal ponto que não hesitou em convidar, para uma conversa de meia hora, no seu gabinete, um adepto que se tinha dado ao trabalho de escrever-lhe uma carta a criticar algumas opções da equipa.

A sombra de Klopp

Não seria preciso a manifestação de outubro para perceber que essa aposta dá frutos. «O nosso estádio tem cerca de 23 mil lugares e está sempre cheio», confirma Marcel Correia, que recorre a uma expressão tipicamente portuguesa para definir o seu treinador: «É uma pessoa mesmo fixe. Ainda fala como um jogador e sabe usar a nossa linguagem para mexer connosco. Gosta de lidar com as situações concretas, no terreno, e é muito enérgico. É parecido com Jürgen Klopp», resume.

O português não é o primeiro a fazer a comparação, estimulada pelo facto de Klopp e Lieberknecht terem partilhado balneário no Mainz, primeiro como companheiros de equipa, depois, em 2001, já com Klopp como treinador. O patamar de sucesso é diferente, claro, mas Lieberknecht, seis anos mais novo, tem tempo para chegar lá.

Ou talvez não pense nisso, habituado que está a avaliar o sucesso por outros padrões. Um pouco à semelhança do livro «Moneyball», referência para todos os gestores desportivos de clubes com poucos meios: «Não temos feito outra coisa senão procurar o equilíbrio delicado entre tradição e futuro», afirmou ao site da Bundesliga no início da época. «Mesmo que acabemos por descer de divisão, queremos deixar algo para moldar o futuro, de forma a que o clube não volte a cair onde estava», resume.

Para já, os sinais animadores continuam: no último sábado, o Braunschweig somou a segunda vitória da época, a primeira conseguida perante os seus adeptos. A vítima, o Bayer Leverkusen, tem um orçamento três vezes maior, e esta semana bate-se com os grandes da Europa na Liga dos Campeões.

Nesta sexta há dérbi, com o Hannover. Em caso de vitória, a equipa até pode sair da zona de descida. «É bonito jogar contra craques como Lewandowski e Marco Reus. Mas já passámos esse contentamento, e agora já percebemos que podemos ganhar a qualquer equipa», conclui Marcel Correia, com a voz tranquila de quem já não se espanta com milagres.